Era dos Extremos: Rumo ao Abismo Econômico

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Resumo de Rumo ao Abismo Econômico, capítulo de Era dos Extremos de Eric Hobsbawm. Boa leitura!

I

Sem o colapso econômico entre as guerras, não teria havido Hitler. É improvável que o sistema soviético tivesse sido encarado como uma alternativa possível ao capitalismo mundial. O mundo da segunda metade do século XX é incompreensível se não entendermos o impacto do colapso econômico.

A produção industrial mundial cresceu pouco mais 80% nos 25 anos após 1913, cerca de metade da taxa de crescimento do quarto de século anterior. Contudo, a economia mundial não se achava em expansão. Por que essa estagnação?

Tanto homens de negócios quanto governos tinham tido a esperança que a economia mundial de alguma forma retornasse aos dias felizes de antes de 1914. Em 1924 houve realmente algo parecido com um retorno ao crescimento global, embora alguns dos produtores de matérias-primas e alimentos ficassem incomodados com os preços dos produtos primários, que voltaram a cair após uma breve recuperação. Além disso, o desemprego na maior parte da Europa Ocidental permaneceu, pelos padrões pré-1914, patologicamente alto. Os dois fatos indicam uma fraqueza na economia. Não foi surpresa para ninguém que a economia mundial ficasse de novo em apuros poucos anos depois. O que ninguém esperava era a universalidade e profundidade da crise que começou com a quebra da Bolsa de Nova York em 29 de outubro de 1929.

Houve uma crise na produção básica, tanto de alimentos como de matérias-primas, porque os preços, não mais mantidos pela formação de estoques como antes, entraram em queda livre. Isso deixou prostrados países cujo comércio internacional dependia em peso de uns poucos produtos primários. Em suma, tornou a Depressão global no sentido literal.

Para enfrentar a crise imediata, numa época em que o comércio mundial caiu 60% em quatro anos (1929-1932), os Estados se viram subsidiando a agricultura e erguendo barreiras cada vez mais altas para proteger seus mercados e moedas nacionais contra os furacões econômicos mundiais. A Grande Depressão destruiu o liberalismo econômico por meio século; obrigou os governos ocidentais a dar às considerações sociais prioridade sobre as econômicas em suas políticas de Estado.

A eliminação do desemprego em massa tornou-se a pedra fundamental da política econômica nos países de capitalismo democrático reformado. A demanda a ser gerada pela renda de trabalhadores com pleno emprego teria o mais estimulante efeito nas economias em recessão. Além disso, se acreditava que o desemprego em massa era política e socialmente explosivo, como de fato mostrara ser durante a Depressão. Isso explica a instalação de modernos sistemas previdenciários (os EUA aprovaram a Lei de Seguridade Social em 1935). Havia poucos sistemas de bem-estar no sentido moderno antes da Segunda Guerra Mundial.

Enquanto o resto do mundo estagnava, a URSS entrava numa industrialização ultrarrápida e maciça sob seus novos Planos Quinquenais. De 1929 a 1940, a produção industrial soviética triplicou. E não havia desemprego. “Plano” e “Planejamento” tomaram-se palavras da moda na política. Os partidos socialdemocratas adotaram “planos”. Jovens políticos conservadores tornaram-se porta-vozes do “planejamento”. Até os nazistas plagiaram a ideia, quando Hitler introduziu um “Plano Quadrienal” em 1933.

II

Não há explicação para a crise econômica mundial sem os EUA. Eles eram o primeiro país exportador do mundo na década de 1920. Importavam quase 40% de todas as exportações de matérias-primas e alimentos dos quinze países mais comerciais, um fato que ajuda muito a explicar o desastroso impacto da Depressão nos produtores de trigo, algodão, açúcar, borracha, seda, cobre, estanho e café. Pelo mesmo motivo, tornaram-se a principal vítima da Depressão. Se suas importações caíram em 70% entre 1929 e 1932, suas exportações caíram na mesma taxa.

Isso não pretende subestimar as raízes exclusivamente europeias do problema, em grande parte de origem política. Na conferência de paz de Versalhes (1919), haviam-se imposto pagamentos imensos mas indefinidos à Alemanha, como “reparações” pelo custo da guerra e os danos causados às potências vitoriosas. As reparações que foram pagas vieram dos empréstimos maciços (americanos). Todo o arranjo deixou tanto a Alemanha quanto a Europa extremamente sensíveis ao declínio dos empréstimos americanos.

Contudo, as perturbações e complicações políticas do tempo da guerra e do pós-guerra na Europa só em parte explicam a severidade do colapso econômico entreguerras. Em termos econômicos, podemos vê-lo de dois modos.

O primeiro vê basicamente um crescente desequilíbrio na economia internacional, devido à assimetria de desenvolvimento entre os EUA e o resto do mundo. Os EUA não precisavam muito do resto do mundo, e, portanto, não se preocuparam em agir como estabilizador global. Após a Primeira Guerra Mundial, tinham de importar menos capital, trabalho e produtos do que nunca. Suas exportações davam uma contribuição muito menor à renda nacional que em qualquer outro país industrial.

A segunda perspectiva da Depressão se fixa na não-geração, pela economia mundial, de demanda suficiente para uma expansão duradoura. Com os salários ficando para trás, a demanda da massa não podia acompanhar a produtividade em rápido crescimento do sistema industrial nos grandes dias de Henry Ford, o resultado foi superprodução e especulação. Isso, por sua vez, provocou o colapso.

III

Os efeitos da Grande Depressão tanto sobre a política quanto sobre o pensamento público foram dramáticos e imediatos. Em meados da década de 1930 havia poucos Estados cuja política não houvesse mudado substancialmente em relação ao que era antes do crash. A quase simultânea vitória de regimes nacionalistas, belicosos e agressivos em duas grandes potências militares – Japão (1931) e Alemanha (1933) – constituiu a consequência política mais sinistra e de mais longo alcance da Grande Depressão.

O fortalecimento da direita radical foi reforçado pelos espetaculares reveses da esquerda revolucionária. Isso se deveu, em certa medida, à política suicida do Comintern, que não apenas subestimou o perigo do nacional-socialismo na Alemanha, como seguiu uma linha de isolamento sectário, decidindo que seu principal inimigo era o trabalhismo de massa organizado dos partidos socialdemocratas e trabalhistas.

No vasto setor colonial do mundo, a Depressão trouxe um acentuado aumento na atividade anti-imperialista, em parte por causa do colapso dos preços das mercadorias das quais dependiam as economias coloniais, e em parte porque os próprios países metropolitanos apressaram-se em proteger sua agricultura e empregos, sem avaliar os efeitos dessas políticas sobre suas colônias.

Não se deve julgar o impacto da Grande Depressão apenas por seus efeitos políticos de curto prazo. O velho liberalismo parecia condenado. Três opções competiam agora pela hegemonia intelectual-política. O comunismo marxista era uma, afinal, as previsões de Marx pareciam estar concretizando-se. Um capitalismo privado de sua crença na otimização de livres mercados, e reformado por uma união com a moderada social-democracia de movimentos trabalhistas não comunistas, era a segunda, e, após a Segunda Guerra Mundial, mostrou-se a opção mais efetiva.

A terceira opção era o fascismo, que a Depressão transformou num movimento mundial, e, mais objetivamente, num perigo mundial. À medida que crescia a maré do fascismo com a Grande Depressão, tornava-se cada vez mais claro que na Era da Catástrofe não apenas a paz, a estabilidade social e a economia, como também as instituições políticas e os valores intelectuais da sociedade liberal burguesa do século XIX entraram em decadência ou colapso.

Bibliografia:

HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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