Uma Espiral Elitista de Afirmação Corporativa: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo como Arena Local Para as Reformas do Sistema de Justiça

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Resumo de Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo como Arena Local Para as Reformas do Sistema de Justiça, Capítulo 2 de Uma Espiral Elitista de Afirmação Corporativa de Luciana Zaffalon. Boa leitura!

Esta etapa da pesquisa analisa as reformas legais direcionadas ao Sistema de Justiça paulista, levadas a cabo por meio da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo entre janeiro de 2011 e junho de 2016.

2.1. Levantamento e análise geral de dados

404 documentos foram catalogados a partir das informações sintéticas disponibilizadas no sítio eletrônico da ALESP. Foi possível criar sete categorias para agrupamento das proposições. Duas categorias importam especialmente a este estudo, a organização do Sistema de Justiça e a categoria “remuneratório e/ou vantagens”.

2.2. Autoria dos projetos

Retomando o total de propostas do período (404), observamos que sete autores foram responsáveis pela apresentação de 32% das proposituras (128 projetos). O governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB) e o deputado Carlos Giannazi (PSOL) apresentaram 32 e 33 projetos, respectivamente. Quando consideramos a taxa de aproveitamento dos projetos desses sete autores mais recorrentes, o governador do Estado assume destacada diferença frente aos demais, com 91% de suas propostas aprovadas. É seguido pelos deputados do mesmo partido (PSDB) Mauro Bragato, que obteve aprovação de 36% de suas propostas, e Fernando Capez, com 23% de aprovação.

2.3. Regime de tramitação

O artigo 219 do Regimento Interno da ALESP trata dos regimes de tramitação existentes. A urgência, que pode ser reconhecida pelo plenário “ante necessidade imprevista em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública” (ALESP), restringe as oportunidades de debate ou aprofundamento. Ela corta pela metade os tempos de debate e reduz o prazo para redação final de dez dias para um dia.

A despeito de as propostas apresentadas pelo PSDB representarem 26% do total, representaram 44% dos projetos submetidos ao regime de urgência e 52% dos projetos aprovados. O governador do Estado obteve 70% das aprovações alcançadas pelo partido. Quando considerado isoladamente, Geraldo Alckmin observou 78% do total de suas propostas em regime de tramitação de urgência.

O governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB), foi responsável por 8% do total de projetos, aproximando-se do total de propostas dos três partidos que concentraram o segundo, terceiro e quarto maior número de proposituras (DEM, PSOL e PT, com 9,7%, 9,4% e 8,2%, respectivamente).

2.4. Reformas do Sistema de Justiça: análise de dados específicos desta categoria

Passando à análise dos casos que implicaram reforma judicial no período, lembramos que se na categoria “organização do Sistema de Justiça” as instituições judiciais concentraram 59% das propostas (Tribunal de Justiça com 41% e Ministério Público com e 18%), na categoria “remuneratório e/ou vantagens” o PSDB concentrou 48% das propostas.

2.5. Para além das categorias – uma espiral elitista de afirmação corporativa e institucional

Trinta e duas propostas de reformas foram efetivamente convertidas em normas e ao menos 22 implicaram repercussão pecuniária, o que representou 69% do total.

Por exemplo: as Leis Complementares nº 1.141/2011 e nº 1.221/2013 aumentaram o valor dos vencimentos do defensor-geral de R$ 14.850,00 para R$ 18.725,00 em 2011 e deste valor para R$ 23.039,00 em 2014. As alterações alcançam todos os membros da carreira, que têm suas faixas de vencimentos fixadas a partir do valor estabelecido para o chefe da instituição. Com relação a essas reformas, destacamos ainda que, apesar de o primeiro aumento ter sido publicado em 22/06/2011, a lei foi aprovada com efeitos retroativos, valendo a partir de 1º de abril do mesmo ano, o que permitiu aos defensores receber reajustes acumulados, como se fossem atrasados. O projeto que deu origem a esse aumento foi apresentado em 06/05/2011, mais de um mês depois da data a que retroagiram seus efeitos. Dentre as reformas analisadas, 16% do total retrocediam os efeitos dos aumentos remuneratórios no tempo, para antes da data da propositura dos projetos que lhes deram origem.

Outro elemento de destaque na análise das leis aprovadas refere-se à possibilidade de suplementação orçamentária para custeio da reforma implementada. Em 47% dos casos verificamos a inclusão de artigo de lei destinado a garantir a possibilidade de complementação do orçamento para tanto.

A possibilidade de suplementação orçamentária para custeio das novas despesas ganha relevo quando consideramos que 21% do total de créditos adicionais do Estado foram destinados ao Poder Judiciário no ano de 2015. Apenas ao Poder Executivo foram dirigidos valores complementares maiores no mesmo período.

As instituições judiciais não podem realizar despesas ou assumir obrigações que extrapolem os limites da Lei de Diretrizes Orçamentárias, exceto mediante abertura de créditos suplementares. A previsão volta-se à garantia de apreciação das propostas de suplementação orçamentária pela Assembleia Legislativa.

A prática observada no período abarcado por esta pesquisa é a de a ALESP transferir para o governador o poder de, sem embaraço, dispor sobre as suplementações. As suplementações orçamentárias são, ao fim e ao cabo, concretizadas por meio de decretos do governador do Estado, referenciando as autorizações concedidas pelas respectivas Leis Orçamentárias de cada ano. Destacamos o déficit democrático gerado a partir de uma rotina de tomadas de decisões orçamentárias sedimentada em negociações mantidas apenas entre o Poder Executivo e as instituições de justiça.

No período abarcado pela pesquisa, a presidência da Assembleia Legislativa foi assumida por três deputados, todos do PSDB. Barros Munhoz foi eleito para mandato bienal em 15/03/2009 e reeleito em 15/03/2011, Samuel Moreira foi eleito em 15/03/2013 e em 15/03/2015 Fernando Capez foi eleito presidente da casa para o biênio 2015-2017. Fernando Capez integra os quadros do Ministério Público do Estado de São Paulo desde 1988, tendo se tornado deputado estadual em 2006.

No período abarcado por esta pesquisa, a Defensoria Pública percebeu cinco grandes reformas: aumentos remuneratórios no patamar de 30% para membros e de 30% para servidores, criação de 400 cargos de defensor público e mais de 500 de servidores. A instituição concentrou 60% dos casos em que os efeitos remuneratórios retrocederam ao período anterior ao da propositura dos projetos convertidos em lei.

A inserção da Defensoria nas disputas políticas merece atenção, sobretudo diante do histórico de criação da instituição, forjada no seio dos movimentos sociais pela democratização da justiça. As duas gestões da Defensoria Pública observadas pelo estudo destacaram em seus relatórios finais a priorização desse campo de ação. A agenda política ultrapassa o âmbito legislativo, sendo adotada na relação cotidiana mantida também com o chefe do Poder Executivo.

A partir dos resultados observados nessa etapa da pesquisa, concluímos que também no âmbito local confirmou-se a proposição Hirschl: o momento, a extensão e a natureza das reformas judiciais são determinadas por uma interação estratégica entre elites políticas hegemônicas e lideranças jurídicas (2004).

As dinâmicas estabelecidas no âmbito do legislativo estadual afastam a conformação da justiça paulista do campo contra-hegemônico (SANTOS, 2011). Considerando a forma como as instituições de justiça exerceram sua autonomia para apresentar projetos legislativos e considerando a magnitude das atribuições inerentes ao Sistema de Justiça, concluímos não ser possível afirmar que a autonomia das instituições judiciais necessariamente protege a democracia e promove a separação da justiça dos interesses específicos da política convencional.

Clique aqui para ler a íntegra do texto.

Bibliografia:

Cardoso, Luciana Zaffalon Leme. Uma espiral elitista de afirmação corporativa: blindagens e criminalizações a partir do imbricamento das disputas do Sistema de Justiça paulista com as disputas da política convencional. Luciana Zaffalon Leme Cardoso. 2017. 336 f. Tese (doutorado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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