Literatura e Sociedade: O Escritor e o Público

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Resumo de O Escritor e o Público, capítulo de Literatura e Sociedade, obra de Antonio Candido. Boa leitura!

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Frequentemente tendemos a considerar a obra literária como algo incondicionado, agindo sobre nós graças a uma força própria que dispensa explicações. Por isso, quando investigamos tais fatores, percebemos que os mais significativos são os internos, que costeiam as zonas indefiníveis da criação.

Há todavia os externos, como aqueles de que se ocupará este artigo. O escritor é não apenas o indivíduo capaz de exprimir a sua originalidade, mas alguém desempenhando um papel social, ocupando uma posição relativa ao seu grupo profissional e correspondendo a expectativas dos leitores ou auditores. A obra e o público são dois termos que atuam um sobre o outro, e aos quais se junta o autor, para configurar a realidade da literatura atuando no tempo. Qual a influência entre eles?

A produção da obra literária deve ser inicialmente encarada com referência à posição social do escritor e à formação do público.

Aquela depende, em primeiro lugar, da noção desenvolvida pelos escritores de constituírem segmento especial da sociedade. A posição do escritor depende também do conceito social que os grupos elaboram em relação a ele. Este fator exprime o reconhecimento coletivo da sua atividade, que deste modo se justifica socialmente.

Deste modo é que tais fatores devem ser considerados, relacionando-os, além disso, ao segundo grupo de fatores, que integram o conceito de público.

Se a obra é mediadora entre o autor e o público, este é mediador entre o autor e a obra, na medida em que o autor só adquire plena consciência da obra quando ela lhe é mostrada através da reação de terceiros.

Um público se configura pela existência e natureza dos meios de comunicação, pela formação de uma opinião literária e a diferenciação de setores mais restritos que tendem à liderança do gosto — as elites.

Para correlacionar o problema do escritor e do público no quadro da presente análise, lembremos que o reconhecimento da posição do escritor (a aceitação das suas idéias ou da sua técnica, a remuneração do seu trabalho) depende da aceitação da sua obra, por parte do público. Escritor e obra constituem, pois, um par solidário, funcionalmente vinculado ao público.

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Quando consideramos a literatura no Brasil, vemos que a sua orientação dependeu em parte dos públicos disponíveis nas várias fases, a começar pelos catecúmenos, estímulo dos autos de Anchieta. Vemos em seguida que durante cerca de dois séculos, os públicos normais da literatura foram aqui os auditórios — de igreja, academia, comemoração. O escritor não existia enquanto papel social definido; vicejava como atividade marginal de outras: sacerdote, jurista, administrador. É preciso chegarmos ao fim do século XVIII e à fase que precede a Independência para podermos avaliar como se esboçam os elementos característicos do público e da posição social do escritor, definindo-se os valores de comunicação entre ambos.

O escritor começou a adquirir consciência de si mesmo, no Brasil, como cidadão, a quem incumbe difundir as luzes e trabalhar pela pátria. Esta literatura militante chegou ao grande público como sermão, artigo, panfleto, ode cívica; e o grande público aprendeu a esperar dos intelectuais palavras de ordem ou incentivo, com referência aos problemas da jovem nação que surgia. De tudo se conclui que no primeiro quartel do século XIX esboçaram-se no Brasil condições para definir tanto o público quanto o papel social do escritor em conexão estreita com o nacionalismo.

Escritor e público definiram-se aqui em torno de duas características decisivas para a configuração geral da literatura: retórica e nativismo. À ação dos pregadores, dos conferencistas de academia, correspondia a uma sociedade de iletrados, analfabetos ou pouco afeitos à leitura. Deste modo, formou-se, dispensando o intermédio da página impressa, um público de auditores, favorecendo, no escritor, certas características de facilidade e ênfase, certo ritmo oratório que passou a timbre de boa literatura e prejudicou entre nós a formação dum estilo realmente escrito para ser lido. O homem de letras foi aceito como cidadão, disposto a falar aos grupos; e como amante da terra, pronto a celebrá-la para edificação de quantos, mesmo sem o ler, estavam dispostos a ouvi-lo. Condições todas, como se vê, favorecendo o desenvolvimento de uma literatura sem leitores, como foi e é em parte a nossa.

Mencionemos agora outra consequência importante da literatura se haver incorporado ao civismo da Independência e ter-se ajustado a públicos mais amplos do que os habilitados para a leitura compreensiva: a sua aceitação pelas instituições governamentais, com a decorrente dependência em relação às ideologias dominantes. Neste sentido, avultam três fatores: o frequente amparo oficial de D. Pedro II, o Instituto Histórico e as Faculdades de Direito (Olinda-Recife e São Paulo). Houve um mecenato por meio da prebenda e do favor imperial, que vinculavam as letras (os literatos) à administração e à política, e que se legitima na medida em que o Estado reconhecia o papel cívico e construtivo que o escritor atribuía a si próprio como justificativa da sua atividade.

As condições que presidiram, no Brasil, à definição tanto do público quanto do escritor deviam ter favorecido entre ambos uma comunicação fácil e ampla. Mas ficou também visto que o escritor não pôde contar, da parte do público, com uma remuneração que este não era capaz de fornecer, obrigando o Estado a interpor-se entre ambos, como fonte de outras formas de retribuição.

Correspondendo aos públicos disponíveis de leitores, a nossa literatura foi geralmente acessível como poucas, pois até o Modernismo, não houve aqui escritor realmente difícil, a não ser a dificuldade fácil do rebuscamento verbal. Entre nós, nunca tendo havido consolidação da opinião literária, o grupo literário nunca se especializou a ponto de diferenciar-se demasiadamente do teor comum de vida e de opinião. Quase sempre produziu literatura como a produziriam leigos inteligentes, pois quase sempre a sua atividade se elaborou à margem de outras. Papel social reconhecido ao escritor, mas pouca remuneração para o seu exercício específico; público receptivo, mas restrito e pouco refinado. Consequência: literatura acessível mas pouco difundida; consciência grupal do artista, mas pouco refinamento artesanal.

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Na primeira metade do século XX houve alterações importantes no panorama traçado, principalmente a ampliação relativa dos públicos, o desenvolvimento da indústria editorial, o aumento das possibilidades de remuneração específica. Em consequência, a partir de 1922 o escritor pôde definir um papel mais liberto. A diferenciação dos públicos permitiu maiores aventuras intelectuais e a produção de obras marcadas por visível inconformismo, como se viu nas de alguns modernistas e pós-modernistas. Convém mencionar que as elites mais refinadas do segundo quartel do século XX não coincidiram sempre com as elites administrativas e mundanas, permitindo assim às letras ressonância mais viva.

Há, portanto, uma dissociação do panorama anterior, que lhe dá maior riqueza. Ao contrário do que se tinha verificado até então, assistiu-se entre nós ao esboço de uma vanguarda literária mais ou menos dinâmica.

Em nossos dias, quando as mudanças assinaladas indicavam um possível enriquecimento da leitura e da escrita feita para ser lida, — como é a de Machado de Assis, — outras mudanças no campo tecnológico e político vieram trazer elementos contrários a isto. O rádio, por exemplo, reinstalou a literatura oral. A ascensão das massas trabalhadoras propiciou, de outro lado, não apenas maior envergadura coletiva à oratória, mas um sentimento de missão social nos romancistas, poetas e ensaístas, que não raro escrevem como quem fala para convencer ou comover.

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Bibliografia:

CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 9ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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