Resumo de Era dos Extremos – Morre a Vanguarda, capítulo 17. Boa leitura!
I
A tecnologia revolucionou as artes tornando-as onipresentes. O rádio já levara os sons à maioria das casas no mundo desenvolvido, mas o que o tornou universal foi o transistor, que o fez pequeno e portátil, e a bateria elétrica de longa duração, que o fez independente das redes oficiais (ou seja, basicamente urbanas) de energia elétrica. A televisão domesticou a imagem em movimento.
II
À primeira vista, a coisa mais impressionante no desenvolvimento das grandes artes no mundo após a Era das Catástrofes foi uma acentuada mudança geográfica para longe dos centros tradicionais (europeus) de cultura de elite, e — em vista da era de prosperidade global sem precedentes — um enorme aumento dos recursos financeiros disponíveis para apoiá-las. Nova York orgulhava-se de ter substituído Paris como o centro das artes visuais. Nenhum fã de cinema sério podia deixar de admirar os grandes diretores japoneses.
Paradoxalmente, artistas e intelectuais tanto no Segundo Mundo (socialista) quanto nas várias partes do Terceiro Mundo desfrutavam prestígio e relativa prosperidade, pelo menos entre surtos de perseguições. No mundo socialista, podiam estar entre os cidadãos mais ricos e desfrutar o direito de viajar ao exterior, ou mesmo ter acesso à literatura estrangeira. Na América Latina, os escritores renomados, quase independentemente de suas opiniões políticas, podiam esperar postos diplomáticos.
Os recursos públicos e privados dedicados às artes foram inevitavelmente bem maiores que antes, numa era de prosperidade sem precedentes. O patronato privado foi menos importante, a não ser nos EUA, onde bilionários, estimulados por convenientes concessões fiscais, apoiavam educação, ensino e cultura em escala mais generosa que em outros lugares.
O mercado de arte, a partir da década de 1950, descobriu que quase meio século de depressão estava indo embora. Os preços, sobretudo de impressionistas e pós-impressionistas franceses, e dos mais eminentes entre os primeiros modernistas parisienses, subiram às alturas. Cada vez mais os compradores de arte compravam como investimento, como antes os homens compravam ações especulativas de minas de ouro.
Não há dúvida de que outro tipo de acontecimento econômico afetou de modo profundo a maioria das artes: a integração delas na vida acadêmica, nas instituições de ensino superior. Em termos gerais, o fato decisivo da cultura do século XX, o surgimento de uma revolucionária indústria de diversão popular voltada para o mercado de massa, reduziu as formas tradicionais de grande arte a guetos de elite, e de meados do século em diante seus habitantes eram essencialmente pessoas com educação superior. A extraordinária expansão da educação superior constituía o mercado para homens e mulheres de inadequado apelo comercial. Protegidas por salários acadêmicos, bolsas e listas de leitura obrigatória, as artes criativas não comerciais podiam esperar pelo menos sobreviver com conforto.
As histórias culturais do século XXI dificilmente deixarão de notar o declínio de gêneros característicos que floresceram em grande estilo no século XIX. A escultura é um exemplo que vem logo à mente, quando nada porque a principal expressão dessa arte, o monumento público, praticamente morreu após o fim da Primeira Guerra Mundial.
O declínio dos gêneros clássicos da grande arte e literatura não se deveu, claro, a nenhuma escassez de talento. O talento nas artes abandonou os velhos meios de buscar expressão porque os novos meios existentes eram mais atraentes, ou recompensadores, como quando, mesmo entre as guerras, jovens compositores de vanguarda podiam ser tentados, como Auric e Britten, a compor trilhas sonoras para filmes, em vez de quartetos de cordas. Contudo, dois fatores ainda mais importantes solapavam agora a alta cultura clássica. O primeiro era o triunfo universal da sociedade de consumo de massa. Da década de 1960 em diante, as imagens que acompanhavam do nascimento até a morte os seres humanos no mundo ocidental eram as que anunciavam ou encarnavam o consumo ou as dedicadas ao entretenimento comercial de massa.
Contudo, uma força ainda mais poderosa solapava as grandes artes: a morte do “modernismo”, que desde fins do século XIX legitimava a prática da criação artística não utilitária, e que sem dúvida proporcionara a justificação para a reivindicação do artista à liberdade de toda limitação. O “modernismo” tacitamente supunha que a arte era progressista, e portanto o estilo de hoje era superior ao de ontem. Qualquer que fosse sua forma específica, o “modernismo” se baseava na rejeição das convenções liberal-burguesas do século XIX, tanto na sociedade quanto na arte, e na necessidade sentida de criar uma arte de algum modo adequada ao tecnológica e socialmente revolucionário século XIX.
Contudo, a partir de fins da década de 1960, uma acentuada reação a ele foi se tornando cada vez mais manifesta sob rótulos como “pós-modernismo”. Não era tanto um “movimento” quanto uma negação de qualquer critério preestabelecido de julgamento e valor nas artes, ou na verdade da possibilidade de tais julgamentos. Por mais irracionais que fossem, as regras estético-morais haviam governado a arquitetura moderna, mas de agora em diante valia tudo.
O “pós-modernismo”, assim, atacou estilos autoconfiantes e exaustos. Daí o engano de analisá-lo basicamente como uma tendência dentro das artes. Todos os pós-modernismos tinham em comum um ceticismo essencial sobre a existência de uma realidade objetiva, e/ou a possibilidade de chegar a uma compreensão aceita dessa realidade por meios racionais. Todos tendiam a um radical relativismo. Todos, portanto, contestavam a essência de um mundo transformado pela ciência e a tecnologia nela baseada, e a ideologia de progresso que o refletia.
Em retrospecto, é claro que o projeto de revolução de vanguarda estava destinado ao fracasso desde o início, tanto por sua arbitrariedade intelectual quanto pela natureza do modo de produção que as artes criativas representavam numa sociedade burguesa liberal. Praticamente qualquer um dos inúmeros manifestos com os quais artistas de vanguarda anunciaram suas intenções nos últimos cem anos demonstra a falta de coerência entre fins e meios, a meta e os métodos para alcançá-la. O cubismo, por mais atraente que fosse, não tinha qualquer justificação teórica.
De qualquer modo, a tentativa de comparar “a obra de arte na era de sua reprodutividade técnica” (Benjamin, 1961) com o velho modelo do artista criativo individual reconhecendo apenas sua inspiração pessoal tinha de fracassar. A criação era agora essencialmente mais cooperativa que individual, mais tecnológica que manual. Os jovens críticos franceses que na década de 1950 desenvolveram uma teoria do cinema como obra de um auteur criador individual, o diretor, eram absurdos porque a cooperação e a divisão do trabalho eram e são a essência daqueles cujo ofício é encher as noites nas telas públicas e privadas, ou produzir alguma outra sucessão regular de obras para consumo mental, como jornais e revistas. Os talentos que entravam nas formas características de criação do século XX sobretudo produtos para o mercado de massa não eram inferiores aos do clássico modelo burguês do século XIX, mas não podiam mais se dar ao luxo do clássico papel do artista solitário. Se Akira Kurosawa, Lucchino Visconti (1906-76) ou Sergei Eisenstein houvessem desejado criar à maneira de Flaubert, Courbet ou mesmo Dickens, nenhum deles teria ido muito longe.
Contudo, como observou Walter Benjamin, a era de “reprodutibilidade técnica” transformou não apenas a maneira como se dava a criação mas também a maneira como os seres humanos percebiam a realidade e sentiam as obras de criação. As impressões dos sentidos, e mesmo as ideias, podiam alcançá-los simultaneamente de todos os lados — através da justaposição de imagem, voz, impressão e som. A novidade era que a tecnologia encharcara de arte a vida diária privada e pública. Jamais fora tão difícil evitar a experiência estética. Por outro lado, ainda era tão possível quanto necessário aplicar nas artes a distinção entre o sério e o trivial, entre bom e ruim, profissional e amador.
Bibliografia:
HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.