Era dos Extremos: Guerra Fria

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Resumo de Guerra Fria, capítulo de Era dos Extremos de Eric Hobsbawm. Boa Leitura!

I

Os 45 anos que vão do lançamento das bombas atômicas até o fim da União Soviética não formam um período homogêneo na história do mundo. Apesar disso, a história desse período foi reunida sob um padrão único: o constante confronto das duas superpotências que emergiram da Segunda Guerra Mundial na chamada “Guerra Fria”.

A peculiaridade da Guerra Fria era a de que não existia perigo iminente de guerra mundial. Os EUA tinham o monopólio das armas nucleares e multiplicavam declarações de anticomunismo militantes e agressivas. Assim que a URSS adquiriu armas nucleares, as duas superpotências abandonaram a guerra como instrumento de política. A Guerra Fria que tentou corresponder à retórica de luta pela supremacia era a nebulosa disputa entre seus serviços secretos reconhecidos e não reconhecidos.

II

A Guerra Fria baseava-se numa crença ocidental de que o futuro do capitalismo mundial e da sociedade liberal não estava assegurado porque, no fim da guerra, os países beligerantes, com exceção dos EUA, haviam se tornado um campo de ruínas mais que dispostos a ouvir o apelo da revolução social. Além disso, o sistema internacional pré-guerra desmoronara, deixando os EUA diante de uma URSS enormemente fortalecida em amplos trechos da Europa e em outros espaços ainda maiores do mundo não europeu.

Hoje é evidente que a URSS não era expansionista nem contava com qualquer extensão além do que se supõe houvesse sido combinado nas conferências de cúpula de 1943-5 entre Roosevelt, Churchill e Stalin. A União Soviética desmobilizou suas tropas, saíra da guerra em ruínas.

Contudo, dois elementos na situação ajudavam a fazer o confronto passar do reino da razão para o da emoção. Como a URSS, os EUA eram uma potência representando uma ideologia, que a maioria dos americanos acreditava ser o modelo para o mundo. Ao contrário da URSS, os EUA eram uma democracia. É triste, mas deve-se dizer que estes eram provavelmente mais perigosos.

Pois o governo soviético, embora também demonizasse o antagonista global, não precisava preocupar-se com ganhar votos no Congresso, ou com eleições presidenciais e parlamentares. Para os dois propósitos, um anticomunismo apocalíptico era útil, e portanto tentador. Os EUA viram-se comprometidos com uma posição agressiva. Os dois lados viram-se assim comprometidos com uma insana corrida armamentista para a mútua destruição.

A Guerra Fria se originou na América. Entre as nações democráticas, só nos EUA os presidentes eram eleitos (como John F. Kennedy em 1960) para combater o comunismo, que, em termos de política interna, era tão insignificante naquele país quanto o budismo na Irlanda.

III

Embora o aspecto mais óbvio da Guerra Fria fosse o confronto militar e a cada vez mais frenética corrida armamentista no Ocidente, muito mais óbvias foram as consequências políticas da Guerra Fria. Quase de imediato, ela polarizou o mundo controlado pelas superpotências em dois “campos” marcadamente divididos. Os governos de unidade antifascista que tinham acabado com a guerra na Europa (exceto, significativamente, os três principais Estados beligerantes, URSS, EUA e Grã-Bretanha) dividiram-se em regimes pró-comunistas e anticomunistas homogêneos em 1947-8.

A situação da Europa Ocidental em 1946-7 parecia tão tensa que Washington sentiu que o fortalecimento da economia europeia e, um pouco depois, também da japonesa, era a prioridade mais urgente, e o Plano Marshall, um projeto maciço para a recuperação europeia, foi lançado, em junho de 1947.

À medida que a era da Guerra Fria se estendia, o peso econômico da economia mundial passava dos EUA para as economias europeia e japonesa, as quais os EUA julgavam ter salvo. Contudo, a política da aliança contra a URSS era dos EUA, e também seus planos militares.

IV

O resultado líquido dessa fase de ameaças e provocações mútuas foi um sistema internacional relativamente estabilizado, e um acordo tácito das duas superpotências para não assustar uma à outra e ao mundo, simbolizado pela instalação da “linha quente” telefônica que então (1963) passou a ligar a Casa Branca com o Kremlin. O Muro de Berlim (1961) fechou a última fronteira indefinida entre Oriente e Ocidente na Europa. Os EUA aceitaram uma Cuba comunista em sua soleira. Os anos 60 e 70 na verdade testemunharam algumas medidas significativas para controlar e limitar as armas nucleares. Mais objetivamente, o comércio entre os EUA e a URSS começou a florescer à medida que os anos 60 desembocavam nos 70.

A Guerra Fria acabou quando uma acreditou na sinceridade do desejo da outra de acabar com a ameaça nuclear. Para fins práticos, a Guerra Fria terminou nas duas conferências de cúpula de Reykjavik (1986) e Washington (1987).

O socialismo do tipo soviético se pretendia uma alternativa global para o sistema mundial capitalista. Ficou claro, depois de 1960, que estava ficando para trás em ritmo acelerado. As duas superpotências estenderam demais suas economias com uma corrida armamentista maciça e muito dispendiosa, mas o sistema capitalista mundial podia absorver os 3 trilhões de dólares de dívida a que chegaram, na década de 1980, os EUA. Não havia ninguém para absorver a tensão equivalente dos gastos soviéticos, os aliados e dependentes dos soviéticos jamais andaram sobre os próprios pés. Em suma, a Guerra Fria, desde o começo, foi uma guerra de desiguais.

O que solapou o socialismo foi a interação da economia do tipo soviético com a economia capitalista a partir da década de 1960. Quando os líderes socialistas na década de 1970 preferiram explorar os recursos do mercado mundial (preços de petróleo, empréstimos fáceis etc.), em vez de reformar seu sistema econômico, cavaram suas próprias covas. O paradoxo da Guerra Fria é que o que derrotou a URSS não foi o confronto, mas a “détente” (o afrouxamento da tensão).

V

A Guerra Fria transformara o panorama internacional em três aspectos. Primeiro, eliminara todas as rivalidades e conflitos que moldavam a política mundial antes da Segunda Guerra Mundial, com exceção de um.

Segundo, a Guerra Fria estabilizara um estado de coisas não fixo e provisório. Exceto na Europa, dificilmente houve um ano entre 1948 e 1989 sem um conflito armado em alguma parte, que eram controlados pelo receio de que provocassem uma guerra entre as superpotências. Entidades políticas politicamente impotentes, instáveis e indefensáveis — a região entre o mar Vermelho e o golfo Pérsico estava cheia delas —, continuaram existindo.

Terceiro, a Guerra Fria encheu o mundo de armas num grau que desafia a crença. Era o resultado natural de quarenta anos de competição constante, entre grandes Estados industriais, para armar-se e para fazer amigos distribuindo armas por todo o globo.

O fim da Guerra Fria retirou de repente os esteios que sustentavam a estrutura internacional e as estruturas dos sistemas políticos internos mundiais. E o que restou foi um mundo em desordem e colapso parcial, porque nada havia para substituí-los. Em 1947, os EUA haviam reconhecido a necessidade de um imediato projeto para restaurar as economias europeias ocidentais, porque o suposto perigo para elas — o comunismo e a URSS — era facilmente definido. As consequências econômicas e políticas do colapso da União Soviética e da Europa Oriental foram ainda mais dramáticas e de muito mais longo alcance. Nenhuma das ricas economias do capitalismo tratou essa crise iminente como uma emergência global, porque suas consequências políticas não eram tão facilmente especificadas.

Só uma coisa parecia firme e irreversível entre essas incertezas: as mudanças fundamentais, extraordinárias, sem precedentes que a economia mundial, e consequentemente as sociedades humanas, tinham sofrido no período desde o início da Guerra Fria.

Bibliografia:

HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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