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A Ditadura Envergonhada: O Exército Acordou Revolucionário

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Resumo de O Exército Acordou Revolucionário, capítulo de A Ditadura Envergonhada, escrito por Elio Gaspari. Boa leitura!

“… E acordou revolucionário no dia 1°”, prosseguiria o general Cordeiro.

 A revolta dos marinheiros, na semana anterior, e o discurso de Jango no Automóvel Clube, na véspera, desestabilizaram as Forças Armadas. A organização militar estava em processo de dissolução.

Haviam sido abaladas a disciplina e a hierarquia. Além disso, o discurso do presidente mostrara que a mazorca tinha o seu amparo. Um governo que tolerava a indisciplina não deveria acreditar que seria defendido de armas na mão por militares disciplinados. O Exército, que no dia 31 dormira janguista, acordaria revolucionário, mas sairia da cama aos poucos.

Jango pareceu estar a um passo da vitória. Avisado ainda na manhã do dia 31 do levante de Mourão, permaneceu fechado no palácio Laranjeiras, confiante na precariedade da tropa sublevada, na capacidade do “dispositivo” de desbaratá-la e na sua própria de achar um entendimento. A inércia de Goulart foi um detergente para as forças que o apoiavam. Salvo os ferroviários da Leopoldina que ocuparam a estação central e o chefe do Gabinete Civil, DARCY RIBEIRO, que defendia o bombardeio das tropas de Mourão, nenhum personagem ou grupo significativo da esquerda tomou posição de ataque.

Na madrugada de 1° de abril, o general Castello Branco mudou três vezes de esconderijo. Costa e Silva, codinome Tio Velho, duas. Ambos procuravam coordenar a insurreição no I Exército. Nenhum deles conseguiu levantar sequer uma sentinela nas primeiras doze horas do dia 1°.

No Laranjeiras, Jango ouvia de tudo. Apelos para que se livrasse da esquerda, sugestões para buscar entendimento com Magalhães Pinto e um plano para ocupar o Rio de Janeiro em duas horas. Uma conversa, porém, haveria de marcá-lo. O deputado mineiro Francisco Clementino de San Tiago Dantas, erudito professor de direito que transitava com igual desenvoltura da elite à esquerda, chegou ao Laranjeiras no final da manhã do dia 1° e expôs-lhe uma ameaça.

San Tiago soubera da disposição americana de apoiar um governo de insurretos pelo ex-chanceler Afonso Arinos. Jango tomou a advertência como um recado do embaixador Gordon. Sua intuição ia na direção certa. Gordon mandara recados a governadores e militares, estimulando-os a produzir um desfecho que pudesse ser considerado legítimo.

Às 11h30 da manhã de 31 de março de 1964, estavam reunidos em Washington o secretário de Estado, Dean Rusk, o secretário de Defesa, Robert McNamara, o chefe da junta de chefes de Estado-Maior, general Maxwell Taylor, e o diretor da CIA, McCone. A agenda tinha seis itens. O quarto era um relatório sobre “a capacidade de apoio aéreo e naval americano” aos revoltosos. Uma hora e vinte minutos depois dessa reunião, o contra-almirante John Chew, vice-diretor de operações navais, ordenava ao comandante-em-chefe da Esquadra do Atlântico o deslocamento de um porta-aviões à frente de uma força-tarefa para a “área oceânica nas vizinhanças de Santos, Brasil”. O Plano de Contingência 2-61 ganhou o codinome de Operação Brother Sam. O governo americano estava pronto para se meter abertamente na crise brasileira caso estalasse uma guerra civil.

Abatido, Jango resolveu voar; decolou às 12h45. Goulart voou de uma ratoeira para uma arapuca. A partida do presidente para Brasília precipitou a dissolução do “dispositivo” no I Exército. No Nordeste, o IV Exército estava rebelado, e o governador Miguel Arraes, cercado. As tropas de Kruel moviam-se no vale do Paraíba. No Rio Grande do Sul, onde Jango supunha dispor de uma base mais sólida, os principais entroncamentos ferroviários estavam obstruídos por rebeldes.

Jango passou em Brasília apenas o tempo necessário para notar que trocara de ratoeira. Na capital o presidente do Senado, Auro Moura Andrade, preparava a associação do Congresso à rebelião. Às 22h30 o presidente abandonou a granja do Torto e voou para Porto Alegre num Avro da FAB.

Enquanto o presidente voava para o Rio Grande do Sul, Auro Moura Andrade, baseado “nos fatos e no regimento”, declarou vaga a Presidência da República e organizou uma cerimônia bizarra. No meio da madrugada, acompanhado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, rumou para o palácio do Planalto. Levava consigo o deputado Ranieri Mazzilli, que, como presidente da Câmara, seria o sucessor de Jango. Formaram a menor comitiva de posse de um presidente da história republicana. A posse do deputado Ranieri Mazzilli na Presidência era inconstitucional, visto que João Goulart ainda se encontrava no Brasil. Preenchia, contudo, a necessidade de um desfecho aparentemente legítimo.

Enquanto Mazzilli tomava posse no Planalto, o Avro AC2501 pousava em Porto Alegre com o presidente. Durante o resto da madrugada de 2 de abril Jango explorou a fantasia da resistência. Foi para a casa do comandante do III Exército, reuniu-se com Brizola, colecionou notícias desastrosas. No início da manhã, o general Floriano Machado entrou no quarto onde estava o presidente e avisou: “Tropas de Curitiba estão marchando sobre Porto Alegre. O senhor tem duas horas para deixar o país se não quiser ser preso”.

Às 11h45 Jango voou com o general Assis Brasil para a Fazenda Rancho Grande, em São Borja, onde já estavam Maria Thereza e seus filhos. Tomaram um C-47 e mandaram-se para um rancho às margens do rio Uruguai. Jango e Assis Brasil começaram a traçar o caminho da fuga. O presidente escreveu uma nota ao governo uruguaio pedindo asilo. Esse texto foi entregue ao piloto que levara Maria Thereza e os dois filhos para Montevidéu.

Enquanto isso, a grande confusão mal começara. Mazzilli era um presidente sem futuro e Costa e Silva, chefe revolucionário sem passado.

A unidade militar proclamada sobre os escombros do governo Goulart era falsa. Contudo, se os generais podiam divergir a respeito de muitas coisas, numa estavam de acordo: dispunham-se a utilizar a força contra o que restava do governo civil. João Goulart caiu no dia 1° de abril. O regime de 1946, nos dias seguintes. Por conta da radicalização que levara o conflito para fora do círculo estrito das cúpulas política e militar, a vitória não podia extinguir-se com a deposição do presidente. Fosse qual fosse o lado vitorioso, ao seu triunfo corresponderia um expurgo político, militar e administrativo.

Foram inúmeras as propostas de demolição das franquias constitucionais. Costa e Silva recusou as ajudas. Já tinha munição. Desde o início da tarde de terça-feira, 7 de abril, o jurista Francisco Campos estava no gabinete do general. Autor da Carta de 1937, último instrumento ditatorial da República brasileira, Chico Ciência chegou ao Ministério da Guerra acompanhado pelo ex-colaborador e amigo Carlos Medeiros, que aprontara no domingo, dia 5, um Ato Constitucional Provisório. Reunido com Costa e Silva e um grupo de generais, Francisco Campos deu uma aula sobre a legalidade do poder revolucionário. Era o que eles precisavam ouvir.

O Ato Constitucional Provisório de Carlos Medeiros transformou-se num Ato Institucional com onze artigos que expandia os poderes do Executivo, limitava os do Congresso e do judiciário, e dava ao presidente sessenta dias de poder para cassar mandatos e cancelar direitos políticos por dez anos, bem como seis meses para demitir funcionários públicos civis e militares.

No dia 11 de abril, depois de um conciliábulo de governadores e generais destinado a evitar a coroação de Costa e Silva, o general Humberto de Alencar Castello Branco foi eleito presidente da República pelo Congresso Nacional, como mandava a Constituição. Prometeu “entregar, ao iniciar-se o ano de 1966, ao meu sucessor legitimamente eleito pelo povo em eleições livres, uma nação coesa”. Em 1967 entregou uma nação dividida a um sucessor eleito por 295 pessoas.

Bibliografia:

GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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