Este é o resumo de Os Homens Fósseis Africanos, capítulo 18 de História Geral da África, organizada pela UNESCO. Boa leitura!
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África, o berço da humanidade
Há boas razões para se acreditar que a África seja o continente onde os hominídeos surgiram pela primeira vez e onde desenvolveram a postura ereta e o bipedismo, elementos decisivos à sua adaptação. Seria interessante comentar as razões pelas quais certas partes, da África são tão ricas em testemunhos pré-históricos. A primeira é a diversidade de habitats. O continente é vasto, estendendo-se acima e abaixo do Equador até as zonas temperadas do norte e do sul. Quando uma determinada área se tornava muito quente ou fria, era possível migrar para ambientes mais apropriados.
A localização desses restos constitui, evidentemente, um problema capital para o paleontólogo mas, também nesse ponto, certos fatores contribuíram para diminuir as dificuldades na África, especialmente na África oriental. Durante o Pleistoceno, em particular na sua última fase, a África oriental passou por um período de movimentos tectônicos associados a uma ruptura da crosta terrestre, hoje chamada Rift Valley. Esses movimentos tectônicos originaram falhas e a erosão que se seguiu expôs as camadas onde se tinham formado fósseis.
Os instrumentos de pedra são mais comuns que os fósseis ósseos, pois que mais duradouros. A pedra não precisa ser rapidamente coberta por sedimentos para que esteja garantida sua preservação. Dessa forma, os arqueólogos puderam reunir grande número de dados sobre a tecnologia primitiva na África, fornecendo muitas informações acerca do aparecimento do homem.
Os testemunhos fósseis de outros grupos de animais que não o homem são, em geral, mais bem conhecidos e comportam material mais completo. São de grande interesse pois permitem tentar a reconstituição do meio ambiente primitivo dos hominídeos durante os primeiros estágios de sua evolução.
Embora os dados disponíveis estejam bastante incompletos, conhecem-se alguns detalhes dessa complexa evolução. Examinaremos os fósseis mais recentes para, a partir deles, chegarmos aos mais antigos.
O homem moderno e o Homo sapiens
O homem atual, que pertence integralmente à espécie Homo sapiens sapiens, é capaz de viver em habitats muito diferentes graças ao desenvolvimento tecnológico. Os requisitos fisiológicos fundamentais são um cérebro complexo e volumoso, mãos livres de qualquer função locomotriz e disponíveis para a manipulação, e o bipedismo permanente. Essas características podem ser considerados os melhores pontos de referência de que dispomos para traçar o caminho percorrido pela nossa espécie ao longo do tempo.
Várias descobertas importantes atestam a presença do Homo sapiens primitivo no continente africano há mais de 100 mil anos. Tudo indica que nossa espécie é tão antiga na África quanto em outras partes do mundo, sendo provável que pesquisas futuras possibilitem datar com precisão o mais remoto vestígio, cuja idade talvez esteja próxima dos 200 mil anos. Embora existam poucos espécimes do Homo sapiens primitivo entre os fósseis, parece razoável supor que essa espécie gozava de ampla difusão tanto na África quanto em outras partes do globo.
O pré‑Homo sapiens
Pelo menos dois gêneros e várias espécies de hominídeos foram identificados entre os fósseis dos últimos 3 milhões de anos. Propomos considerá-los como linhagens evolutivas, uma das quais, representada pelo gênero Homo, pode ser seguida até hoje, sendo que a outra, representada pelo gênero Australopithecus, aparentemente extinguiu-se há cerca de 1 milhão de anos. Para os objetivos deste capítulo, propomos considerar os hominídeos anteriores ao Homo sapiens com base nestas duas linhagens.
Presume-se que essas duas formas, Homo e Australopithecus, habitassem nichos ecológicos diferentes e, embora seu território físico pudesse coincidir, a competição por comida, ao que parece, não era suficiente para que uma forma excluísse a outra. A coexistência dos dois gêneros por um período superior a 1.500.000 de anos é fato comprovado e atesta a distinção entre os dois.
O gênero Homo (pré‑sapiens): Homo erectus
A forma pré-sapiens mais conhecida do gênero Homo é o Homo erectus. Os dados existentes mostram que essa espécie encontrava-se amplamente distribuída na África, ocorrendo também na Ásia e na Europa. Os fragmentos de membros indicam uma postura ereta, adaptação para a marcha e bipedismo com características próximas às do homem moderno. O grau de inteligência pode ser avaliado, muito precariamente, estimando-se o volume da caixa craniana. Calcula-se o volume endocraniano entre 750 cm³ e 1000 cm³ para o Homo erectus, enquanto para o Homo sapiens a média é significativamente superior: 1400 cm³. O Homo erectus fabricava e usava instrumentos de pedra e vivia de caça e coleta nas savanas, na África. Se o Homo erectus é o estágio final de desenvolvimento que levou ao Homo sapiens é fato ainda não comprovado. Os traços mais característicos aparecem no crânio: as arcadas supra-orbitárias proeminentes e espessas, a testa baixa e o formato do occipital.
O gênero Homo (pré‑sapiens): Homo habilis
Os fósseis atribuídos à linhagem Homo, mas anteriores ao Homo erectus, limitam -se à África oriental. Essa espécie intermediária – se ela realmente o é – poderia ser chamada Homo habilis.
As principais características do Homo habilis seriam cérebro relativamente desenvolvido (podendo a capacidade craniana exceder 750 cm³), crânio de ossos relativamente pouco espessos com abóbada alta, constrição pós-orbitária reduzida. Os incisivos são relativamente grandes, os molares e pré-molares mais reduzidos, e a mandíbula apresenta um contraforte externo. Os elementos do esqueleto pós-craniano têm características morfológicas semelhantes às do homem moderno.
O gênero Australopithecus
Há suficientes evidências para que se possam definir duas espécies desse gênero. A mais evidente, Australopithecus boisei, é bem típica, apresentando mandíbulas maciças, molares e pré-molares grandes em relação aos caninos e incisivos, capacidade craniana inferior a 550 cm3; o dimorfismo sexual revela-se por características externas do crânio, tais como cristas sagitais e occipitais acentuadas nos indivíduos do sexo masculino. Os elementos conhecidos do esqueleto pós-craniano – fêmur, úmero e astrágalo – são, igualmente, característicos.
Essa espécie distribuía-se por ampla área, tendo sido encontrada em Chesowanja, Peninj e na garganta de Olduvai, situada na porção meridional do Rift Valley do leste africano. Entretanto, não se pode afirmar com certeza que o A. boisei constituía uma espécie; talvez venha a ser classificado como subespécie regional da forma sul-africana do A. robustus. Parece preferível, no momento, mantermos a hipótese da existência de duas espécies robustas aparentadas mas geograficamente separadas.
Utensílios e habitações
A maior quantidade de restos de utensílios e de sítios de habitação provém do lago Turkana (Quênia), de Melka Konturé (Etiópia) e da garganta de Olduvai (Tanzânia). Podem-se fazer algumas inferências sobre a organização social (tamanho do grupo) e hábitos de caça, com base no material encontrado nesses sítios. Em Olduvai, descobriram -se restos de uma estrutura de pedra – talvez a base de uma cabana circular – datados muito provavelmente de 1.800.000 anos. Em Melka Konturé, foi descoberta uma plataforma elevada, também circular. É difícil situar com precisão o início das habilidades técnicas dos hominídeos; pode-se, quando muito, sugerir que tenha aparecido durante o Pleistoceno. Durante o Pleistoceno Inferior, por volta de 1.600.000 anos atrás, apareceram instrumentos bifaces rudimentares. Até recentemente, as mais antigas indústrias líticas encontradas na Europa eram as de bifaces. Indústrias líticas raramente se encontram associadas a restos de hominídeos primitivos.
Bibliografia:
LEAKEY, Richard Erskine Frere. Os Homens Fósseis Africanos. In: História geral da África, I: Metodologia e pré-história da África. 2.ed – Brasília: UNESCO, 2010.