Alain Touraine: Na Fronteira dos Movimentos Sociais

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Resumo de Na Fronteira dos Movimentos Sociais, artigo de Alain Touraine. Boa sorte!

Podemos ainda falar em movimento social em sociedades que chamaríamos pós-industriais, às quais muitos observadores chamam sociedade da informação ou da comunicação?

I.1 Atualmente, a única razão que me parece justificar um novo exame da noção de movimento social é a introdução de outros elementos no debate. Aqui, duas possibilidades de crítica se apresentam. A primeira delas declara que os movimentos sociais estão ligados a um tipo de sociedade, que deixamos para trás, por exemplo, a sociedade industrial.

A segunda forma de criticar o uso da noção de movimento social é enfatizar que os fenômenos de globalização ou de mundialização deslocaram consideravelmente os espaços e mecanismos de conflitos, de tal modo que os movimentos sociais merecedores de estudos são aqueles que colocam em questão os mecanismos de globalização que, em larga medida, não suscitam decisões semelhantes àquelas adotáveis por uma “classe dirigente”.

Desde logo, indico que essas duas objeções me parecem bem fundadas. Tentarei, então, justificar a recomendação de suspender o recurso à noção de movimentos sociais, salvo quando se tratar de realidades sociais e históricas já muito estudadas. É nesse ponto de partida que o título dado a este artigo se apoia.

Para que nenhuma confusão venha retirar o interesse à análise, é necessário primeiramente nos entendermos sobre a definição desses fenômenos. A sabedoria residiria em reservar o emprego da categoria “movimentos sociais” ao conjunto dos fenômenos que, de fato, receberam esse nome no decorrer de uma longa tradição histórica; é reservar a ideia de movimento social a uma ação coletiva que coloca em causa um modo de dominação social generalizada. Entendo que uma relação social de dominação só pode suscitar uma ação que mereça o nome de movimento social se atuar sobre o conjunto dos principais aspectos da vida social, ultrapassando as condições de produção em um setor, de comércio ou de troca ou, ainda, a influência exercida sobre os sistemas de informação e de educação. Só há movimento social se a ação coletiva se opuser a tal dominação.

Por mais simples que sejam essas definições, elas indicam muito claramente que os movimentos sociais são condutas coletivas e não crises ou formas de evolução de um sistema. Falarmos sobre movimento social significa colocarmo-nos no ponto de vista dos atores, que são conscientes do que têm em comum e dos interesses particulares que os definem uns contra os outros.

3 Tanto mais é necessário ter uma visão restritiva do uso da noção de movimento social nas sociedades ditas industriais, tanto mais é necessário aceitar deliberadamente o emprego dessa noção em outras sociedades. Se uma sociedade se concebe, analisa e descreve suas próprias práticas e seus próprios conflitos em termos religiosos, não há nenhuma razão para não aplicar a esses movimentos religiosos a noção de movimento social.

II Podemos ainda falar em movimento social em sociedades que chamaríamos pós-industriais, às quais muitos observadores chamam sociedade da informação ou da comunicação? Não há qualquer razão para não aplicarmos a esse novo tipo societal a análise que usamos para outras sociedades. Não é difícil ver, em diversos países e em tipos de sociedades muito diferentes, conflitos tocando a apropriação da informação e do conhecimento.

É, entretanto, impossível não ver uma mudança fundamental de situação. O conflito social tem como eixo a utilização dos recursos criados pela sociedade – seja na ordem dos bens materiais, seja na ordem dos bens simbólicos –, de modo que o êxito ou o fracasso de um movimento social se traduz por transformação da organização social e, em particular mas não unicamente, da produção. Ao contrário, quando nos situamos na sociedade da informação, não é possível encontrar formas de organização ou de produção que traduzam diretamente uma dominação social. O triunfo espetacular das tecnologias da informação e da comunicação detém extrema flexibilidade e não são mais instrumentos a serviço de um poder social. Em compensação, quando nos situamos em sociedades da informação e da comunicação não podemos mais nos referir a formas concretas de organização e de produção. As forças dominantes se definem por uma capacidade ilimitada de mudança ou de adaptação a um contexto em constante modificação, e, muitas vezes, imprevisível. Por outro lado, é difícil encontrar o equivalente à expressão empregada anteriormente: a defesa da autonomia do trabalho ou da profissão. Em outros termos: o face a face opõe à pura mudança a exigência de autonomia, liberdade e responsabilidade da pessoa. Nos dois enfoques, a ordem social é excedida. É a razão pela qual é preferível substituir a expressão “movimentos sociais” por “movimentos culturais”, indicando o deslocamento dos conflitos para a ordem simbólica. Como se, agora, face a face, se encontrassem forças incontroladas como podem ser os movimentos do mercado mas os mecanismos que excedem largamente as intenções daqueles que acreditam desencadeá-los e dissipá-los. De outro lado, diante dessas forças impessoais, não são forças sociais organizadas que estão em cena, mas exigências morais. Trata-se, entretanto, de moral, à medida que se trata de direitos humanos e da concepção de universalismo desses direitos. A uma linguagem dominada pelo interesse ou pela estratégia se sucede uma linguagem dominada pela moral, pelo medo de catástrofes. É necessário ainda falar em movimentos sociais? Creio que sim. Porque se trata ainda de conquistar ou reconquistar um espaço social. Aqueles que querem aumentar o poder das forças impessoais se esforçam em baixar as barreiras sociais, em deixar a regulação feita pelo mercado se exercer tão facilmente quanto possível. As piores catástrofes, os extermínios, as cenas mais espantosas de crueldade fazem parte da realidade social e não podemos, de nenhuma maneira, desembaraçar-nos de sua violência, falando em casos atípicos, patológicos ou marginais. Quanto mais avançamos na direção dessas sociedades – que são menos sociedades da informação e da comunicação e mais sociedades onde forças não sociais se desencadeiam –, mais se torna importante manter a unidade de uma investigação sociológica, isto é, de uma investigação ao mesmo tempo repousando sobre a ideia de conflito e sobre o que há de comum entre os adversários em conflito.

III É necessário distinguir claramente, em cada tipo de sociedade, os movimentos sociais propriamente ditos que foram evocados, os conflitos estruturais dessa sociedade que opõem os detentores do poder econômico e social e aqueles a eles submetidos, movimentos de outra natureza que designo movimentos históricos e que podem ser definidos pelos conflitos surgidos em torno da gestão da mudança histórica. Falamos do movimento operário como de um movimento social central da sociedade industrial e de movimentos históricos ou políticos como o capitalismo, o socialismo, o comunismo e outros, cujo objeto foi dirigir o processo de industrialização. De um lado, portanto, um conflito interno à sociedade industrial e, de outro lado, um conflito derivado do processo de modernização.

A distância entre movimentos sociais e movimentos históricos é muito maior do que nas sociedades industriais. O movimento histórico mais visível neste início do século XXI, o movimento antiglobalização ou altermundialista, aparece como tendo relações distantes com os movimentos sociais propriamente ditos.

Ainda que estejamos constantemente tentados a confundir sindicalismo e socialismo ou comunismo, e tentados sobretudo a reuni-los sob o título geral de movimento operário – o que leva somente à confusão – a distância entre o altermundialismo e os movimentos é de tal magnitude que somos tentados a negar a existência de toda relação entre esses dois conjuntos.

Ainda que seja mais fecundo partir da hipótese de que os movimentos sociais propriamente ditos desapareceram e foram substituídos, de um lado, por puros movimentos históricos e, de outro, por movimentos culturais e sociais, parece-me indispensável manter todos os mecanismos intermediários, ainda que fracos, que impeçam uma completa separação entre movimentos sociais propriamente ditos e movimentos nascidos da gestão dos processos de transformação histórica.

Chegamos ao ponto extremo do território no qual a noção de movimento social pode ser utilizada. É necessário manter a referência à noção de movimento social no estudo das sociedades contemporâneas, de quaisquer tipos, mesmo que, à primeira vista, pareçam não exigir a utilização de tais noções. A continuidade da análise sociológica é mais importante do que a observação das diferenças profundas que existem entre um e outro tipo societal.

Bibliografia:

Touraine, Alain.Na fronteira dos movimentos sociais (2006). Sociedade e Estado, Brasília, v. 21, n. 1, p. 17-28, jan./abr.

Leia a íntegra do texto clicando aqui

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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