Resumo de Bases Institucionais do Presidencialismo de Coalizão, artigo de Argelina Cheibub Figueiredo e Fernando Limongi para a revista Lua Nova. Boa leitura!
O longo processo de redemocratização vivido pelo Brasil foi acompanhado de intenso debate institucional. Para muitos analistas, a consolidação da democracia em gestação pediria a rejeição da estrutura institucional que presidira a malsucedida experiência democrática anterior, criada em 1946.
O presidencialismo deveria ser preterido em função de sua tendência a gerar conflitos institucionais insolúveis, enquanto a legislação partidária deveria ser alterada com vistas à obtenção de um sistema partidário com menor número de partidos com um mínimo de disciplina.
No entanto, na Carta de 1988, dois pontos relativos ao diagnóstico resumido acima foram alterados. Em primeiro lugar, os poderes legislativos do presidente da República foram imensamente ampliados. Da mesma forma, os recursos legislativos à disposição dos líderes partidários para comandar suas bancadas foram ampliados pelos regimentos internos das casas legislativas. No período pós-Constituinte, a taxa de aprovação das matérias introduzidas pelo Executivo foi elevada e, ademais, contou com apoio político estruturado em linhas partidárias. Como explicar o padrão observado?
As análises encontradas na literatura comparada e aquelas sobre o sistema político nacional param às portas da primeira sessão legislativa. As instituições que regulam o processo decisório no Legislativo são ignoradas. Os poderes legislativos do presidente não são considerados e, da mesma forma, a estruturação dos trabalhos legislativos é deixada de lado.
Pode ser verdade que a legislação eleitoral brasileira contenha fortes incentivos para que os políticos cultivem o voto pessoal em detrimento do voto partidário. No entanto, os trabalhos legislativos no Brasil são altamente centralizados e se encontram ancorados na ação dos partidos. Este capítulo tem por objetivo demonstrar a interdependência entre a preponderância legislativa do Executivo, o padrão centralizado de trabalhos legislativos e a disciplina partidária.
Os efeitos dos poderes legislativos presidenciais determinam o poder de agenda do chefe do Executivo, entendendo-se por agenda a capacidade de determinar não só que propostas serão consideradas pelo Congresso, mas também quando o serão. Maior poder de agenda implica a capacidade do Executivo de influir diretamente nos trabalhos legislativos e assim induzir os parlamentares à cooperação.
A Constituição brasileira de 1988, por exemplo, confere iniciativa exclusiva ao presidente em matérias orçamentárias e veda emendas parlamentares que impliquem a ampliação dos gastos previstos. Ao definir o montante dos gastos, o presidente limita a ação possível dos parlamentares. O Executivo pode retardar o envio da proposta orçamentária com o objetivo de limitar o tempo disponível para a apreciação da matéria pelo Legislativo.
O presidente brasileiro também tem o poder de solicitar urgência para apreciação de matéria por ele apresentada, o que significa um prazo máximo de 45 dias para apreciação da matéria em cada uma das casas, o que impede que minorias possam “engavetar” as propostas presidenciais.
O art. 62 da Constituição brasileira prevê a possibilidade de o presidente editar medidas provisórias em casos de relevância e urgência. Por surtir efeito no ato de sua edição, o recurso a MPs é uma arma poderosa nas mãos do Executivo. Dado o custo de rejeição de uma MP, os parlamentares podem julgar preferível aprová-la, tendo em vista os efeitos já produzidos durante sua vigência. As medidas provisórias afetam a estrutura de preferências dos parlamentares, induzindo-os a cooperar.
Segundo a literatura relevante, o quadro institucional brasileiro não favorece quer a disciplina partidária, quer a redução do número de partidos.
Do ponto de vista empírico, demonstramos que há disciplina partidária na Câmara dos Deputados. Para uma votação qualquer na CD, a probabilidade de um parlamentar votar com a liderança de seu partido é de 0,894. Isto é, sabendo-se qual a posição assumida pelos líderes, podemos prever com acerto o resultado da votação em 93,7% dos casos.
Expliquemos por que se verifica tão alta disciplina partidária quando a literatura nos faz supor que ela seria inexistente. Os regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado conferem amplos poderes aos líderes partidários para agir em nome dos interesses de seus partidos. Os regimentos internos consagram um padrão decisório centralizado onde o que conta são os partidos.
Os líderes, em questões de procedimento, representam suas bancadas. A distribuição interna do poder em ambas as casas é feita de acordo com princípios de proporcionalidade partidária, como é o caso do centro de poder no Legislativo: a Mesa Diretora, cujos cargos são distribuídos pelos partidos de acordo com a força de suas bancadas. Da mesma forma, a composição das comissões técnicas obedece ao princípio da proporcionalidade partidária, e a distribuição dos parlamentares pelas comissões é feita pelos líderes partidários.
No caso da CD, a composição da ordem do dia, isto é, a definição da pauta dos trabalhos, é feita conjuntamente pelo presidente da Mesa e os líderes. Isso implica seu inverso: tomados individualmente, os parlamentares têm escassa capacidade de influenciar o curso dos trabalhos legislativos. A ação dos líderes direciona os trabalhos legislativos para o plenário, que assim se constitui no principal locus decisório. Isso ocorre pela intervenção dos líderes, que, por intermédio da aprovação do requerimento de urgência, retiram as matérias das comissões e as enviam diretamente à apreciação do plenário. Além de alterar o ritmo da tramitação da matéria, a aprovação do requerimento de urgência limita a capacidade dos próprios parlamentares de apresentar emendas ao projeto. Assim, a indisciplina partidária também encontra pequeno espaço para se manifestar.
Os líderes partidários no Brasil dispõem de importantes poderes de agenda e por meio destes preservam e garantem a unidade do partido. Os membros de um mesmo partido têm preferências políticas similares e relativamente bem definidas, portanto os líderes partidários têm opiniões políticas e interesses comuns a representar. Se os partidos fossem os agrupamentos caóticos ditados pelas conveniências eleitorais do momento, revoltas de bancada deveriam ser comuns. Mas não são.
Portanto, está claro que os parlamentares não podem agir como franco-atiradores. Para serem levados a sério nas barganhas políticas, os parlamentares precisam agir como membros de um grupo. Se os pleitos forem atendidos, o grupo deverá ser capaz de dar os votos prometidos. Se não forem atendidos, todos deverão ser capazes de negar apoio ao governo.
O papel desempenhado pelos líderes é justamente representar os interesses do partido junto ao Executivo e os do Executivo junto ao partido. Para os parlamentares, é racional seguir a linha de seu líder e votar com o partido. Agir de maneira indisciplinada pode ter altos custos.
Essa nossa concepção questiona o tratamento radicalmente distinto que se costuma dar ao funcionamento de governos de coalizão em regimes parlamentaristas e presidencialistas. É pacífico que o controle do Executivo sobre a agenda constitui um traço crucial do sistema parlamentarista. Mas esse mesmo controle é possível em sistemas presidencialistas e, mais importante ainda, produz efeitos semelhantes àqueles verificados em sistemas parlamentaristas.
Obviamente, o governo não tem apoio pleno e incondicional de suas bases partidárias. Porém, o governo não encontra no Congresso um obstáculo intransponível à implementação de sua agenda.
Por essa razão, o diagnóstico da paralisia decisória, aplicado à democracia de 1946, dificilmente se adequaria à atual situação. Portanto, o funcionamento de governos de coalizão no sistema presidencialista pode ser mais bem compreendido comparando-se as experiências democráticas recentes.
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Bibliografia:
FIGUEIREDO, Argelina Cheibub e LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro, Ed. FGV, 1999.