História Geral da África, I: Fontes e Técnicas Específicas da História da África – Panorama Geral

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Este é o resumo do capítulo 4 de História Geral da África (UNESCO). Boa leitura!

As regras gerais da crítica histórica, que fazem da história uma técnica do documento, e o espírito histórico, que pede o estudo da sociedade humana em sua caminhada através dos tempos, são aquisições fundamentais utilizáveis por todos os historiadores, em qualquer país. O esquecimento desse postulado manteve durante muito tempo os povos africanos fora do campo dos historiadores ocidentais, para quem a Europa era, em si mesma, toda a história. Na realidade, o que estava subjacente era a crença persistente na inexistência de uma história na África, dada a ausência de textos e de uma arqueologia monumental.

Portanto, parece claro que o primeiro trabalho histórico se confunde com o estabelecimento de fontes. Hoje se admite de bom grado a existência de fontes utilizadas mais particularmente para a história africana: geologia e paleontologia, pré-história e arqueologia, paleobotânica, palinologia, medidas de radiatividade de isótopos capazes de fornecer dados cronológicos absolutos, geografia física, observação e análise etno-sociológicas, tradição oral, linguística histórica ou comparada, documentos escritos europeus, árabes, hindus e chineses, documentos econômicos ou demográficos que podem ser processados eletronicamente.

A variedade das fontes da história africana permanece extraordinária. Dessa forma, a integração global dos métodos e o cruzamento das fontes constituem desde já uma eficaz contribuição da África à ciência e mesmo à consciência historiográfica contemporânea. A curiosidade do historiador deve seguir várias trajetórias ao mesmo tempo.

Sem dúvida, o fato metodológico mais decisivo desses últimos anos foi a intervenção das ciências físicas modernas no estudo do passado humano, com as medidas de radiatividade dos isótopos, que asseguram a apreensão cronológica do passado até os primeiros tempos do aparecimento do Homo sapiens (teste do carbono 14) e das épocas anteriores a 1 milhão de anos (método do potássio – argônio). Atualmente, esses métodos de datação absoluta abreviam de modo considerável as discussões no campo da paleontologia humana e da pré-história.

As informações obtidas de outras fontes iluminam igualmente a história da África, independentemente de qualquer documento escrito. A vida e a história da população da bacia lacustre do Chade, por exemplo, seriam dificilmente compreensíveis sem a intervenção da geografia física. Com efeito, o aspecto humano da bacia é estreitamente ligado a um problema de geografia física, de geomorfologia, que condiciona o desenvolvimento humano. Dessa forma, a civilização recuou diante do deserto. Ela retrocedeu até o limite da área em que o milho-miúdo e o sorgo podem ser cultivados sem irrigação, na latitude aproximada do Neo-Chade. Agricultores, pastores e pescadores vivem na zona meridional, onde as águas flúvio-lacustres fecundam as terras, tornam verdes os pastos, atraem periodicamente uma multidão de pescadores. Ao contrário, a erosão nas zonas desérticas setentrionais torna o solo instável e a vegetação precária, caracterizada por arbustos espinhosos xerófilos.

O problema heurístico e epistemológico fundamental permanece sempre o mesmo: na África, o historiador deve estar absolutamente atento a todos os tipos de procedimentos de análise. Esta “abertura de espírito” é particularmente necessária quando se estudam períodos antigos, sobre os quais não se dispõe nem de documentos escritos nem mesmo de tradições orais diretas. O que permitiria distinguir uma população de predadores sedentários de uma de agricultores? Como e quando a domesticação das plantas se difundiu nos diversos continentes? Quanto a isso, unicamente a arqueologia e os métodos paleobotânicos podem dar uma resposta válida a tais questões importantes, relativas a essa inestimável herança neolítica que é a agricultura.

Tendo em vista tudo o que foi exposto acima, chega-se a uma conclusão que constitui um avanço metodológico decisivo: um vasto material documental, rico e variado, pode ser obtido a partir das fontes e técnicas baseadas nas ciências exatas e nas ciências naturais. Todos os caminhos que se abrem estão doravante entrelaçados. Todavia, seu aparato de pesquisa e de crítica se enriquece sobretudo com a contribuição das outras ciências humanas e sociais: egiptologia, linguística, tradição oral, ciências econômicas e políticas.

Até hoje a egiptologia permanece uma fonte insuficientemente utilizada pela história da África. A egiptologia compreende a arqueologia histórica e a decifração dos textos. Nos dois casos, o conhecimento da língua egípcia é um pré-requisito indispensável.

O problema da difusão da escrita egípcia na África negra amplia ainda mais o aparato metodológico do historiador. Assim, permanece grande a possibilidade de ver nascer e se desenvolver uma epigrafia e uma paleografia absolutamente desconhecidas até aqui e cujo objeto será o estudo rigoroso das relações mútuas entre as famílias escriturais da África negra. Existe aí uma nova linha de pesquisa, que não pode deixar indiferente o historiador da África.

Em relação ao parentesco linguístico do egípcio antigo, afirma o relatório final do importante simpósio internacional sobre O Povoamento do Egito Antigo e a Decifração da Escrita Meroítica (Cairo, 28 de janeiro – 3 de fevereiro de 1974): “O egípcio não pode ser isolado do seu contexto africano e o semítico não dá conta de seu surgimento; é legítimo portanto encontrar seus pais ou primos na África” (relatório final, p. 29, 5).

Uma tarefa gigantesca espera o linguista. Também o historiador deverá estar preparado para uma radical mudança de perspectiva quando for desvendada uma macroestrutura cultural comum entre o Egito faraônico e o resto da África negra.

O interesse da linguística histórica reside em detectar, por assim dizer, a amplitude linguística total de diversas línguas aparentemente estranhas umas às outras. Ela fornece informações pertinentes sobre a unidade cultural básica que existe entre os povos linguisticamente unidos, mesmo que tais povos tenham às vezes origens muito diversas e sistemas políticos completamente diferentes. A família “Níger – Congo”, por exemplo, embora não tenha sido ainda bem estabelecida, aponta a existência de laços socioculturais muito antigos entre os povos do oeste atlântico, os povos Mande, Gur e Kwa, os povos situados entre o Benue e o Congo (Zaire), os povos do Adamaua oriental e os Bantu, da África central, oriental e meridional.

Ainda no domínio das ciências humanas e sociais, a contribuição dos sociólogos e cientistas políticos permite redefinir o saber histórico e cultural. Com efeito, os conceitos de “reino”, “nação”, “Estado”, “império”, “democracia”, “feudalismo”, “partido político”, etc., utilizados em outros lugares certamente de maneira adequada, nem sempre são automaticamente aplicáveis à realidade africana.

O que se deve entender, exatamente, por “reino do Kongo”, por exemplo? A palavra “reino” corresponde aqui a um território habitado exclusivamente por homens e mulheres pertencentes a uma mesma etnia. Quando se examina a realidade mais de perto, o “reino do Kongo” resume-se, em definitivo, a uma vasta chefia, isto é, a um sistema de governo que engloba pequenas chefias locais. A expressão “reino do Kongo” não designa, portanto, um Estado governado por um rei, no sentido ocidental.

Dessa forma, as análises dos sociólogos e cientistas políticos podem constituir fontes exploráveis pelo historiador. Os “arquivos” do historiador, na África, variam enormemente em função dos materiais e períodos históricos, e também da curiosidade do próprio historiador.

A prática da história na África torna-se um permanente diálogo interdisciplinar. Novos horizontes se esboçam graças a um esforço teórico inédito. A noção de “fontes cruzadas” exuma, por assim dizer, do subsolo da metodologia geral, uma nova maneira de escrever a história. A elaboração e a articulação da história da África podem, consequentemente, desempenhar um papel exemplar e pioneiro na associação de outras disciplinas à investigação histórica.

Leia a íntegra do texto aqui.

Bibliografia:

OBENGA, T. Fontes e Técnicas Específicas da História da África – Panorama Geral. In: História geral da África, I: Metodologia e pré-história da África. 2.ed – Brasília: UNESCO, 2010.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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