O Povo Brasileiro: O Processo Civilizatório

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Resumo de O Processo Civilizatório, capítulo de O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, obra de Darcy Ribeiro. Boa leitura!

POVOS GERMINAIS

O processo civilizatório, acionado pela revolução tecnológica que possibilitou a navegação oceânica, transfigurou as nações ibéricas. A causa primeira da expansão ultramarina, e portanto dos descobrimentos, fora a precoce unificação nacional de Portugal e da Espanha.

Libertos da ocupação sarracena e da exploração judaica, dirimidos dos poderios locais da nobreza feudal, emergia em cada área um Estado nacional. Surgem, assim, entidades capazes de grandes empresas, como os descobrimentos e o enriquecimento aurido no além-mar. A Inglaterra, que foi a terceira nação a estruturar-se, acaba por apossar-se da outra metade das Américas.

O BARROCO E O GÓTICO

Dois estilos de colonização se inauguram no norte e no sul do Novo Mundo. Lá, o gótico altivo de frias gentes nórdicas, transladado em famílias inteiras, que vinham sendo excluídas pela nova agricultura. Para eles, o índio era um detalhe, sujando a paisagem que devia ser livrada deles. Que fossem viver onde quisessem, livres de ser diferentes, mas longe. Cá, o barroco das gentes ibéricas, mestiçadas, que se mesclavam com os índios, não lhes reconhecendo direitos. Aqui, nenhuma terra se desperdiça com o povo que se ia gerando. Nenhuma liberdade se consente, também, porque se trata com hereges a catequizar, livrando-os da perdição eterna.

Ainda com o fervor das cruzadas gloriosas contra os mouros, eles se assanharam, aqui, contra o gentio americano. O próprio Estado assume funções sacerdotais, expressamente conferidas pelo papa. Ele transfere às coroas ibéricas o padroado papal, dando-lhes o direito de nomear, transferir e revogar bispados e outras autoridades eclesiásticas.

Em consequência, as classes dirigentes tendem a definir-se como agentes da civilização ocidental e cristã. A seu ver, estavam, simplesmente, forçando a indianidade a viver um destino mais conforme com a vontade de Deus e a natureza dos homens. Tal ideologia ainda hoje impera. Faz a cabeça do senhorio classista convencido de que orienta e civiliza seus serviçais, forçando-os a superar sua preguiça inata para viverem vidas mais fecundas e mais lucrativas. Faz, também, a cabeça dos oprimidos, que aprendem a ver a ordem social como sagrada.

A evolução de uma e outra dessas formações dá lugar, nas mesmas linhas, de um lado, ao amadurecimento de uma sociedade democrática, fundada nos direitos de seus cidadãos, que acaba por englobar também os negros. Do lado oposto, uma feitoria latifundiária, hostil a seu povo condenado ao arbítrio, à ignorância e à pobreza.

No plano histórico-cultural, os nórdicos realizam algumas das potencialidades da civilização ocidental, como extensão sensaborona e legítima dela. Nós, ao contrário, somos a promessa de uma nova civilização remarcada por singularidades, principalmente africanidades. Essa nossa singularidade bizarra esteve mil vezes ameaçada, mas afortunadamente conseguiu consolidar-se.

ATUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Estamos diante do resultado de um processo civilizatório. No caso, esse passo se dá por incorporação ou atualização histórica – que supõe a perda da autonomia étnica dos núcleos engajados, sua dominação e transfiguração -, estabelecendo as bases sobre as quais se edificaria daí em diante a sociedade brasileira.

NO PLANO ADAPTATIVO – relativo à tecnologia com que se produzem as condições materiais de existência – os núcleos coloniais brasileiros se estabeleceram nas seguintes bases:

– a incorporação da tecnologia europeia aplicada à produção, ao transporte, à construção e à guerra, com uso de instrumentos de metal e de múltiplos dispositivos mecânicos;

– a navegação transoceânica que integrava os novos mundos em uma economia mundial, como produtores de mercadorias de exportação e como importadores de escravos e bens de consumo;

– o engenho de cana, baseado na aplicação de complexos procedimentos para a produção de açúcar; e a mineração de ouro e diamante que envolviam o domínio de novas tecnologias;

– a introdução do gado, que forneceria carne e couro – além de animais de transporte e tração -, bem como a criação de outros animais domésticos que proveria a subsistência dos núcleos coloniais;

– a adoção de novas espécies de plantas cultiváveis, tanto alimentícias quanto industriais, que viriam a assumir importância decisiva na vida econômica da sociedade nacional;

– a tecnologia portuguesa de produção de tijolos e telhas, sapatos e chapéus, sabão, cachaça, rodas de carros, pontes e barcos etc.

NO PLANO ASSOCIATIVO – no que concerne aos modos de organização da vida social e econômica -, aqueles núcleos se estruturaram como implantação de uma civilização graças à:

– substituição da solidariedade elementar fundada no parentesco, característica do mundo tribal, por outras formas de estruturação social, que bipartiu a sociedade em componentes rurais e urbanos e a estratificou em classes opostas umas às outras;

– introdução da escravatura indígena, logo substituída pelo tráfico de escravos africanos;

– integração de todos os núcleos locais em uma estrutura sócio-política única, que teria uma classe dominante cujas funções eram tornar viável e lucrativa a empresa colonial e defendê-la da insurgência dos escravos, dos ataques indígenas e das invasões externas;

– disponibilidade de capitais financeiros para custear a implantação das empresas, prove-las de escravos e outros recursos produtivos e capacitados para arrecadar as rendas que produzissem.

NO PLANO IDEOLÓGICO – relativo às formas de comunicação, ao saber, às crenças, à criação artística e à autoimagem étnica -, a cultura se plasma sobre os seguintes elementos:

– a língua portuguesa, que se difunde lentamente, até converter-se no veículo único de comunicação das comunidades brasileiras entre si e delas com a metrópole;

– um minúsculo estrato social de letrados que orienta as atividades mais complexas e opera como centro difusor de conhecimentos, crenças e valores;

– uma Igreja oficial, associada a um Estado salvacionista, que exerce um rigoroso controle sobre a vida intelectual da colônia, para impedir a difusão de qualquer outra ideologia e até mesmo do saber científico;

– artistas que exercem suas atividades obedientes aos gêneros e estilos europeus, principalmente o barroco.

Assim se edificaram a sociedade e a cultura brasileira como uma implantação colonial europeia. Uma e outra, mais determinadas pela regência colonial portuguesa do que por por suas singularidades. Isso explica a ausência de uma classe dominante nativa. Os que cumprem esse papel são prepostos da dominação colonial. As próprias classes dominadas não compõem um povo; uns e outros reunidos contra a sua vontade, cuja renovação se fazia mais pela importação de novos contingentes de escravos que por sua própria reprodução.

Com base nessa comunidade atípica e em seu acervo sociocultural, as novas entidades puderam enfrentar prontamente dois desafios cruciais. Um foi aniquilar os grupos indígenas que se afastaram do litoral e hostilizavam, desde o interior, os núcleos neobrasileiros assentados na costa. Outro foi manter a regência colonial portuguesa sobre os núcleos neobrasileiros, que cresceram mantendo sua estratificação social interna e sua dependência com relação à metrópole.

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Bibliografia:

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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