A campanha abolicionista é uma luta que tem dois grandes embaraços: o primeiro, estarem as pessoas que queremos salvar nas mãos dos adversários, como reféns; o segundo, o se acharem os senhores, praticamente, à mercê dos escravos.
Os abolicionistas não pedem a emancipação no interesse tão somente do escravo, mas do próprio senhor, e da sociedade toda; não podem querer instilar no coração do oprimido um ódio que ele não sente, e muito menos fazer apelo a paixões que não servem para fermento de uma causa, que é equivalente à reconstituição completa do país.
A propaganda abolicionista não se dirige aos escravos. Seria uma covardia, porque seria expor outros a perigos que o provocador não correria com eles; inépcia, porque todos os fatos dariam como resultado para o escravo a agravação do seu cativeiro; crime, porque seria fazer os inocentes sofrerem pelos culpados; suicídio político, porque a nação inteira, vendo a classe mais poderosa do Estado exposta à vindita bárbara e selvagem, pensaria que a necessidade urgente era salvar a sociedade a todo o custo, e este seria o sinal de morte do abolicionismo.
A escravidão não há de ser suprimida no Brasil por guerra, muito menos por insurreições ou atentados locais. A emancipação há de ser feita por uma lei. É no Parlamento que se há de ganhar, ou perder, a causa da liberdade.
A escravidão é um estado violento de compressão da natureza humana no qual não pode deixar e haver, de vez em quando, uma forte explosão. A escravidão continuamente expõe o senhor ou os seus agentes, e tenta o escravo, à prática de crimes de maior ou menor gravidade. Entretanto, o número de escravos que saem do cativeiro pelo suicídio deve aproximar-se do número dos que se vingam do feitor. Quem pode condenar o suicídio do escravo como covardia ou deserção? A criminalidade entre os escravos resulta da perpetuidade da sua condição. O abolicionismo, concorre para diminuí-la, dando uma esperança à vítima.
Um membro do nosso Parlamento, o sr. Ferreira Viana, lavrou na sessão passada a sua presença condenatória da propaganda abolicionista, dizendo que era perverso quem fazia nascer no coração do infeliz uma esperança que não podia ser realizada.
Essa frase condena por perverso todos os que têm levantado no coração dos oprimidos esperanças irrealizáveis. Para ele, perverso não é quem viola o direito, prostitui o Evangelho, ultraja a pátria, diminui a humanidade: mas sim o que diz ao oprimido “Não desanimes, o teu cativeiro não há de ser perpétuo, o direito há de vencer a força, a natureza humana há de reagir em teu favor”.
Os escravos não precisam soletrar a palavra liberdade para sentir a dureza da sua condição. A consciência neles pode estar adormecida, a esperança morta: ainda eles podem exaltar-se com a posição, a fortuna, o luxo do seu senhor; recusar a alforria que este lhes ofereça, para não terem que se separar da casa onde foram crias. Como pode o abolicionismo que, em toda a sua vasta parte inconsciente, é uma explosão de simpatia e de interesse pela sorte do escravo, azedar a alma deste, quando trezentos anos de escravidão não o conseguiram?
A propaganda abolicionista é dirigida contra uma instituição e não contra pessoas. Atacamos o domínio que exercem e o estado de atraso em que a instituição que representam mantém o país todo, não os proprietários como indivíduos. As seguintes palavras do Manifesto da sociedade brasileira contra a escravidão expressam todo o pensamento abolicionista:
“O futuro dos escravos depende, em grande parte, dos seus senhores; a nossa propaganda não pode, por consequência, tender a criar entre senhores e escravos senão sentimentos de benevolência e solidariedade. Os que, por motivo dela, sujeitarem os seus escravos a tratos piores, são homens que têm em si mesmos a possibilidade de serem bárbaros e não têm a de serem justos”.
Nesse caso, não se teria provado a perversidade da propaganda, mas só a impotência da lei para proteger os escravos, e os extremos de crueldade a que a escravidão pode chegar, como todo o poder que não é limitado por nenhum outro e não sabe conter a si próprio. Em outras palavras, ter-se-ia justificado o abolicionismo no modo mais completo possível.
A não ser essa contingência, cuja responsabilidade não poderia em caso algum caber-nos, a campanha abolicionista só há de concorrer para impedir e diminuir os crimes de que a escravidão foi causa, e que motivaram a lei de segurança de 10 de junho de 1835. Não é aos escravos que falamos, é aos livres: em relação àqueles fizemos nossa divisa das palavras de sir Walter Scott: “Não acordeis o escravo que dorme, ele sonha talvez que é livre”.
Bibliografia
NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.
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