Resumo de Sociologia e Socialismo de Durkheim, capítulo de As Etapas do Pensamento Sociológico de Raymond Aron. Boa leitura!
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Para estudar as ideias politicas de DURKHEIM dispomos de três séries de cursos publicadas depois da sua morte. Esses cursos são: o curso sobre o SOCIALISMO, publicado em 1928 com o título Le socialisme; o curso publicado em 1950 com o título Lecons de sociologie. Physique des moeurs et du droit; e, por fim, cursos sobre a educação e os problemas pedagógicos.
Ao começar suas investigações, Durkheim colocou o problema sob a seguinte forma: quais são as relações entre o individualismo e o socialismo?
O LIVRO SOBRE A DIVISÃO DO TRABALHO constitui a primeira resposta de Durkheim a essa pergunta. O problema social, das relações entre o indivíduo e o grupo, não deve ser resolvido por via especulativa, mas pela via científica. E a ciência nos mostra que não há só um tipo de relacionamento entre indivíduo e grupo. Há particularmente dois tipos fundamentais de integração: a SOLIDARIEDADE MECÂNICA, baseada na semelhança, e a SOLIDARIEDADE ORGÂNICA, baseada na diferenciação.
A análise da solidariedade orgânica é, para Durkheim, a resposta ao das relações entre o individualismo e o socialismo. A sociedade em que domina a solidariedade orgânica permite ao individualismo desenvolver-se com base em uma necessidade coletiva e de um imperativo moral. A própria moral ordena a cada um que se realize. A solidariedade moral não deixa de colocar, contudo, dois problemas.
Na sociedade moderna, cada um pode realizar a própria vocação. Nem por isso deixa de ser necessário haver crenças comuns para manter a coexistência pacífica. Quanto mais a sociedade moderna encoraja os indivíduos a reivindicar o direito de realizar sua personalidade e de satisfazer seus desejos, mais se deve temer que o indivíduo esqueça as exigências da disciplina e termine numa situação perpétua de insatisfação. Não há sociedade sem disciplina, sem limitação dos desejos, sem uma desproporção entre as aspirações de cada um e as satisfações possíveis.
Neste ponto da análise o sociólogo aborda o problema do socialismo. Embora num certo sentido seja socialista, não é marxista. Opõe-se mesmo à doutrina MARXISTA em dois pontos essenciais:
Em primeiro lugar, não crê na fecundidade dos meios violentos e se recusa a considerar a LUTA DE CLASSES, em particular os conflitos entre operários e empresários, como mola do movimento histórico. Para Durkheim, os conflitos entre trabalhadores e empresários demonstram a falta de organização ou a anomia parcial da sociedade moderna, que deve ser corrigida. O sociólogo também não é socialista, na medida em que muitos socialistas se inclinam a crer que a solução dos problemas da sociedade moderna virá de uma reorganização econômica. Durkheim faz uma distinção entre as doutrinas que chama de comunistas e as que chama de socialistas. Em todas as épocas da história, houve doutrinas comunistas, as quais nasciam do protesto contra a desigualdade social e a injustiça. Longe de considerar a atividade econômica como fundamental, procuraram reduzir ao mínimo o papel da riqueza. As doutrinas socialistas, ao contrário, acentuam o caráter primordial da atividade econômica; procuram na abundância e no desenvolvimento da capacidade produtiva a solução das dificuldades sociais.
Outrora, em todas as sociedades as funções econômicas estavam subordinadas a poderes temporais (militares ou feudais) e espirituais (religiosos). Na sociedade industrial moderna, as funções econômicas não são mais moralizadas ou regularizadas. Para Durkheim, as funções econômicas precisam estar submetidas a um poder, e este poder deve ser, ao mesmo tempo, politico e moral.
O Estado não é capaz de exercer essa função porque está muito distante dos indivíduos. A família perdeu seu papel econômico; o local de trabalho não mais se confunde com o local de residência. Os grupos profissionais, as corporações reconstituídas, constituirão um intermediário entre os indivíduos e o Estado, pois serão dotados da autoridade social e moral necessária para restabelecer a disciplina, sem a qual os homens se deixam levar pela infinidade de seus desejos.
A conclusão do curso sobre o socialismo é interessante. Durkheim escreve que, no inicio do século XIX, três movimentos foram quase contemporâneos: o surgimento da sociologia, um esforço de renovação religiosa e o desenvolvimento das doutrinas socialistas.
De acordo com Durkheim, o socialismo, a sociologia e a renovação religiosa coincidiram, no principio do século XIX, porque são características da mesma crise. O socialismo propõe um problema de organização social. O esforço de renovação religiosa é uma reação ao enfraquecimento das crenças tradicionais. A sociologia e o desenvolvimento do espírito científico é também uma tentativa de encontrar resposta aos problemas enunciados pelo socialismo, pelo enfraquecimento das crenças religiosas, pelos esforços de renovação espiritual.
Segundo Durkheim, portanto, o socialismo é essencialmente uma reação à anarquia econômica, cujo tema central é a organização, e não a luta de classes. Seu objetivo é a criação de grupos profissionais, e não a transformação do estatuto da propriedade. O socialismo de Durkheim é uma organização mais consciente da vida coletiva, que teria por objeto e consequência a integração dos indivíduos em instâncias sociais ou em comunidades dotadas de autoridade moral, capazes, portanto, de preencher uma função educativa.
Compreende-se o motivo por que Durkheim não se interessa pelos mecanismos propriamente políticos. Ele acreditava na necessidade de reformas profundas de ordem social e moral.
Durkheim define a DEMOCRACIA de modo diferente da definição que hoje é clássica. A definição da democracia que Durkheim nos propõe implica que a ordem política, isto é, do comando e da autoridade, seja secundária no conjunto da sociedade; e que a própria democracia se caracterize pelo grau de comunicação entre a massa da população e os governantes. Durkheim não imaginou que esta mesma concentração de poder, e uma certa forma de comunicação entre governantes e governados, pudessem existir em conjunção com um modo de governo fundamentalmente diverso em relação à democracia.
Os cursos de Durkheim sobre o problema da educação representam, quantitativa e qualitativamente, uma parte importante da sua obra. Quando lecionava na Sorbonne, Durkheim teve no princípio uma cátedra de pedagogia, e não de sociologia.
Havia uma razão evidente para que se interessasse, de qualquer forma, pelo problema da educação: a educação é, em essência, um fenômeno social, e consiste em socializar os indivíduos. Educar uma criança é prepara-la (ou força-la) a participar de uma ou de várias comunidades. Por isso, como professor, Durkheim encontrava seus temas favoritos quando estudava historicamente as diversas modalidades de educação praticadas na França. A educação é um processo social, e cada sociedade tem as instituições pedagógicas que lhe convém.
No ponto de partida, Durkheim, como HOBBES, vê o homem dominado pelo egoísmo natural, animado de desejos infinitos, tendo necessidade, portanto, de ser disciplinado. A educação consiste assim, em habituar os indivíduos a uma disciplina, a que cada indivíduo está submetido e é desejada porque provém do grupo. Formar os indivíduos é torná-los conscientes das normas que devem orientar a conduta de cada um e do valor imanente e transcendente das coletividades as quais cada um de nos pertence, ou deverá pertencer.
Nas sociedades modernas, o objetivo da educação não é só disciplinar os indivíduos mas também promover o desenvolvimento da personalidade; criar em cada um o senso da autonomia, da reflexão e da escolha. É preciso submeter todas as pessoas à autoridade da lei, que é essencialmente social mesmo quando é moral; mas esta sujeição à lei deve ser desejada por cada indivíduo, porque só ela nos permite realizar nossa personalidade racional.
Encontramos assim o duplo caráter de todas as explicações sociológicas de Durkheim. Considerada como causa, a estrutura social determina a estrutura do sistema de educação, e este tem por objetivo associar os indivíduos à coletividade, convencendo-os a tomar como objeto do seu respeito, ou do seu devotamento, a própria sociedade.
Bibliografia:
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.