Este é o resumo de O Mundo na Década de 1780, primeiro capítulo de A Era das Revoluções, de Eric Hobsbawm. Boa leitura.
…
A primeira coisa a observar sobre o mundo na década de 1780 é que ele era ao mesmo tempo menor e muito maior que o nosso. Era menor geograficamente, porque até mesmo os homens mais instruídos e bem informados da época conheciam somente pedaços do mundo habitado.
Não só o “mundo conhecido” era menor, mas também o mundo real, pelo menos em termos humanos. A terra abrigava somente uma fração da população de hoje; provavelmente não muito mais que um terço.
Ainda assim, se o mundo era em muitos aspectos menor, a simples dificuldade ou incerteza das comunicações faziam-no praticamente maior do que é hoje. O final do século XVIII era, pelos padrões medievais ou do século XVI, uma era de comunicações rápidas e abundantes. Porém o fornecimento de transporte de passageiros por terra era pequeno e o transporte de mercadorias, também por terra, era vagaroso e proibitivamente caro.
Nessas circunstâncias, o transporte por água era portanto não só mais fácil e barato, mas também geralmente mais rápido. Estar perto de um porto era estar perto do mundo: na verdade, Hamburgo mais perto da Bahia do que do interior da Pomerânia. E assim como era mais fácil transportar homens e mercadorias em grandes quantidades pelas enormes distâncias oceânicas, era também mais fácil ligar capitais distantes do que o campo às cidades. A noticia da queda da Bastilha chegou a Madri em 13 dias; mas em Péronne, distante apenas 133 quilómetros da capital francesa, “as novas de Paris” só chegaram no final do mês.
O mundo em 1789 era, portanto, para a maioria dos seus habitantes, incalculavelmente grande. A maioria deles viviam e morriam no distrito ou mesmo na paróquia onde nasceram. O resto do mundo era assunto dos agentes governamentais e dos boatos. Não havia jornais e, de qualquer forma, muito pouca gente sabia ler. As notícias chegavam à maioria das pessoas através dos viajantes e do setor móvel da população: mercadores e mascates, soldados que caíam sobre o povo durante as guerras e o aquartelavam nos períodos de paz etc.
II
O mundo em 1789 era essencialmente rural e é impossível entendê-lo sem assimilar este fato fundamental. Seria muito difícil encontrar um grande Estado europeu no qual ao menos quatro de cada cinco habitantes não fossem camponeses.
A linha que separava a cidade e o campo, ou melhor, as atividades urbanas e as atividades rurais, era bem marcada. Em muitos países a barreira dos impostos, ou às vezes mesmo a velha muralha, dividiam os dois. A cidade provinciana ainda pertencia essencialmente à sociedade e à economia do campo. Suas classes média e profissional eram constituídas pelos negociantes de trigo e de gado, os processadores de produtos agrícolas, os advogados e tabeliões, os empresários mercantis que exploravam os empréstimos aos fiandeiros e tecelões dos campos, e, por fim, os mais respeitáveis representantes do governo, o nobre e a Igreja. Seus artesãos e lojistas asseguravam as provisões aos camponeses e aos citadinos que viviam às custas dos camponeses. A cidade provinciana de fins do século XVIII podia ser uma próspera comunidade em expansão, mas essa prosperidade vinha do campo.
V
O mundo agrícola era lerdo. Já os mundos do comércio e das manufaturas eram seguros de si e dinâmicos, e as classes que deles se beneficiavam eram ativas, determinadas e otimistas. O observador contemporâneo seria mais diretamente surpreendido pelo amplo desdobramento do comércio, que estava intimamente ligado à exploração colonial. Um sistema de vias comerciais marítimas, que crescia rapidamente em volume e capacidade, circundava a terra, trazendo seus lucros às comunidades mercantis europeias do Atlântico Norte.
Os mercadores e armadores pareciam ser os verdadeiros campeões econômicos da época, comparáveis somente aos grandes funcionários e financistas que tiravam suas fortunas dos lucrativos serviços dos Estados. Embora a mineração e a fabricação estivessem-se expandindo rapidamente em todas as partes da Europa, o mercador, (e na Europa Oriental também muitas vezes o senhor feudal) é que continuava fundamentalmente a deter o seu controle.
Isto ocorria porque a principal forma de expandir a produção industrial era o chamado sistema doméstico ou do bota-fora, no qual o mercador comprava os produtos dos artesãos ou do tempo de trabalho não agrícola do campesinato, para vendê-los num mercado mais amplo. O simples crescimento deste comércio inevitavelmente criou condições rudimentares para um precoce capitalismo industrial.
VI
Com exceção da Grã-Bretanha, que fizera sua revolução no século XVII, e alguns Estados menores, as monarquias absolutas reinavam em todos os Estados em funcionamento no continente europeu. Os monarcas hereditários pela graça de Deus comandavam hierarquias de nobres proprietários, apoiados pela organização tradicional e a ortodoxia das igrejas.
A monarquia absoluta achava impossível e pouco se interessava em libertar-se da hierarquia dos nobres proprietários, à qual, afinal de contas, pertencia, e cujos valores simbolizava e incorporava, e de cujo apoio dependia grandemente. Ela quase nunca desejou a total transformação econômica e social que exigiam o progresso da economia e os grupos sociais ascendentes.
Para tomarmos um exemplo óbvio, poucos pensadores racionais duvidavam seriamente da necessidade de se abolir a servidão e os laços remanescentes da dependência feudal camponesa. Tal reforma era reconhecida como um dos principais pontos de qualquer programa “esclarecido”, e não havia nenhum príncipe de Madri a São Petersburgo e de Nápoles a Estocolmo que não tivesse subscrito esse programa durante o quarto de século que precedeu a Revolução Francesa. Havia assim um conflito latente entre as forças da velha e da nova sociedade “burguesa”, que não podia ser resolvido dentro da estrutura dos regimes políticos existentes.
Assim, as comunidades de colonizadores brancos nas colônias europeias de além-mar ressentiram-se da política de seus governos centrais, que subordinavam os interesses das colônias estritamente aos interesses metropolitanos. Em todas as partes das Américas, a espanhola, a francesa e a inglesa, bem como na Irlanda, estes movimentos de colonizadores exigiam autonomia. As velhas e estabelecidas monarquias podiam sobreviver à perda de uma província ou duas. A Grã-Bretanha continuou tão estável e dinâmica como sempre, apesar da revolução americana. O que tornou a situação explosiva foi a rivalidade internacional.
A rivalidade internacional, ou seja, a guerra, testava os recursos de um Estado como nenhum outro fator poderia fazê-lo. Uma grande rivalidade desse tipo dominou a cena internacional europeia durante a maior parte do século XVIII e esteve no centro de seus repetidos períodos de guerra geral, chegando até o nosso período, 1792-1815.
VII
O que se chamou “a era de Vasco da Gama”, ou seja, os quatro séculos da história do mundo em que um punhado de Estados europeus e de forças capitalistas europeias estabeleceram um domínio completo, embora temporário — como é hoje evidente — sobre o mundo inteiro, estava para atingir seu clímax. A dupla revolução estava a ponto de tornar irresistível a expansão europeia, embora estivesse também a ponto de dar ao mundo não europeu as condições e o equipamento para seu eventual contra-ataque.
Bibliografia:
HOBSBAWN, Eric J. A era das revoluções: Europa 1789 -1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.