Este é o resumo de Passo atrás, Passo Adiante (1964-1985), terceiro capítulo de Cidadania no Brasil, livro de José Murilo de Carvalho. Boa leitura!
Do ponto de vista que aqui nos interessa, os governos militares podem ser divididos em três fases. A primeira vai de 1964 a 1968 e corresponde ao governo do general Castelo Branco e primeiro ano do governo do general Costa e Silva. Caracteriza-se no início por intensa atividade repressiva seguida de sinais de abrandamento. Na economia, foi um período de combate à inflação, de forte queda no salário mínimo e de pequeno crescimento. No último ano, 1968, a economia retomou os altos índices de crescimento da década de 50.
A segunda fase vai de 1968 a 1974, combinou a repressão política mais violenta já vista no país com índices também jamais vistos de crescimento econômico. O salário mínimo continuou a decrescer.
A terceira fase começa em 1974, com a posse do general Ernesto Geisel, e termina em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves. Caracteriza-se inicialmente pela tentativa do general Geisel de liberalizar o sistema, contra a forte oposição dos órgãos de repressão. As leis de repressão vão sendo aos poucos revogadas e a oposição faz sentir sua voz com força crescente. Na economia, os índices de crescimento chegam a ser negativos.
PASSO ATRÁS: NOVA DITADURA (1964-1974)
Derrubado Goulart, os políticos civis que tinham apoiado o golpe foram surpreendidos pela decisão dos militares de assumir o poder diretamente. O general Castelo Branco foi imposto como o novo presidente da República. Começou, então, a suprimir os principais focos de oposição e a conter a inflação que atingia níveis muito altos.
Os instrumentos legais da repressão foram os “atos institucionais” editados pelos presidentes militares. O Ato Institucional nº 5 foi o que mais fundo atingiu direitos políticos e civis. O Congresso foi fechado, passando o presidente, general Costa e Silva, a governar ditatorialmente. Foi suspenso o habeas corpus para crimes contra a segurança nacional e todos os atos decorrentes do AI-5 foram colocados fora da apreciação judicial. Em 1969 foi promulgada nova Constituição, que incorporava os atos institucionais. A máquina da repressão tornou-se quase autônoma dentro do governo. Dentro de cada Ministério e de cada empresa estatal foram criados órgãos de segurança e informação, em geral dirigidos por militares da reserva.
Para que o quadro dos governos militares esteja completo, é preciso acrescentar alguns pontos responsáveis pela ambiguidade do regime. Durante todo o período, de 1964 a 1985, salvo curtas interrupções, o Congresso permaneceu aberto e em funcionamento. O partido de oposição, Movimento Democrático Brasileiro (MDB), optou por fazer parte do jogo, utilizando a tribuna do Congresso para protestar contra as propostas que agrediam a democracia.
Para manter aberto o Congresso, os militares conservaram as eleições legislativas. Os presidentes eram escolhidos pelos comandos militares.
Mais estranho do que haver eleições foi o fato de ter o eleitorado crescido sistematicamente durante os governos militares. Em 1960, a parcela da população que votava era de 18%; em 1986, era de 47%, um crescimento impressionante de 161%.
Crescimento econômico
A complexidade do período militar não para por aí. Após o golpe, a taxa de crescimento manteve-se baixa até 1967. Mas a partir de 1968, ano em que a repressão se tornou mais violenta, ela subiu rapidamente e ultrapassou a do período de Kubitschek, mantendo-se em torno de 10% até 1976, com um máximo de 13,6% em 1973, em pleno governo Médici. Foi a época em que se falou no “milagre” econômico brasileiro. O crescimento rápido beneficiou de maneira muito desigual os vários setores da população. Em 1960 os 10% mais ricos ganhavam 39,6% da renda, ao passo que em 1980 sua participação subira para 50,9%.
A rápida expansão da economia veio acompanhada de grandes transformações na demografia e na composição da oferta de empregos. Houve grande deslocamento de população do campo para as cidades. Houve enorme crescimento da população empregada, que passou de 22,7 milhões em 1960 para 42,3 milhões em 1980, quase o dobro. Particularmente dramático foi o aumento do número de mulheres no mercado de trabalho. Isso fazia com que, apesar da queda no valor do salário mínimo, que em 1974 era quase a metade do que valia em 1960, a renda familiar se mantivesse estável.
NOVAMENTE OS DIREITOS SOCIAIS
Ao mesmo tempo em que cerceavam os direitos políticos e civis, os governos militares investiam na expansão dos direitos sociais.
Em 1966 foi afinal criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que acabava com os IAPs e unificava o sistema, com exceção do funcionalismo público, civil e militar, que ainda conservava seus próprios institutos. O objetivo da universalização da previdência também foi atingido. Em 1971 foi criado o Fundo de Assistência Rural (Funrural), que efetivamente incluía os trabalhadores rurais na previdência. As duas únicas categorias ainda excluídas da previdência – empregadas domésticas e trabalhadores autônomos – foram incorporadas em 1972 e 1973, respectivamente. Agora ficavam de fora apenas os que não tinham relação formal de emprego.
A avaliação dos governos militares, sob o ponto de vista da cidadania, tem, assim, que levar em conta a manutenção do direito do voto combinada com o esvaziamento de seu sentido e a expansão dos direitos sociais em momento de restrição de direitos civis e políticos.
PASSO ADIANTE: VOLTAM OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS (1974-1985)
Em 1974, o general Ernesto Geisel deu indicações de que estava disposto a promover um lento retorno à democracia.
A iniciativa do governo
A abertura começou em 1974, quando o general Geisel permitiu propaganda eleitoral mais livre para as eleições legislativas desse ano. Em 1978, o Congresso votou o fim do AI-5, o fim da censura prévia no rádio e na televisão, e o restabelecimento do habeas corpus para crimes políticos. O governo ainda atenuou a Lei de Segurança Nacional e permitiu o regresso de 120 exilados políticos. Em 1979, já no governo do general Joao Batista de Figueiredo, o Congresso votou uma lei de anistia, havia muito exigida pela oposição. A lei estendia a anistia aos dois lados, isto é, aos acusados de crime contra a segurança nacional e aos agentes de segurança que tinham prendido, torturado e matado muitos dos acusados. Mas ela devolveu os direitos políticos aos que os tinham perdido e ajudou a renovar a luta política.
Ainda em 1979, foi abolido o bipartidarismo forçado. Eleições diretas para governadores de estados foram realizadas em 1982, junto com as eleições para o Congresso. A oposição ganhou em nove dos 22 estados e conseguiu maioria na Câmara dos Deputados. Como ato final da transição, os militares se abstiveram de impor um general como candidato à sucessão presidencial de 1985, embora tivessem mantido a eleição indireta. Chegara ao fim o período de governos militares.
UM BALANÇO DO PERÍODO MILITAR
Os avanços nos direitos sociais e a retomada dos direitos políticos não resultaram em avanços dos direitos civis. Pelo contrário, foram eles os que mais sofreram durante os governos militares. Como consequência da abertura, esses direitos foram restituídos, mas continuaram beneficiando apenas parcela reduzida da população, os mais ricos e os mais educados. A maioria continuou fora do alcance da proteção das leis e dos tribunais. A forte urbanização levou a formação de metrópoles com grande concentração de populações marginalizadas. Essas populações eram privadas de serviços urbanos e também de serviços de segurança e de justiça.
A precariedade dos direitos civis lançava sombras ameaçadoras sobre o futuro da cidadania, que, de outro modo, parecia risonho ao final dos governos militares.
Bibliografia:
CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil – o longo caminho. 11ª ed. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2008.