É significativo que poucos defensores da planificação se contentem em afirmar que o planejamento central é desejável. Cultiva-se o mito de que estamos tomando esse caminho porque a concorrência está sendo eliminada por transformações tecnológicas que não podemos deter nem devemos impedir. É uma dessas asserções que por mera repetição acabam sendo admitidas como fatos estabelecidos. Todavia, é desprovida de qualquer fundamento.
A causa de natureza tecnológica a que se atribui o surgimento do monopólio seria a superioridade das grandes firmas em relação às pequenas, por causa da maior eficiência dos modernos métodos de produção em massa. Afirma-se que os métodos modernos criaram condições que permitem à grande empresa aumentar sua produção a custos unitários decrescentes, fazendo com que ela possa oferecer preços mais baixos e expulsar a pequena empresa do mercado. Esse processo continuaria até que em cada setor só restasse um número restrito de empresas gigantes. Tal argumento ressalta apenas um dos efeitos que às vezes acompanha o progresso tecnológico, e não é confirmado por um exame cuidadoso dos fatos. O mais abrangente estudo realizado sobre o assunto nos últimos tempos é o da comissão provisória de economia nacional norte-americana sobre a Concentração do Poder Econômico. A monografia sobre a matéria, redigida para a comissão, assim sintetiza a conclusão:
“em muitos setores, não foram encontradas as vantagens que eliminariam a concorrência. Tampouco as economias de escala, quando existem, pressupõem invariavelmente o monopólio. …As dimensões que favorecem a eficiência máxima podem ser alcançadas muito antes de a maior parte da produção estar sujeita a esse gênero de controle. Não se pode aceitar a conclusão de que as vantagens da produção em grande escala levam inevitavelmente à abolição da concorrência. Cumpre notar, contudo, que o monopólio é muitas vezes produto de outros fatores (…) Ele resulta de conluios, e é promovido pela política governamental. Quando se invalidam tais acordos e se altera a política, a concorrência pode ser restabelecida”.
Esta conclusão é corroborada pela ordem histórica em que o declínio da concorrência e o surto do monopólio se manifestaram nos diferentes países. Se decorressem dos avanços tecnológicos ou fossem produto necessário da evolução do “capitalismo”, teriam de surgir em primeiro lugar nos países cujo sistema econômico é mais avançado. Na realidade, apareceram pela primeira vez no último quarto do século XIX, em países relativamente jovens do ponto de vista da industrialização: os Estados Unidos e a Alemanha. Em especial neste último país, o surgimento de cartéis e sindicatos tem sido deliberadamente promovido desde 1878 pela política governamental. Não só o protecionismo mas também estímulos diretos, e por fim a coação, foram empregados pelos governos para favorecer a criação de monopólios, visando ao controle de preços e vendas.
A afirmação de que os modernos progressos da tecnologia levam inevitavelmente à planificação, devido à complexidade da moderna civilização industrial também pode ser interpretada de outra maneira. Aqueles que invocam a complexidade da civilização moderna como justificativa para o planejamento central afirmam que a dificuldade cada vez maior de se obter uma visão coerente de todo o processo econômico torna indispensável a coordenação exercida por um órgão central, a fim de que a vida social não mergulhe no caos.
Entretanto, é a complexidade da divisão do trabalho no mundo moderno que faz da concorrência o único método pelo qual essa coordenação pode se produzir de modo eficaz. A descentralização só se torna imperiosa quando os fatores a serem considerados são tão numerosos que é impossível obter uma visão de conjunto. Surge, então, o problema da coordenação – um tipo que dê aos órgãos particulares a autonomia de ajustar suas atividades a fatos que só eles podem conhecer, e que, no entanto, promova ao mesmo tempo um ajustamento mútuo dos seus respectivos planos. Assim, a coordenação pode ser efetuada apenas por meio de uma estrutura que proporcione a cada agente as informações de que precise para um ajuste de suas decisões às dos demais. E, como nunca se podem conhecer todos os pormenores das modificações que influem constantemente nas condições da oferta e da procura das diferentes mercadorias, e nenhum órgão tem a possibilidade de reuni-los e divulgá-los com suficiente rapidez, torna-se necessário algum sistema que assinale de forma automática todos os efeitos relevantes das ações individuais – sistema cujas indicações serão ao mesmo tempo o resultado das decisões individuais e a orientação para estas decisões.
É justamente essa a função do sistema de preços em um regime de concorrência. Ele permite aos empresários ajustar sua atividade à de seus concidadãos pela observação das oscilações de um certo número de preços. Quanto mais complexo o todo, mais dependemos da divisão de conhecimentos entre indivíduos cujos esforços separados são coordenados pelo mecanismo impessoal, transmissor dessas importantes informações, que denominamos sistema de preços. Uma maior complexidade exigirá mais do que nunca o emprego de uma técnica que não dependa de controle consciente.
Há outra teoria que relaciona o surgimento dos monopólios ao progresso tecnológico. Ela afirma que será impossível fazer uso de muitas das novas possibilidades tecnológicas a menos que se garanta proteção contra a concorrência – isto é, a não ser que monopólios sejam concedidos. Este tipo de raciocínio não é necessariamente fraudulento. Poderíamos conceber, por exemplo, que a indústria britânica de automóveis pudesse oferecer um carro mais barato e melhor do que os dos Estados Unidos, se todos na Inglaterra fossem obrigados a usar o mesmo tipo de carro: ou que a eletricidade para todos os fins se tornasse mais barata do que o carvão ou o gás, se fosse possível obrigar as pessoas a usar apenas eletricidade.
Quer esses exemplos possam ou não ter uma importância considerável e duradoura, não justificam, por certo, a ideia de que o progresso técnico torna inevitável o dirigismo central. Tornariam apenas necessário escolher entre o usufruto compulsório de determinada vantagem e a sua não obtenção. Em tais circunstâncias seríamos obrigados a sacrificar uma possível vantagem imediata em troca da liberdade – mas, por outro lado, evitaríamos que os progressos futuros dependessem de conhecimentos que agora apenas determinadas pessoas possuem.
Entre os maiores entusiastas da planificação, encontramos um grande número de técnicos e especialistas (a quem o movimento em favor de uma sociedade dirigida deve sua força atual). Isso ocorre porque os ideais tecnológicos dos nossos especialistas poderiam ser realizados num prazo curto se realizá-los se tornasse o objetivo único da humanidade. São as ambições frustradas do especialista em seu campo de trabalho que o levam a revoltar-se contra a ordem reinante. As esperanças que eles depositam no planejamento resultam de um ponto de vista muito limitado, e em geral são fruto da importância exagerada atribuída a finalidades por eles consideradas prioritárias. É difícil imaginar um mundo mais intolerável e irracional do que aquele em que se permitisse aos mais eminentes especialistas de cada campo proceder sem entraves à realização dos seus ideais.
Tampouco pode a “coordenação” converter-se numa nova especialidade, como parecem julgar alguns planejadores. O economista é o último a atribuir-se os conhecimentos que o coordenador teria de possuir. Ele empenha-se em defender um método que promova tal coordenação sem a necessidade de um ditador onisciente. Mas isso implica, justamente, a preservação das restrições impessoais aos esforços do indivíduo, restrições estas que muito irritam a todos os especialistas.
Bibliografia:
HAYEK, Friedrich August. O Caminho da servidão. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.