Resumo de História Geral da África – As Fontes Escritas a Partir do Século XV. É o capítulo 6 da obra organizada pela UNESCO. Boa leitura!
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No final do século XV e princípio do século XVI, ocorreram transformações no caráter, proveniência e volume das fontes escritas para a história da África. Observa-se, em relação ao período precedente, um certo número de novas tendências na produção desse material.
Devido a essa distribuição irregular dos materiais em relação tanto a espaço, tempo e caráter, quanto a sua origem e língua, é preferível examiná-los sob diferentes critérios ao invés de adotar um único procedimento. Nós os apresentaremos, em alguns casos, de acordo com as regiões geográficas, em outros, de acordo com suas origens e caráter.
África do Norte e Etiópia
África do Norte
Os materiais para a África do Norte de língua árabe, como os de outras partes do continente, passaram por algumas profundas mudanças em comparação com o período anterior. As mudanças que se fazem sentir dizem respeito principalmente a dois tipos de fontes: os documentos arquivísticos de diversas origens e os escritos europeus. Somente a partir do início do século XVI, os materiais primários, tanto em árabe como em turco, começam a aparecer em maior abundância. Um caso especial é o do Marrocos, que sempre conservou sua independência, e seus arquivos preservaram um rico material histórico. Os documentos são principalmente de arquivos governamentais, administrativos e jurídicos.
Nesse período as narrativas de viajantes europeus ganham importância crescente. Elas trazem muitas reflexões e observações interessantes não encontradas em outros documentos, já que os escritores locais consideravam muitos aspectos da vida banais e desprovidos de interesse. De interesse particular é a obra monumental Description de l’ Egypte (24 volumes, Paris, 1821-1824), compilada pela comissão científica da expedição de Napoleão Bonaparte.
Etiópia
A situação da Etiópia é análoga à da África do Norte, o historiador tem à sua disposição uma grande variedade de documentos, tanto internos como externos. Sendo o único país cristão que restou na África, a Etiópia despertou muito mais interesse na Europa que as demais partes do continente, desde o século XV.
África do Sul
Em comparação com outras partes do continente (com exceção dos países de língua árabe e da Etiópia), a África do Sul oferece, para o período em estudo, uma quantidade muito maior de materiais escritos, na forma de arquivos e de narrativas. A falta de fontes de origem genuinamente africana anteriores ao século XIX representa uma certa desvantagem. As informações mais antigas provêm de marinheiros portugueses ou holandeses cujos navios naufragaram na costa sudeste no decorrer dos séculos XVI e XVII. Com o estabelecimento da colônia holandesa no Cabo (1652), a produção de materiais torna-se mais rica.
Graças ao aparecimento de jornais nas línguas vernáculas, podemos acompanhar as ideias dos antigos representantes de uma sociedade em mudança. No semanário Isidigimi (publicado entre 1870 e 1880) apareceu a primeira crítica à política europeia e seu impacto negativo na vida africana, escrita pelos primeiros protonacionalistas, como Tiyo Soga (morto em 1871) ou G. Chamzashe (morto em 1896).
Fontes narrativas externas
Se o período entre os séculos IX e XV chega a ser chamado “era das fontes árabes” devido à predominância de material nessa língua, o período em estudo é marcado por um nítido declínio nesse aspecto. Seu número e qualidade não podem ser comparados nem com o período anterior nem com fontes de outras origens.
Em árabe e em outras línguas orientais
Uma fonte de particular interesse é representada pelas obras sobre navegação de Ahmad Ibn Majid (início do século XVI), o piloto que conduziu Vasco da Gama do Malindi até a Índia. Seu livro que trata da costa leste da África é o mais importante, já que contém, além de uma vasta quantidade de material topográfico e um mapa das rotas marítimas, opiniões categóricas sobre os portugueses no oceano Índico. Já os materiais em outras línguas orientais são ainda mais escassos que em árabe.
Em línguas europeias
O enorme volume da literatura europeia sobre a África tropical, desde o início do século XVI, torna impossível uma enumeração até mesmo dos trabalhos ou autores mais importantes. Ela nos fornece a estrutura cronológica na história da África, onde a datação é um dos pontos mais fracos da tradição oral.
As fontes narrativas europeias podem ignorar muitos detalhes, ou tratá-los de um ponto de vista preconceituoso, ou, ainda, interpretá-los incorretamente. Mas estes são riscos inerentes a toda historiografia, e não é razão para se rejeitar esse amplo e extremamente importante conjunto de informações.
Fontes narrativas internas
Durante o período que estamos estudando, ocorreu um novo fenômeno: o aparecimento e desenvolvimento de uma literatura histórica escrita por africanos da região ao sul do Saara. O meio de expressão não era, inicialmente, nenhuma das línguas africanas locais, mas, sim, o árabe – cujo papel no mundo islâmico pode ser comparado ao que o latim representou na Idade Média europeia, isto é, o meio de comunicação entre os povos cultos –, e, mais tarde, também algumas das línguas europeias.
A tradição historiográfica parece ter começado ao mesmo tempo no cinturão sudanês e na costa africana oriental, precisamente nas duas grandes regiões cobertas até essa época pelas fontes árabes externas e nas quais o Islã exerceu uma prolongada influência. A produção literária dos africanos em línguas europeias tem início dois séculos mais tarde que a redação em árabe. C. C. Reindorf, um ga, publicou em 1895, em Basle, sua History of the Gold Coast and Asanle e é considerado o primeiro historiador moderno de origem africana. Com ele e Samuel Johnson inicia-se a cadeia ininterrupta de historiadores africanos.
Fontes arquivísticas particulares, relatórios confidenciais e outros testemunhos
Fontes particulares compreendem a correspondência oficial e particular, relatórios confidenciais de várias transações, registros comerciais, estatísticas, documentos particulares de diversos tipos, tratados e acordos, diários de bordo, etc. Esse material é encontrado em arquivos e bibliotecas estatais ou particulares.
Observemos, primeiramente, o material escrito em árabe. Para o período anterior ao século XIX, foram descobertos até agora somente exemplares isolados de correspondência, local e internacional, provenientes, sobretudo, da África ocidental. O árabe era utilizado como língua diplomática não apenas pelas cortes islamizadas do Sudão, mas também por governantes não-muçulmanos. Algumas dessas cartas foram encontradas na Biblioteca Real em Copenhague.
O material nas línguas europeias abrange o período do século XVI até hoje. Escrito numa dúzia de línguas, é imensamente abundante e está disperso pelo mundo inteiro em centenas de lugares diferentes, arquivos, bibliotecas e coleções particulares.
Em cada Estado independente da África existe agora arquivos governamentais que também mantêm material herdado da administração colonial anterior. Com algumas exceções, a manutenção de registros detalhados só teve início, na África, na década de 1880. Por outro lado, há uma vantagem, que reside no fato de guardarem materiais e registros que têm relação mais direta com a situação local, enquanto os arquivos coloniais da Europa contêm, principalmente, documentos sobre a política do colonizador.
Para concluir, devemos tratar dos mapas e outros materiais cartográficos. Embora, a partir do século XVI, o número de mapas impressos da África tenha aumentado a cada ano, muitos ainda se mantêm em forma de manuscritos, em vários arquivos e bibliotecas da Europa. Nesses mapas, podemos encontrar nomes de localidades que hoje não existem mais ou que são conhecidas por outras denominações. Os mapas antigos fornecem também dados sobre a distribuição de grupos étnicos, sobre as fronteiras dos Estados e províncias, sobre os vários nomes dos rios, montanhas e outros aspectos topográficos. Devemos, portanto, endossar o apelo de Joseph Ki-Zerbo de publicação de uma coletânea de todos os mapas antigos da África em um atlas com textos comentados.
Embora abundantes, os documentos de todo tipo, registros, livros e relatórios conhecidos constituem, muito provavelmente, apenas um fragmento do material existente. Dentro e fora da África devem existir inúmeros lugares que ainda não foram explorados do ponto de vista de fontes possíveis da história daquele continente. Essas regiões inexploradas constituem verdadeiros “espaços em branco” no mapa do nosso conhecimento das fontes da história africana. Quanto mais cedo eles desaparecerem, mais rico será o quadro que podemos traçar do passado africano.
Bibliografia:
DJAIT, H. As fontes escritas anteriores ao século XV. In: História geral da África, I: Metodologia e pré-história da África. 2.ed – Brasília: UNESCO, 2010.