A Ditadura Envergonhada: Nasce o SNI

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Resumo de Nasce o SNI, capítulo de A Ditadura Envergonhada, escrito por Elio Gaspari. Boa leitura!

Golbery do Couto e Silva começou a montar o Serviço Nacional de Informações (SNI) nos primeiros dias de abril de 1964. Continuava trabalhando no Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, o IPÊS, onde se enfurnara em janeiro de 1962, costurando a aliança entre militares e plutocratas que resultou na coligação de interesses levada ao poder com a deposição de Goulart.

Golbery trabalhou no seu projeto de abril a 13 de junho, quando a LEI 4341 criou o Serviço Nacional de Informações. Com o referendo do Senado, foi nomeado para dirigi-lo. Fisicamente, o SNI ocupou parte do 13° andar do edifício do Ministério da Fazenda, no Rio de Janeiro, reservando-se para Golbery uma sala no 12°. Em Brasília, o Serviço começou na sala 17 do quarto andar do palácio do Planalto.

Operacionalmente o SNI herdou a estrutura do Serviço Federal de Informações e Contra-Informação, o SFICI, uma repartição inexpressiva vinculada ao Conselho de Segurança Nacional, e o arquivo do IPÊS. Do chefe ao faxineiro, juntava cerca de cem pessoas. Destinava-se sobretudo a relacionar funcionários públicos, dirigentes sindicais, redatores da imprensa esquerdista e signatários de manifestos políticos. Numa base mimeografada, as fichas do IPÊS listavam dados para a identificação da vítima, tais como filiação, telefone e endereço. Esse arquivo, que não chegou aos 5 mil nomes, tornou-se o núcleo da memória do SNI.

O chefe do SNI ganhou status de superministro. Enquanto em todo o mundo os serviços de informações prestavam contas a algum tipo de instituição, quer a uma comissão do Congresso (no caso da CIA) quer à cúpula colegiada do comitê central (no caso da KGB), Golbery criou um organismo que só respondia ao presidente da República.

Golbery buscou seus quadros nas Forças Armadas e na máquina do Banco do Brasil ou da administração fazendária. Os militares predominaram sobre os civis desde o primeiro instante de funcionamento do Serviço. Entre os oficiais, os novos quadros saíam essencialmente do Exército. Com o tempo, se tornariam um efetivo estimado, em 1982, em mais de 6 mil pessoas, formando aquilo que se denominou de Comunidade de Informações. Nela se reuniram, além do SNI, os serviços secretos do Exército, Marinha e Aeronáutica, uma parte da Polícia Federal, as divisões de informações montadas em todos os ministérios, as delegacias estaduais de Ordem Política e Social e os serviços de informações das polícias militares.

Em agosto de 1965 o SNI mal completara um ano e já tinha o seu primeiro grande escândalo. No dia 12, o tenente-coronel Luchsinger Bulcão, da agência do Serviço em São Paulo, mostrou a Golbery que uma venda ilegal feita pelos desvãos do Instituto Brasileiro do Café a produtores do Paraná, como se fosse uma investigação, era contrabando mesmo. Era a segunda vez, informara o IBC. Golbery abriu a tradicional “rigorosa sindicância”. Carimbou-a de “confidencial” e entregou-a ao coronel Figueiredo. Da sindicância conduzida por Figueiredo nada veio a público. Ninguém foi processado ou cassado pelo que ele descobriu.

Golbery conseguiu tocar a vida do Serviço sem envolvê-lo exclusivamente no furacão punitivo. Nessa época, a caderneta de telefones do capitão Heitor Aquino Ferreira, assistente-secretário de Golbery, indicava a construção de um Serviço que de um lado se ligava a uma parte da velha ordem e, de outro, listava os personagens de uma nobiliarquia emergente. Junto a estrelas da política, como Carlos Lacerda, estavam empresários, donos de jornais como Roberto Marinho, d’O Globo, políticos ainda desconhecidos nacionalmente como Paulo Brossard, ou escritores como Adonias Filho e José Honório Rodrigues.

O chefe do SNI, que se definiu como o “ministro do silêncio”, circulava pelo poder tão anônimo quanto nos lotações que pegava diariamente a caminho de casa. Cultivava discretamente a imprensa criando a lenda segundo a qual não conversava com jornalistas quando, na realidade, o fazia com frequência e gosto. Sua condição para falar era que dele não falassem.

O SNI ligou-se à rede dos serviços ocidentais de informações. Ainda em 1964 o SNI e a CIA começaram negociações que resultaram num documento de “sugestões para um acordo oral” intitulado Relação de Ligação entre o Serviço Nacional de Informações Brasileiro e o Serviço de Informações Americano. Antes do final de 1964, Golbery já tinha estabelecido contato com o MI5, o serviço da Grã-Bretanha. Do embaixador em Lisboa, recebeu ofertas do ministro do Exército de Portugal para visitar a Escola de Comando de Luanda, onde eram treinadas tropas que combatiam os movimentos pela libertação de Angola e Moçambique. Em agosto de 1965, dois oficiais do SNI trouxeram de Buenos Aires o texto de uma proposta de acordo para ser assinado entre os dois serviços. Golbery refugou: “Eu não faço acordos escritos”. É dessa época ainda o estabelecimento de relações amistosas com os serviços da França e da Itália. Em 1966 estava feita a ligação entre o Serviço e o organismo da espionagem israelense, Mossad. Nos anos seguintes o Serviço enviou estagiários também à Alemanha.

Enquanto o teve sob sua influência, Golbery fez do Serviço um ativo operador político. Se uma votação no Congresso parecia difícil, cabia ao Serviço — e não à liderança parlamentar ou ao Gabinete Civil — facilitar as negociações com a bancada.

Dez anos depois de sua fundação, o SNI dispunha em Brasília de mais de 200 mil metros de gramado. Lá funcionava desde 1971 a Escola Nacional de Informações, a ESNI, equipada com um laboratórios de línguas, academia de tiro subterrânea e uma completa emissora de televisão. Na Agência Central do Serviço, guardaram-se as fichas — Levantamento de Dados Biográficos, ou LDBs. Sob o guarda-chuva do Serviço funcionou também uma fábrica de componentes eletrônicos, a Prologo. Em 1981 ela contava com 350 funcionários. Destinava-se a produzir equipamentos de criptografia e a desenvolver aparelhos de escuta. As máquinas fabricadas pela Prologo poderiam permitir que uma parte dos arquivos do SNI fosse programada de forma a manter-se intacta, e indecifrável, mesmo que o governo mudasse de mãos.

O SNI transformou-se em tribunal de instância superior para questões políticas, e, em 1970, foi de sua estrutura que saiu a avaliação pela qual o general Medici escolheria os governadores dos 21 estados brasileiros. O Serviço escolheu o deputado Haroldo Leon Peres para governar o Paraná. Um ano depois, apanhou-o extorquindo 1 milhão de dólares a um empreiteiro e obrigou-o a renunciar.

O Serviço meteu-se nas mais disparatadas atividades. Dirigiu e estruturou o garimpo nas jazidas auríferas da Amazônia depois da descoberta de Serra Pelada. Com ouro na mão, tentou, em 1983, captar divisas internacionais por meio de operações no mundo do contrabando e do mercado negro de dólares. Distribuiu canais de televisão e de rádio. Financiou jornais e revistas falidas. Sua cúpula acobertou os autores de mais de uma centena de atentados políticos, os quais iam desde a explosão de bombas até o incêndio de bancas de jornais que vendiam publicações de esquerda.

O Serviço gastou muito dinheiro, mas não adquiriu nenhuma sofisticação além do primitivo poder de polícia, da arbitrariedade e da corrupção. Em 1982, quando o SNI estava desmoralizado pelos escândalos políticos, criminais e financeiros em que se metera, Golbery ironizava as trapalhadas de seus discípulos. Eles haviam se metido até mesmo num plano destinado a fraudar a eleição para governador do Rio de Janeiro através dos computadores da empresa Proconsult, contratada para totalizar os votos. Cáustico, Golbery dizia:

“Há determinadas cousas que não e devem fazer, mas não quero me fazer de santo. […] O que eu critico é o fato de eles terem se metido a fazer cousas condenáveis sem saber fazê-las. Então você acha que roubar uma eleição através do sistema de computação é coisa fácil? Eles simplesmente não sabem fazer isso. Nós não devemos tentar fazer o que não sabemos.”

Vinte anos depois de tê-lo criado, reconhecia: “Tentamos criar um serviço de informações, mas entramos pelo cano”. Dele se pode dizer o que Aldous Huxley disse do padre José, o personagem de seu “Eminência parda”: “Padre José foi capaz de retirar, das profundezas de sua própria experiência, o critério final e objetivo, em relação ao qual sua política pôde ser julgada. Foi um dos forjadores de um dos mais importantes elos da cadeia do nosso desastroso destino: e ao mesmo tempo foi um daqueles a quem foi dado conhecer como o forjar de tais cadeias pode ser evitado”.

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Bibliografia:

GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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