Era dos Extremos: As Artes 1914-45

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Resumo de As Artes 1914-45, capítulo de Era dos Extremos de Hobsbawm. Boa leitura!

I

Essa é uma questão fundamental para quem queira entender o impacto da era dos cataclismos no mundo da alta cultura, das artes da elite, e sobretudo na vanguarda: aceita-se que essas artes previram o colapso da sociedade liberal-burguesa com vários anos de antecedência.

Em 1914, praticamente tudo que se pode chamar “modernismo” já se achava a postos: cubismo; expressionismo; abstracionismo puro na pintura; funcionalismo e ausência de ornamentos na arquitetura; o abandono da tonalidade na música; o rompimento com a tradição na literatura.

Um grande número de nomes que iria constar da lista de “modernistas” eminentes já se encontravam maduros, produtivos ou mesmo famosos em 1914. Matisse e Picasso; Schönberg e Stravinsky; Gropius e Mies van der Rohe; Proust, James Joyce, Thomas Mann e Franz Kafka; Yeats, Ezra Pound, Alexander Blok e Anna Akhmatova, e continuavam sendo ícones da modernidade quarenta anos depois. As únicas inovações formais depois de 1914 no mundo da vanguarda “estabelecida” foram duas: o dadaísmo, que antecipou o surrealismo na metade ocidental da Europa, e o construtivismo soviético na oriental, que pouco mais fez do que ampliar o repertório do modernismo arquitetônico.

O dadaísmo tomou forma no meio de um grupo misto de exilados em Zurique, em 1916, como um protesto niilista contra a guerra mundial e a sociedade que a incubara. Como rejeitava toda arte, não tinha características formais e qualquer coisa que pudesse causar apoplexia entre os amantes de arte burguesa convencional era dadaísmo aceitável. Assim, a exposição por Mareei Duchamp (1887-1968) de um vaso de mictório público como “arte instantânea” em Nova York, em 1917, encaixava-se no espírito do dadaísmo.

O surrealismo, embora igualmente dedicado à rejeição da arte como era até então conhecida e ainda mais atraído pela revolução social, era mais que um protesto negativo: era “uma súplica pela ressurreição da imaginação, baseada no Inconsciente revelado pela psicanálise, os símbolos e sonhos” (Willett, 1978). O que contava era a capacidade da imaginação não mediada por sistemas de controle racional, para extrair coesão do incoerente e uma lógica do ilógico ou mesmo impossível.

O surrealismo influenciou poetas de primeira categoria na França (Eluard, Aragón); Espanha (Garcia Lorca); Europa Oriental e América Latina (César Vallejo no Peru, Pablo Neruda no Chile); e parte dele ainda ecoa na literatura de “realismo mágico” daquele continente muito tempo depois. E fertilizou a principal arte do século XX, a da câmera – Luís Buñuel (1900-83) no cinema e Henri Cartier-Bresson (1908-2004) no fotojornalismo.

Não mais havia uma alta cultura unificada no Velho Mundo. Só havia na verdade duas artes de vanguarda que todos os porta-vozes da novidade artística podiam admirar: o cinema e o jazz. O “jazz” da “Era do Jazz”, uma espécie de combinação de negros americanos, dance music rítmica sincopada e uma instrumentação não convencional, despertou aprovação universal entre a vanguarda como mais um símbolo de modernidade, outro manifesto de revolução cultural.

Os artistas de vanguarda se lançaram na realização cinematográfica. O cânone de “filmes de arte” consistia essencialmente de criações da vanguarda como Encouraçado Potemkim, de Sergei Eisenstein (1898-1948), de 1925. Carl Laemmie, o chefão da Universal Studios cuidava de abastecer-se com os mais recentes homens e ideias nas visitas à sua Alemanha natal, com o resultado de que o produto característico de seus estúdios, o filme de horror (Frankenstein, Drácula etc.), era às vezes uma cópia bastante próxima de modelos expressionistas alemães.

Menos de vinte anos depois da eclosão da Primeira Guerra Mundial, a vida metropolitana de todo o mundo ocidental encontrava-se marcada pelo modernismo. A aerodinâmica, que varreu o design americano de produtos adequados e inadequados a ela a partir do início da década de 1930, ecoava o futurismo italiano. A revolução moderna do livro em brochura na década de 1930 (Penguin Books) abria caminho para a tipografia de vanguarda de Jan Tschichold (1902-74). Depois da Segunda Guerra Mundial o chamado Estilo Internacional de arquitetura modernista transformou o cenário urbano (Gropius, Lê Corbusier, Mies van der Rohe, Frank Lioyd Wright etc.).

Algum tipo de compromisso político domina as artes “sérias” na Era da Catástrofe. Especialmente na literatura, opiniões profundamente reacionárias eram comuns na Europa Ocidental. O dadaísmo era a favor da revolução. O surrealismo, só tinha problemas para decidir que tipo de revolução.

A tragédia dos artistas modernistas, de esquerda ou direita, foi que o compromisso político de seus próprios governantes os rejeitaram. Os novos regimes autoritários da direita e da esquerda preferiam prédios e vistas monumentais anacrônicos e gigantescos, representações edificantes na pintura e na escultura, elaboradas interpretações dos clássicos no palco e ideologia aceitável em literatura. Nem a vanguarda alemã, nem a russa sobreviveram à ascensão de Hitler e Stalin, e os dois países quase desapareceram do panorama cultural.

As artes de vanguarda ainda eram um conceito restrito à cultura da Europa. Contudo, para a maioria dos artistas no mundo não ocidental o problema era a modernidade, não o modernismo. Abandonar o passado era revolucionário o suficiente. A tarefa principal parecia ser descobrir e apresentar a realidade contemporânea de seus povos. O realismo era o movimento deles.

II

Esse desejo uniu as artes do Oriente e do Ocidente. Pois o século XX era o do homem comum. Dois instrumentos interligados tornaram o mundo do homem comum visível e capaz de documentação como jamais antes: a reportagem e a câmera. “Reportagem” – o termo aparece pela primeira vez em dicionários franceses em 1929 – tornou-se um gênero aceito de literatura socialmente crítica e de apresentação visual na década de 1920. A circulação de jornais nos EUA dobrou entre 1920 e 1950. A imprensa fazia o melhor possível para satisfazer os semialfabetizados com ilustrações e histórias em quadrinhos e desenvolvendo uma linguagem que evitava palavras de muitas sílabas. Sua influência na literatura não foi pequena.

Ao contrário da imprensa, o cinema foi quase desde o início um veículo de massa internacional. O abandono da linguagem do filme mudo muito fez para tornar internacionalmente familiar o inglês falado. Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, Hollywood fazia quase tantos filmes quanto todas as outras indústrias combinadas.

O terceiro dos veículos de massa era inteiramente novo: o rádio. Ao contrário dos outros dois, se restringia aos países “desenvolvidos” relativamente prósperos. Contudo, nesses países mesmo os pobres podiam comprá-lo. O rádio trazia o mundo à sua sala. Na Segunda Guerra Mundial, com sua interminável demanda de notícias, o rádio alcançou a maioridade como instrumento político e meio de informação. Esse veículo criou sua própria esfera pública. Pela primeira vez na história pessoas desconhecidas que se encontravam provavelmente sabiam o que cada uma tinha ouvido na noite anterior: o grande jogo, o programa humorístico, o discurso de Winston Churchill, o noticiário.

A arte mais significativamente afetada pelo rádio foi a música. O rádio, pela primeira vez, permitiu que música fosse ouvida a distância por mais de cinco minutos ininterruptos, e por um número teoricamente ilimitado de ouvintes.

Graças a sua extraordinária preponderância econômica, seu firme compromisso com o comércio e a democracia, e, após a Grande Depressão, a influência do populismo rooseveltiano, o mundo era americano ou provinciano no campo da cultura popular. Nenhum outro modelo nacional ou regional se estabeleceu globalmente. A única exceção foi o esporte. O esporte que o mundo tornou seu foi o futebol de clubes. Um jogo sem regras e/ou equipamentos complexos, que podia ser praticado em qualquer espaço aberto mais ou menos plano do tamanho exigido, que, com o estabelecimento da Copa do Mundo em 1930, tornou-se universal.

E no entanto, por nossos padrões, as grandes estrelas dos esportes de massa ainda ganhavam um salário não muito superior ao de um operário industrial qualificado, como no futebol britânico. Ainda tinham de ser apreciados pessoalmente, pois mesmo o rádio só podia traduzir a visão real do jogo. A era da televisão e dos esportistas pagos ainda estava alguns anos à frente.

Bibliografia:

HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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