O Povo Brasileiro: Bagos e Ventres

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Resumo de Bagos e Ventres, capítulo de O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, obra de Darcy Ribeiro. Boa leitura!

DESINDIANIZAÇÃO

Não contando com séries estatísticas confiáveis para o passado, é de todo provável que alcançasse a cinco milhões o total da população indígena brasileira quando da invasão.

Havia, tanto do lado português como do espanhol, uma tendência dos estudiosos para minimizar a população indígena original. Seja por crer que houvesse exagero nas fontes primárias dos cronistas. Seja pela tendência de dignificar o papel dos conquistadores e colonizadores, ocultando o peso do seu impacto genocida sobre as populações americanas.

O efeito dizimador das enfermidades desconhecidas, somado ao engajamento compulsório da força de trabalho e ao da deculturação, conduziram a maior parte dos grupos indígenas à completa extinção. Sobreviveram algumas tribos indígenas ilhadas na massa crescente da população rural brasileira.

A historieta clássica segundo a qual os índios foram amadurecendo para a civilização de forma que cada aldeia foi se convertendo em vila, é absolutamente inautêntica. O índio é irredutível em sua identificação étnica, tal como ocorre com o cigano ou como judeu. Mais perseguição só os afunda mais convictamente dentro de si mesmos.

Na primeira década deste século, a situação indígena brasileira era altamente conflitiva. Missionários se apropriavam das terras dos índios que catequizavam e as estavam loteando.

Nessa situação é que se levanta o principal dos humanistas brasileiros, Cândido Rondon, que exigia do país respeito à sua população original. O que cumpria fazer em essência era assegurar aquele mínimo indispensável a cada povo indígena, que é o direito de ser índio, mediante a garantia de um território onde possam viver a salvo de ataques, e reconstituir sua vida e seus costumes. A inovação principal de Rondon foi, porém, o estabelecimento pioneiro do princípio do direito à diferença.

O INCREMENTO PRODIGIOSO

As grandes façanhas históricas brasileiras foram a conquista de um território continental e a construção de uma população que ultrapassa os 150 milhões. Nenhum desses feitos foi gratuito.

Em 1584, o padre José de Anchieta avaliava a população do Brasil em 57 mil almas, sendo 25 mil brancos da terra, principalmente mestiços de portugueses com índias, 18 mil índios e 14 mil negros. O empreendimento colonial ocuparia, naquela época, não mais de 15 mil quilômetros quadrados. Com base na avaliação de Anchieta e em dados de outros cronistas contemporâneos, se pode admitir que, em 1600, a população neobrasileira fosse de 200 mil habitantes (Capistrano de Abreu 1929:123).

Em 1700, a população neobrasileira teria atingido uns 500 mil habitantes, dos quais 200 mil representados por indígenas integrados ao sistema colonial. Os negros seriam, talvez, 150 mil. A população “branca”, que seria de 150 mil habitantes, formada majoritariamente por mestiços de pais europeus e mães indígenas, falava principalmente o nheengatu como língua materna.

A mineração de ouro (1701‐80) e, depois, a de diamante (1740‐1828) teve como primeira consequência atrair rapidamente mais de 300 mil pessoas, nos sessenta primeiros anos, para uma área do interior, anteriormente inexplorada. Agora se criava uma rede de intercâmbio comercial que teria enorme importância no futuro, porque dava uma base econômica à unidade nacional.

Mais significativa ainda foi a influência da segunda invasão portuguesa. De um dia para outro, quase 20 mil portugueses aportam à Bahia e ao Rio. O rei trouxe consigo o melhor da burocracia portuguesa. O Brasil que nunca tivera universidades recebe de abrupto toda uma classe dirigente competentíssima que nos ensina a governar.

Enquanto a América hispânica se esfacela e em cada porto se inventa uma nação pouco viável, aqui se mantém a unidade. Cada levante era enfrentado pelos generais do rei, levando numa mão os canhões e na outra dragonas e decretos de anistia.

Em 1800, a população do território brasileiro recupera seu montante original de 5 milhões. A metade é formada, agora, por “brancos” do Brasil, predominantemente “pardos” ‐ quer dizer, mestiços e mulatos ‐, falando principalmente o português como língua materna. Os negros escravos somam 1,5 milhão. Fugindo ou resistindo à conscrição na força de trabalho e ao avassalamento, viveria mais 1 milhão de índios arredios e hostis, disseminados por todo o país.

O resultado fundamental dos três séculos de colonização e dos sucessivos projetos de viabilização econômica do Brasil foi a formação do povo brasileiro e sua incorporação a uma nacionalidade étnica e economicamente integrada.

ESTOQUE NEGRO

O “branco” colonizador e seus descendentes aumentavam século após século, principalmente, pela multiplicação de mestiços e mulatos. Os negros cresceram passo a passo com os brancos, mas, ao contrário destes, só o fizeram pela introdução anual de enormes contingentes de escravos, destinados tanto a repor os desgastados no trabalho, como a aumentar o estoque disponível para atender a novos projetos produtivos.

Os primeiros contingentes de negros foram introduzidos no Brasil nos últimos anos da primeira metade do século XVI. A caçada de negros na África, sua travessia e a venda aqui passam a constituir o grande negócio dos europeus, que absorveria, no futuro, pelo menos metade do valor do açúcar e, depois, do ouro. A Coroa permitia a cada senhor de engenho importar até 120 “peças”, mas nunca foi limitado seu direito de comprar negros trazidos aos mercados de escravos.

Foi tentador demais o desejo de montar fazendas de criação de negros para livrar os empresários das importações. O negócio nunca deu certo. Os negrinhos encontravam modos de ganhar o mundo fazendo‐se passar por negros forros, o que tornava o negócio muito oneroso. Acresce que, o moleque que não entrasse no duro trabalho do canavial muito novinho, doze anos presumivelmente, jamais se adaptaria à dureza desse trabalho.

Bibliografia:

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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