Resumo de A Corrupção Afeta a Qualidade da Democracia?, artigo de José Álvaro Moisés, publicado na revista Em Debate e presente na bibliografia sugerida pelo site USP Ensina Sociologia.
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Os escândalos do “mensalão” em 2005 não impediram que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reelegesse no ano seguinte com mais de 60% de votos. Isso sugere algumas possibilidades: a maioria dos eleitores não estava informada dos fatos; informada ou não, a maioria não estava convencida do envolvimento do presidente e do seu partido; ou a maioria, em qualquer caso, não associa “o uso indevido de recursos públicos para fins privados” com irregularidades políticas passíveis de punição, embora o voto seja o instrumento por excelência de responsabilização de governantes (accountability) à disposição dos cidadãos. A questão envolve uma indagação sobre o papel da cultura política na ocorrência de corrupção no país e se isso afeta a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas.
Teorias sobre a corrupção
Desenvolvimento e modernização são vistos como condição necessária para fazer o sistema político coibir delitos contra o interesse público. Sociedades menos desenvolvidas, diferente dos países modernizados pelo impacto de transformações econômicas e sociais, não conseguiriam institucionalizar a distinção entre as esferas pública e privada, legitimando a apropriação privada de recursos públicos.
A abordagem anterior define, contudo, ex-ante, isto é, antes do desenvolvimento do próprio processo político a situação de diferentes nações: enquanto algumas estariam necessariamente livres da corrupção, outras seriam fadadas a conviver com ela como um componente inarredável de seu sistema político, pelo menos enquanto não lograssem se desenvolver.
Essa abordagem da literatura deixa de lado a possibilidade de que, independentemente do estágio de desenvolvimento dos seus países, os atores decidam mudar os padrões de comportamento que sustentam as práticas de corrupção devido a consequências sistêmicas do fenômeno. Em algum momento, a ideia normativa de que o sistema pode funcionar melhor com a corrupção sob controle pode se tornar uma alternativa positiva para líderes políticos, a opinião pública e os eleitores, a depender da relação entre eles ou da capacidade de uns exercerem pressão sobre os outros.
O peso das instituições
Países desenvolvidos com regimes de democracia liberal são menos corruptos, mas o são mais se seus chefes de governo são eleitos diretamente. A questão tem evidentes implicações para a América Latina, cuja tradição política envolve, quase que majoritariamente, os sistemas políticos em que os presidentes são eleitos diretamente. E a literatura especializada mostrou que, historicamente, os diferentes populismos que existiram no continente estiveram muitas vezes associados com a corrupção.
Corrupção na América Latina
Após a democratização do continente, escândalos de corrupção atingiram – além do Brasil -, a Argentina de Carlos Menem, o Peru de Alberto Fugimori e Alan Garcia, o México de José Lopez Portillo e Carlos Salinas de Gortari, o Equador de Abdala Bucaram e a Venezuela de Rafael Caldera e Carlos Andrés Pérez – este apeado do poder, como Collor de Mello, por um impeachment motivado por uso indevido de recursos públicos.
O caráter endêmico do problema qualifica a dúvida sobre se esses casos não indicam que a cultura política também deve ser considerada na explicação do fenômeno.
Os principais resultados da pesquisa
Várias análises foram feitas, no âmbito da pesquisa “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas”, para testar se os indicadores de cultura política ajudam a explicar a percepção da corrupção na América Latina. A pesquisa mostrou que a experiência democrática sozinha não garante a diminuição dos índices de percepção da corrupção, significando que outros fatores devem ser identificados para explicar o fenômeno.
De modo geral, os fatores determinantes da existência da corrupção e do fato de ela afetar os sistemas políticos no continente são tanto variáveis de cultura política como de desempenho do regime democrático.
Efeitos da corrupção no Brasil
Em 2006, os entrevistados consideraram que a situação da corrupção piorou no país nos governos de Collor e Lula em comparação com os de seus antecessores. Contudo, isso não afetou os resultados das eleições presidenciais de 2006. A questão toca em um aspecto central da qualidade da democracia relativa à capacidade dos eleitores de controlar a ação de governos quando existe abuso do poder.
Por isso, em vista das implicações do que ocorreu em 2005 e 2006 para a efetividade dos mecanismos de accountability no país, a hipótese de que a aceitação social da corrupção no país influencia a qualidade da democracia foi testada pela pesquisa. A aceitação da corrupção é maior entre habitantes de regiões menos desenvolvidas, politicamente mais autoritários, socialmente mais conservadores e entre os que avaliam positivamente o governo do dia e instituições como o Congresso.
Aceitar a corrupção também implica em que as pessoas considerem que a lei não precisa ser obedecida, o que afeta a qualidade da democracia. A aceitação também afeta a percepção que os brasileiros têm de sua capacidade de fazer valer os seus direitos de cidadania e afeta negativamente a confiança que as pessoas têm umas nas outras. Nesse sentido, os resultados mostram que a existência da corrupção e a sua aceitação por partes da população afetam a qualidade da democracia existente no Brasil.
Conclusões
As análises confirmam que os efeitos da aceitação da corrupção afetam a qualidade da democracia: diminuem a adesão ao regime, estimulam a aceitação de escolhas autoritárias, influenciam negativamente a submissão à lei e a confiança interpessoal, e inibem tendências de participação política.
Os efeitos disto afetam tanto a legitimidade do Estado democrático quanto o princípio segundo o qual ninguém está acima da lei na democracia; fraudam o princípio de igualdade política inerente ao regime e distorcem a dimensão republicana da democracia porque faz as políticas públicas resultarem de acordos de bastidores que favorecem interesses espúrios. Por último, os resultados das pesquisas indicam que a corrupção é um dos fatores responsáveis pelo incremento da desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas.
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Bibliografia:
MOISÉS, José Álvaro. (2010a). A Corrupção Afeta a Qualidade da Democracia? Em debate – Periódico de Opinião Pública e Conjuntura Política, Belo Horizonte, v. 2, n. 5, Mai.