O Abolicionismo: Ilusões até a Independência

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Os abolicionistas, animando os escravos a confiarem no progresso da moralidade social, não lhes incutem uma esperança definida, a prazo certo, de cujo naufrágio possa resultar o desespero que se receia; mas quando o governo, ou quem os escravos supõem ser o governo, afiança ao mundo que emancipação é questão de forma e oportunidade, essa perspectiva de liberdade tem para eles outra realidade e certeza, e nesse caso a desilusão pode ter conseqüências temerosas.

Há a confiança na honra dos “brancos” e na seriedade dos que tudo podem, e por isso semelhante promessa vinda de tão alto é para o escravo como a promessa de alforria que lhe faça o senhor. O que as vítimas da escravidão ignoram é que semelhantes compromissos tomados são formulados de modo a nunca serem exigíveis, e que são tomados porque é preciso, ao mesmo tempo, manter o escravo em cativeiro para não alienar o senhor, e representá-lo como a ponto de ficar livre para encobrir a vergonha do país.

É difícil reproduzir todas as declarações feitas por agentes dos poderes públicos que a emancipação dos escravos no Brasil estava próxima. Algumas dessas declarações, entretanto, ainda estão vivas na memória de todos e bastam para documentar a queixa que fazemos.

A primeira promessa solene de que a escravidão seria um estado provisório, encontra-se na legislação portuguesa do século passado. Por honra de Portugal, o mais eminente dos seus jurisconsultos não admitiu que o direito romano na sua parte mais bárbara e atrasada pudesse ser ressuscitado por um comércio torpe, depois de um tão grande intervalo de tempo como o que separa a escravidão antiga da escravidão dos negros. A sua frase: “Escravos negros são tolerados no Brasil e outros domínios, mas por que direito e com que título, confesso ignorá-lo completamente.” é a repulsa do traficante pelo jurisconsulto. É o vexame da confissão de Melo Freire que dá um vislumbre da dignidade do alvará de 6 de junho de 1755 em que se contém a primeira das promessas solenes feitas à raça negra.

Aquele alvará, estatuindo sobre a liberdade dos índios do Brasil, fez esta exceção significativa: “Desta geral disposição excetuo somente os oriundos de pretas escravas, os quais serão conservados nos domínios dos seus atuais senhores, enquanto eu não der outra providência sobre esta matéria. A providência assim expressamente prometida nunca foi dada. Esse documento é um libelo formidável e que se justifica por si só, mas também reverte com toda a força sobre o rei que denuncia por essa forma a escravidão e a tolera nos seus domínios da América e da África. Para o Brasil, a escravidão era ainda muito boa, para Portugal, porém, era a desonra.

Depois veio o período da agitação pela Independência, desejada pelos escravos; havia, no Brasil, para a raça negra um futuro; nenhum em Portugal. A sociedade da mãe pátria era aristocrática e de todo fechada à cor preta. Daí a conspiração perpétua dos descendentes de escravos pela formação de uma pátria que fosse também sua. Os escravos esperaram e saudaram a Independência como o primeiro passo para a sua alforria.

Uma prova que no espírito não só desses infelizes como também no dos inimigos da Independência, a idéia estava associada com a de emancipação, é o documento dirigido ao povo de Pernambuco, depois da Revolução de 1817, pelo governo provisório:

“Patriotas pernambucanos! A suspeita tem se insinuado nos proprietários rurais: eles crêem que a benéfica tendência da presente liberal revolução tem por fim a emancipação indistinta dos homens de cor e escravos. O governo lhes perdoa uma suspeita que o honra.”

Os revolucionários de Pernambuco compreenderam a incoerência de um movimento nacional republicano que se estreava reconhecendo a propriedade do homem sobre o homem.

Isso dava-se no Norte. Que no Sul a causa da Independência esteve intimamente associada com a da emancipação, prova-a a atitude da Constituinte e de José Bonifácio. Aquela inscreveu o dever da assembléia de criar estabelecimentos para a “emancipação lenta dos negros e sua educação religiosa e industrial”. A Constituição do Império não contém semelhante artigo. Os autores desta última entenderam não dever nodoar o foral da emancipação política do país, aludindo à existência da escravidão. Por isso os organizadores da Constituição não quiseram deturpar a sua obra descobrindo-lhes os alicerces.

O projeto para o abolicionismo atual é insuficiente, apesar de que muitas das suas providências seriam ainda hoje um progresso humanitário em nossa lei; mas se houvesse sido adotado naquela época, e sobretudo se o “patriarca da Independência” houvesse podido insuflar nos nossos estadistas desde então o espírito de liberdade e justiça que o animava, a escravidão teria por certo desaparecido do Brasil há mais de meio século.

Sem a emancipação dos atuais cativos nunca o Brasil firmará sua independência nacional e segurará e defenderá a sua liberal constituição. Sem liberdade individual não pode haver civilização, nem sólida riqueza; não pode haver moralidade e justiça.

Essa promoção espontânea e apaixonada dos direitos dos escravos pelo mais ilustre de todos os brasileiros, teve origem no desejo de completar a sua grande obra, porém não foi de certo estranha a convicção de que a Independência, com o cativeiro perpétuo dos escravos, era um golpe cruel na esperança de que estavam possuídos todos eles. A independência não foi uma promessa formal feita pelos brasileiros aos escravos; não podia porém deixar de ser, e foi, e assim o entenderam os mártires pernambucanos e os Andradas, uma promessa resultante da afinidade nacional, da cumplicidade revolucionária, e da aliança tácita que reunia em torno da mesma bandeira todos os que sonhavam e queriam o Brasil independente por pátria.

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Bibliografia:

NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.

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Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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