O Caminho da Servidão – Introdução

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“Poucas descobertas são mais irritantes do que as que revelam a origem das ideias”. – Lord  Acton

Os acontecimentos contemporâneos diferem dos históricos porque desconhecemos os resultados que irão produzir. Assim, podemos aprender do passado a evitar a repetição de um mesmo processo. Não é preciso ser profeta para dar-se conta de perigos iminentes. Uma combinação de vivência e interesse poderá revelar a um homem certos aspectos dos acontecimentos que poucos terão visto.

As páginas que se seguem são o resultado de uma experiência que se aproxima tanto quanto possível dessa oportunidade de vivermos duas vezes o mesmo período histórico – ou, pelo menos, de observarmos duas vezes uma evolução de ideias muito semelhante. Embora as influências sofridas pela tendência do pensamento, na maioria das nações civilizadas, sejam semelhantes, essas influências não operam ao mesmo tempo nem com a mesma rapidez. Dessa forma, indo de um país para outro, é possível observar duas vezes fases análogas de um processo intelectual. Assim, faz-se hoje necessário declarar esta verdade amarga: é o destino da Alemanha que estamos em perigo de seguir. Reconheço que esse perigo não é imediato, pois as condições na Inglaterra ainda estão de tal modo distantes daquelas que em anos recentes ocorreram na Alemanha, que se torna difícil acreditar estarmos marchando na mesma direção. Contudo, embora a estrada seja longa, é uma estrada na qual, à medida que se avança, é mais difícil voltar atrás.

Nos últimos doze anos, fui-me convencendo sempre mais e mais de que no mínimo algumas das forças que destruíram a liberdade na Alemanha também estão em atividade aqui na Inglaterra, e de que o caráter e a origem desse perigo são ainda menos compreendidos aqui do que o foram na Alemanha. A suprema tragédia está em que, na Alemanha, foram em grande parte pessoas de boa vontade, homens que eram admirados e tidos como exemplos nos países democráticos, os que prepararam o caminho para as forças que agora representam tudo o que detestam – se é que eles mesmos não as criaram.

Poucos estão prontos a admitir que a ascensão do nazismo e do fascismo não foi uma reação contra as tendências socialistas do período precedente, mas o resultado necessário dessas mesmas tendências. Esta é uma verdade que a maioria das pessoas reluta em aceitar, mesmo quando as semelhanças entre muitos aspectos detestáveis dos regimes internos da Rússia comunista e da Alemanha nacional-socialista são amplamente reconhecidas. Em consequência, muitos dos que detestam com sinceridade todas as manifestações do nazismo trabalham ao mesmo tempo em prol de ideais cuja realização levaria diretamente à tirania que odeiam.

O socialismo de que falamos não é um assunto partidário, e as questões aqui discutidas pouco têm a ver com as questões em disputa entre partidos políticos. O importante é que, se considerarmos as pessoas cujas opiniões influem nos acontecimentos neste país, todas elas são em certa medida socialistas. Saber onde nos levarão essas ideias comuns à nossa geração é problema não para um partido mas para cada um de nós. Poder-se-á imaginar maior tragédia do que, no esforço de modelar conscientemente o nosso futuro de acordo com elevados ideais, estarmos de fato e involuntariamente produzindo o oposto daquilo por que vimos lutando?

Há, porém, um motivo bem mais premente para que procuremos compreender as forças que criaram o nacional-socialismo: o fato de que isto nos capacitará a entender nosso inimigo e o que está em jogo entre nós. Não se pode negar que ainda são pouco conhecidos os ideais positivos pelos quais estamos lutando. Sabemos que lutamos pela liberdade de conduzir nossa vida de acordo com nossas próprias ideias. Isso é muito, mas não é o bastante.

Não é o suficiente para nos dar a firme convicção de que necessitamos a fim de resistir a um inimigo que usa a propaganda como uma de suas armas principais, e não apenas do modo mais ruidoso, mas também nas suas formas mais sutis.

Não é o bastante se precisarmos demonstrar aos outros que aquilo por que lutamos é digno de seu apoio, e tampouco basta para nos guiar na construção de uma nova Europa a salvo dos perigos diante dos quais o velho mundo sucumbiu. É lamentável que os ingleses, ao tratar com os ditadores antes do conflito tenham mostrado uma íntima insegurança e incerteza quanto a objetivos que só podem ser explicados pela confusão acerca dos próprios ideais e da natureza das diferenças que os separam do inimigo. Fomos enganados, tanto por nos termos recusado a acreditar que o inimigo era sincero ao esposar algumas crenças das quais compartilhamos, como por termos acreditado na sinceridade de algumas de suas outras alegações. É impressionante o número de erros perigosos que cometemos antes e depois do início da guerra por não entendermos o nosso adversário. Chega-se a ter a impressão de que não desejamos compreender a sequência dos fatos que produziram o totalitarismo porque tal compreensão poderia destruir algumas das mais caras ilusões a que nos apegamos.

Nunca seremos bem-sucedidos ao tratar com os alemães se não compreendermos o caráter e a evolução das ideias que agora os governam. A teoria de que eles são pervertidos por natureza é dificilmente defensável e não dignifica os que a sustentam. Essa teoria desonra a longa série de pensadores ingleses que durante os últimos cem anos se tem apropriado do que há de melhor no pensamento alemão. Negligencia o fato de que JOHN STUART MILL, quando escreveu há oitenta anos o seu grande ensaio Da Liberdade, inspirou-se em dois alemães – GOETHE e WILHELM VON HUMBOLDT.

A interpretação do que se passou na Alemanha e na Itália, a ser apresentada neste livro, é muito diversa da que foi dada pela maioria dos observadores estrangeiros e pela maior parte dos exilados daqueles países. No entanto, se esta interpretação for correta, ela também explicará por que uma visão desses acontecimentos na sua perspectiva exata é quase impossível para as pessoas que – como a maioria dos exilados e dos correspondentes estrangeiros de jornais americanos e ingleses – adotam os pontos de vista socialistas ora predominantes.

Muitos aceitam a opinião enganosa e superficial de que o nacional-socialismo é meramente uma reação fomentada por aqueles cujos interesses ou privilégios estavam ameaçados pelo avanço do socialismo. Conforme esperamos demonstrar, o conflito existente na Alemanha entre a “direita” nacional-socialista e a “esquerda” é o tipo de conflito que sempre se verifica entre facções socialistas rivais. Se esta interpretação for correta, significará que muitos daqueles refugiados socialistas estão atualmente, embora com a melhor boa vontade do mundo, cooperando para induzir seu país adotivo a seguir o caminho tomado pela Alemanha.

Sei que muitos de meus amigos ingleses se sentiram algumas vezes chocados pelas ideias semifascistas ocasionalmente expressas por refugiados alemães de cujas genuínas convicções socialistas não se podia duvidar. Mas enquanto esses observadores ingleses atribuíam tais ideias ao fato de que os outros eram alemães, a verdadeira explicação é que eles eram socialistas cuja experiência os havia levado muitos estágios além dos já atingidos pelos socialistas na Inglaterra e nos Estados Unidos. É sem dúvida verdade que os socialistas alemães encontraram grande apoio, no seu país, em certos aspectos da tradição prussiana; e o parentesco entre prussianismo e socialismo fortalece nosso principal argumento. Mas seria um erro acreditar que foi o elemento especificamente alemão que produziu o totalitarismo. Era, com efeito, a preponderância das ideias socialistas, e não o prussianismo, o que a Alemanha tinha em comum com a Itália e a Rússia.

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Bibliografia:

HAYEK, Friedrich August. O Caminho da servidão. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.

Veja aqui a íntegra do texto.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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