Este é o resumo do capítulo 9 de Era dos Extremos de Eric Hobsbawm. Boa leitura!
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I
A maioria dos seres humanos atua como os historiadores: só em retrospecto reconhece a natureza de sua experiência. Só depois que passou o grande boom, nos anos 70, os observadores começaram a perceber que o mundo passara por uma fase excepcional.
Buscaram nomes para descrevê-la: “os trinta anos gloriosos” dos franceses, a Era de Ouro de um quarto de século dos anglo-americanos (Marglin & Schor, 1990).
Hoje é evidente que a Era de Ouro pertenceu essencialmente aos países capitalistas desenvolvidos. Apesar disso, a Era de Ouro foi um fenômeno mundial. A produção em massa de alimentos cresceu mais rápido que a população, tanto nas áreas desenvolvidas quanto em toda grande área do mundo não industrial.
O mundo industrial se expandia. A economia mundial crescia a uma taxa explosiva. A produção agrícola mundial também disparou. E o fez não tanto com o cultivo de novas terras, mas elevando sua produtividade.
Mal se notava ainda um subproduto dessa extraordinária explosão, a poluição e a deterioração ecológica. A ideologia de progresso dominante tinha como certo que o crescente domínio da natureza pelo homem era a medida mesma do avanço da humanidade.
II
Muito do grande boom mundial foi assim um alcançar ou, no caso dos EUA, um continuar de velhas tendências. O modelo de produção em massa de Henry Ford espalhou-se para indústrias do outro lado dos oceanos, enquanto nos EUA o princípio fordista ampliava-se para novos tipos de produção. Bens e serviços antes restritos a minorias eram agora produzidos para um mercado de massa: a geladeira, a lavadora de roupas automática, o telefone.
O surto econômico parecia movido pela revolução tecnológica. A guerra, com suas demandas de alta tecnologia, preparou vários processos revolucionários para posterior uso civil: radar, motor a jato e várias ideias que preparam o terreno para a tecnologia de informação do pós-guerra.
Três coisas nesse terremoto tecnológico impressionam o observador. Primeiro, ele transformou absolutamente a vida cotidiana no mundo rico e mesmo, em menor medida, no mundo pobre, no qual o rádio podia agora chegar às mais remotas aldeias. A revolução tecnológica entrou na consciência do consumidor em tal medida que a crença era que “novo” equivalia não só a melhor, mas a absolutamente revolucionado.
Segundo, “Pesquisa e Desenvolvimento” [R&D em inglês] tornaram-se fundamentais para o crescimento econômico e, por esse motivo, reforçou-se a já enorme vantagem das “economias de mercado desenvolvidas” sobre as demais (a inovação tecnológica não floresceu nas economias socialistas.). O “país desenvolvido” típico tinha mais de mil cientistas e engenheiros para cada milhão de habitantes na década de 1970, mas a Nigéria tinha cerca de trinta (UNESCO, 1985, tabela 5.18).
Terceiro, as novas tecnologias eram de capital intensivo e exigiam pouca mão-de-obra. A grande característica da Era de Ouro era precisar cada vez mais de maciços investimentos e cada vez menos gente, a não ser como consumidores.
III
Havia no Grande Salto uma substancial reestruturação e reforma do capitalismo e um avanço bastante espetacular na globalização e internacionalização da economia.
A reestruturação produziu uma “economia mista”, que ao mesmo tempo tornou mais fácil aos Estados planejar e administrar a modernização econômica e aumentou enormemente a demanda. Ao mesmo tempo, o compromisso político de governos com o pleno emprego e com redução da desigualdade econômica, isto é, com a seguridade social e previdenciária, pela primeira vez proporcionou um mercado de consumo de massa para bens de luxo que agora podiam passar a ser aceitos como necessidades. A Era de Ouro democratizou o mercado.
Já a internacionalização multiplicou a capacidade produtiva da economia mundial, tornando possível uma divisão de trabalho internacional mais elaborada e sofisticada.
Tampouco podemos duvidar de que o capitalismo foi deliberadamente reformado durante os últimos anos da guerra. A experiência do entreguerras e, sobretudo, a Grande Depressão tinham sido tão catastróficas que ninguém podia sonhar em retornar o mais breve possível à época anterior. E se não fosse o bastante, os riscos políticos fatais de não fazê-lo eram patentes para todos os que acabavam de combater a Alemanha de Hitler, filha da Grande Depressão, e enfrentavam a perspectiva do comunismo e do poder soviético avançando para oeste sobre as ruínas de economias capitalistas que não funcionavam. Mesmo regimes dedicados ao liberalismo econômico e político podiam agora, e precisavam, dirigir suas economias de uma maneira que antes seria rejeitada como “socialista”.
IV
Na prática, a Era de Ouro foi a era do livre comércio, livres movimentos de capital e moedas estáveis que os planejadores do tempo da guerra tinham em mente. A economia mundial na Era de Ouro continuou sendo mais internacional que transnacional. Os países comerciavam uns com os outros, mas o grosso de suas atividades econômicas continuou centrado no mercado interno. Apesar disso, começou a surgir, sobretudo a partir da década de 1960, uma economia cada vez mais transnacional, ou seja, um sistema de atividades econômicas para as quais os territórios e fronteiras de Estados não constituem o esquema operatório básico, mas apenas fatores complicadores.
Três aspectos dessa transnacionalização foram particularmente óbvios: as empresas transnacionais (“multinacionais”), a nova divisão internacional do trabalho e o aumento de financiamento offshore (externo). O termo offshore descreve a prática de registrar a sede legal da empresa num território fiscal generoso, que permitia aos empresários evitar os impostos e outras restrições existentes em seu próprio país. A prática do offshore prestava-se particularmente a transações financeiras.
A tendência de transações e empresas comerciais emanciparem do tradicional Estado-nação tornou-se ainda mais acentuada à medida que a produção industrial começava a sair dos países europeus e da América do Norte. Uma nova divisão internacional do trabalho, portanto, começou a solapar a antiga. Essa foi a inovação decisiva da Era de Ouro: tornar possível dividir a produção de um único artigo entre, digamos, Houston, Cingapura e Tailândia.
Tudo isso produziu uma mudança paradoxal na estrutura política da economia mundial. À medida que o globo se tornava sua unidade real, as economias nacionais dos grandes Estados foram dando lugar a tais centros offshore, a maioria situada nos pequenos mini-Estados que se haviam convenientemente multiplicado quando os velhos impérios coloniais se despedaçaram. Na Era de Ouro se tornou evidente que podiam florescer oferecendo serviços diretamente à economia global. Daí o surgimento de novas cidades-Estado (Hongkong, Cingapura).
V
Ao contrário da explosão salarial, do colapso do sistema financeiro internacional de Bretton Woods em 1971, do boom de produtos de 1972-3 e da crise da OPEP de 1973, a explosão de radicalismo estudantil em 1968 não entra muito na explicação dos historiadores econômicos sobre o fim da Era de Ouro, que não era exatamente inesperado. Como sempre, a reação imediata dos chocados contemporâneos foi buscar razões especiais para o colapso do antigo boom, “um incomum acúmulo de perturbações infelizes, sem probabilidade de se repetir na mesma escala, cujo impacto foi agravado por alguns erros inevitáveis”, para citar a OCDE (McCracken, 1977, p. 14). Os mais simplórios atribuíam tudo à ganância dos xeques do petróleo da OPEP. As décadas a partir de 1973 seriam de novo uma era de crise.
A Era de Ouro perdeu o seu brilho. Apesar disso, iniciara, na verdade realizara, a mais impressionante, rápida e profunda revolução nos assuntos humanos de que a história tem registro.
Bibliografia:
HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.