Resumo de Era dos Extremos – Fim do Socialismo (capítulo 16). Boa leitura!
I
O comunismo chinês não pode ser encarado simplesmente como parte do sistema de satélites soviético. A China formara uma unidade política única provavelmente por um período de no mínimo 2 mil anos. Durante a maior parte desses dois milênios o império chinês havia considerado a China o centro e modelo da civilização mundial. Com raras exceções, todos os demais países onde triunfaram regimes comunistas, da URSS em diante, eram e viam-se como culturalmente atrasados e marginais, em relação a algum centro avançado e paradigmático de civilização.
O comunismo chinês, portanto, era ao mesmo tempo social e, se assim se pode dizer, nacional. O explosivo social que alimentou a revolução comunista foi a extraordinária pobreza e opressão do povo chinês, inicialmente das massas trabalhadoras nas grandes cidades costeiras do centro e do sul da China e, depois, do campesinato, que formava 90% da vasta população do país.
O elemento nacional no comunismo chinês operava tanto através dos intelectuais de origem nas classes alta e média, que proporcionaram a maior parte da liderança de todos os movimentos políticos chineses do século XX, quanto através do sentimento de que os bárbaros estrangeiros não representavam nada de bom para a China como um todo. A resistência à conquista japonesa da China foi o que transformou os comunistas chineses de uma derrotada força de agitadores sociais, o que eram em meados da década de 1930, nos líderes e representantes de todo o povo chinês. O fato de que também exigiam a libertação social dos pobres chineses fazia seu apelo de libertação e regeneração nacionais soar mais convincente para as massas (sobretudo rurais).
Quando tomaram a China, em 1949, os comunistas eram para todos o governo legítimo da China. E foram tanto mais aceitos como tais porque, com sua experiência de partido marxista-leninista, puderam forjar uma organização disciplinada nacional capaz de levar a política do governo do centro até as mais remotas aldeias do gigantesco país.
Contudo, muito em breve a nova República Popular, sob o agora incontestado e incontestável Mao, começou a entrar em duas décadas de catástrofes em grande parte arbitrárias. Concorda-se em geral que esses mergulhos cataclísmicos se deveram, em grande parte, ao próprio Mao, cujas políticas eram muitas vezes recebidas com relutância na liderança do partido, e às vezes com franca oposição, que ele só superou lançando a Revolução Cultural. Mao, em 1965, com apoio militar, lançou um movimento anárquico de jovens “Guardas Vermelhos” contra a liderança do partido que o pusera discretamente de lado, e contra os intelectuais de todo tipo. O maoísmo não sobreviveu à sua morte, em 1976. O novo curso, sob o pragmático Deng Xiaoping, começou imediatamente.
II
O novo curso de Deng na China foi o mais franco reconhecimento público de que eram necessárias mudanças dramáticas na estrutura do “socialismo realmente existente”. A diminuição no ritmo da economia soviética era palpável.
Os anos Brejnev iriam ser chamados pelos reformadores de “era da estagnação”, essencialmente porque o regime parara de tentar fazer qualquer coisa séria em relação a uma economia em visível declínio. Comprar trigo no mercado mundial era mais fácil que tentar resolver a aparentemente crescente incapacidade da agricultura soviética de alimentar o povo da URSS. Lubrificar o enferrujado motor da economia com um sistema universal e onipresente de suborno e corrupção era mais fácil que limpá-lo e ressintonizá-lo, quanto mais substituí-lo. A curto prazo, parecia mais importante manter o descontentamento dentro de limites.
Em princípios da década de 1980, a Europa Oriental se achava numa aguda crise de energia. Isso por sua vez produziu escassez de alimentos e bens manufaturados. Essa foi a situação em que o “socialismo realmente existente” na Europa entrou no que revelou ser sua década final.
III
Em 1985, um reformador apaixonado, Mikhail Gorbachev, chegou ao poder como secretário-geral do Partido Comunista soviético. Os objetivos dos reformadores econômicos comunistas desde a década de 1950 eram tornar as economias de comando centralmente planejadas mais racionais e flexíveis, com a introdução do sistema de preços de mercado e cálculos de lucro e perda nas empresas.
IV
Gorbachev lançou sua campanha para transformar o socialismo soviético com os slogans perestroika, ou reestruturação (da estrutura econômica e política), e glasnost, ou liberdade de informação.
Entre eles havia o que se revelou um conflito insolúvel. A única coisa que fazia o sistema soviético funcionar era a estrutura de comando do partido/Estado herdada dos dias stalinistas. Por outro lado, se não se quer um sistema militar, deve-se cuidar para que haja uma alternativa civil antes de destruí-lo, pois senão a reforma produz não reconstrução, mas colapso. A URSS sob Gorbachev caiu nesse fosso em expansão entre glasnost e perestroika.
A URSS evoluíra cada vez mais para uma descentralização estrutural, seus elementos mantidos juntos basicamente pelas instituições nacionais do partido, exército, forças de segurança e o plano central. Com o fim do Plano e das ordens do partido vindas do centro, não havia economia nacional efetiva, mas uma corrida para a autoproteção e autossuficiência, ou trocas bilaterais. O colapso econômico tornou-se irreversível dentro de uns poucos meses cruciais entre outubro de 1989 e maio de 1990. Quando o movimento por liberalização e democracia se espalhou da URSS para a China, o governo de Beijing decidiu, em meados de 1989, restabelecer sua autoridade da maneira menos ambígua possível. As tropas varreram uma manifestação estudantil de massa da praça principal da capital. O massacre da praça Tienanmen, que horrorizou a opinião pública mundial, deixou o regime chinês em liberdade para continuar com a bem-sucedida política de liberalização econômica sem problemas políticos imediatos. O colapso do comunismo após 1989 se limitou à URSS e aos Estados em sua órbita.
V
Nenhum dos regimes da Europa Oriental foi derrubado. Nenhum, com exceção da Polônia, continha qualquer força interna que constituísse uma séria ameaça a ele, e o fato de que a Polônia continha uma poderosa oposição política na verdade assegurou que o sistema fosse substituído por um processo negociado de acordo e reforma.
VI
Duas observações podem concluir este estudo. A primeira é para notar como se mostrou superficial o domínio do comunismo sobre a enorme área que conquistou mais rapidamente que qualquer outra ideologia desde o islamismo em seu primeiro século. Podem-se sugerir dois motivos para esse fenômeno. O comunismo não se baseava na conversão em massa, mas era uma fé de quadros ou (nos termos de Lenin) “vanguardas”. Por outro lado, todos os partidos comunistas governantes eram, por opção e definição, elites de minorias. A aceitação do comunismo pelas “massas” dependia de como julgavam o que a vida sob regimes comunistas fazia por elas, e como comparavam sua situação com a de outros. Assim que não foi mais possível isolar essas populações do contato e conhecimento com outros países, seus julgamentos foram céticos.
Com o colapso da URSS, a experiência do “socialismo realmente existente” chegou ao fim. Pois, mesmo onde os regimes comunistas sobreviveram e tiveram êxito, como na China, abandonaram a ideia original de uma economia de propriedade coletiva praticamente operando sem mercado.
A tentativa de construir o socialismo produziu conquistas notáveis — não menos a capacidade de derrotar a Alemanha na Segunda Guerra Mundial —, mas a um custo humano enorme e inteiramente intolerável, e daquilo que acabou se revelando uma economia sem saída e um sistema político em favor do qual nada havia a dizer.
Bibliografia:
HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.