Resumo de Insucessos da Democracia: Orçamentos, Práticas Remuneratórias e Créditos Adicionais das Instituições de Justiça, Capítulo 3 de Uma Espiral Elitista de Afirmação Corporativa de Luciana Zaffalon. Boa leitura!
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Analisamos aqui as práticas remuneratórias das instituições de justiça, buscando identificar os potenciais gargalos democráticos decorrentes das disputas orçamentárias travadas pelo Tribunal de Justiça, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública de São Paulo.
Notamos um déficit democrático no estabelecimento de rotinas de tomadas de decisões orçamentárias, sedimentadas em negociações mantidas apenas entre Executivo e Sistema de Justiça, orientadas por critérios desconhecidos. A dinâmica de transferir a atribuição da ALESP de deliberar sobre o orçamento para o Executivo isola as tomadas de decisão sobre a distribuição de recursos.
3.1. (In)transparências e os desafios democráticos do desejado governo do público em público
A forma de publicização das informações financeiras das instituições de justiça se impôs como um desafio à análise pretendida. A transparência deve incorporar a “inferabilidade” (capacidade de se fazer inferências). Ainda, “a forma mais efetiva de se concretizar a transparência é publicar as informações em formatos abertos e legíveis por máquinas” (Ministério da Justiça, 2013, p. 11).
3.2. Ministério Público do Estado de São Paulo
O Ministério Público foi a única dentre as três instituições de justiça a disponibilizar ativamente os dados buscados por essa pesquisa de maneira facilmente localizável e em formato aberto.
Os dados foram consolidados, indicando: i) remuneração; ii) vantagens; iii) abonos; iv) indenizações; v) outras indenizações; e vi) outros adicionais. Verificamos que 1.860 das 1.920 matrículas que constituíram o universo da análise registraram rendimentos mensais médios acima do teto constitucional em vigor no ano de 2015, de R$ 33.763,00. O rendimento médio mensal dos membros da carreira do Ministério Público em 2015 foi de R$ 46.036,30, sem contabilizar 13º salário e férias.
3.3. Defensoria Pública do Estado de São Paulo
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo disponibiliza os dados sobre a remuneração mensal de seus membros no portal da transparência da instituição. Apesar do fácil acesso às informações buscadas, os dados não estão bem disponibilizados. As tabelas são apresentadas em formato PDF, tendo sido necessário converter cada um dos 13 arquivos consolidados na pesquisa.
Os dados foram consolidados, indicando: i) total bruto; ii) abono permanente; e iii) outras indenizações. O rendimento mensal médio observado a partir dos itens considerados foi de R$ 26.980,00, sem contabilizar as férias e o 13º salário. Doze dos 716 registros apresentaram rendimentos mensais médios acima do teto constitucional em vigor no ano de 2015, de R$ 33.763,00150.
3.4. Magistratura paulista
No portal do Tribunal de Justiça, o conteúdo estava disponibilizado em forma de imagem. O formato não é legível por máquinas, o que é agravado pela extensão dos documentos, que reiteradamente ultrapassam 200 páginas, com dados que não são apresentados em ordem alfabética. Contudo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) anualmente edita a publicação “Justiça em Números” e a edição de 2016, com dados relativos ao ano de 2015, pela primeira vez apresenta os gastos com pessoal desagregando os valores. Com relação à despesa média mensal com magistrados na justiça estadual de São Paulo, o relatório indica o valor de R$ 45.906,00. (CNJ, 2016, p. 92), não sendo possível, contudo, compreender como esses valores são compostos.
3.6. Suplementações orçamentárias – o pires na mão e a influência dos processos de decisão política sobre a independência judicial
Todas as Leis Orçamentárias aprovadas entre 2011 e 2016 continham seção específica que autorizava o Poder Executivo a abrir créditos suplementares durante o respectivo exercício, apesar de a Constituição estadual atribuir à ALESP a apreciação da abertura desses créditos adicionais. Buscamos, então, compreender as dinâmicas implicadas no financiamento suplementar das instituições de justiça no que toca a distribuição dos recursos repassados a elas por meio da abertura de créditos adicionais.
Em 10 de junho de 2015, Renato Nalini, então Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, publicou no jornal O Estado de São Paulo artigo intitulado “Fogo amigo dói mais”, em que apresenta a crise financeira do Poder Judiciário. No dia seguinte, o jornal publicou matéria indicando que a Corte pediria suplementação ao Governo do Estado diante do déficit de ao menos R$ 900 milhões projetado para 2015. A matéria também aponta reunião realizada entre Nalini e o governador Geraldo Alckmin. Registra, ao final, reclamação do presidente do Tribunal sobre a reunião se repetir todos os anos, o que deixa o Tribunal sempre “de pires na mão”, comprometendo a autonomia financeira do Judiciário.
É nesse contexto que, no que se refere ao governador do Estado, se reforça o gargalo democrático da assunção de uma rotina perene de negociações não públicas com o chefe da instituição responsável pela mediação de conflitos, na medida em que o Poder Executivo, entre outras coisas, é tomador exclusivo das decisões sobre os créditos adicionais. Apesar de o Presidente do Tribunal ter dito que havia poucas esperanças de receber os R$ 900 milhões solicitados para 2015, observamos que o Tribunal recebeu em 2015 R$ 180 milhões a mais do que o déficit previsto.
No Jornal da Cultura em 16 de outubro de 2014, Renato Nalini, ao opinar sobre os R$ 4.300,00 pagos a título de auxílio moradia para juízes, afirma que o auxílio, em verdade, disfarçava um aumento do subsídio. A declaração que naturaliza os aumentos de subsídios disfarçados em forma de gratificação foi feita poucos meses antes da publicação de artigo assinado pelo mesmo presidente do Tribunal, que tornou pública a crise financeira do Poder Judiciário, especialmente quando cotejamos o contexto com os dados apresentados pelo CNJ na publicação “Justiça em Números” de 2016, que informam que as despesas com recursos humanos representaram 89,6% do total das despesas do TJSP em 2015.
Com relação ao Ministério Público, o total desembolsado pela instituição no ano de 2015 com os complementos remuneratórios (considerando os valores lançados nos contracheques a título de vantagens, abonos, indenizações, outras indenizações e outros adicionais) soma R$ 421.014.854,37. Quando cotejamos esse montante com os valores da suplementação orçamentária recebida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo no mesmo ano, verificamos que a busca por créditos adicionais seria dispensável caso a instituição deixasse de levar a cabo a prática de complementar sua remuneração com outros benefícios. Em verdade, no ano de 2015, sem o pagamento das vantagens, o Ministério Público perceberia a sobra de mais de R$ 204 milhões, ainda que não recebesse qualquer suplementação orçamentária.
Os dados apresentados até aqui tornam difícil refutar a leitura de que a imagem das instituições “com pires na mão”, como ilustrado por Renato Nalini, não seja resultado de escolhas feitas pelo Tribunal de Justiça, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
É frente aos atos de vontade do governador do Estado de São Paulo que o funcionamento aristocrático da justiça local pode-se concretizar, viabilizando a evolução da organização corporativa do poder em detrimento da cidadania.
Seja em razão do protagonismo assumido por Geraldo Alckmin nas reformas legislativas observadas no período, seja em razão da escusa (tornada regra) da Assembleia Legislativa na apreciação da abertura de créditos adicionais, seja na busca por negociações diretas com o governo, Alckmin parece ser o vetor que mais se destaca nas reformas e apetrechamento do Sistema de Justiça no Estado.
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Bibliografia:
Cardoso, Luciana Zaffalon Leme. Uma espiral elitista de afirmação corporativa: blindagens e criminalizações a partir do imbricamento das disputas do Sistema de Justiça paulista com as disputas da política convencional. Luciana Zaffalon Leme Cardoso. 2017. 336 f. Tese (doutorado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo.