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Uma Espiral Elitista de Afirmação Corporativa – Conclusões

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Resumo de Conclusões, Capítulo 6 de Uma Espiral Elitista de Afirmação Corporativa de Luciana Zaffalon. Boa leitura!

A Constituição brasileira de 1988 foi responsável por notável ampliação do rol de direitos vigentes no país. Essa mudança impacta diretamente o Sistema de Justiça, uma vez que a ausência de políticas sociais, ou a execução precária delas, passa a ser tema cada vez mais recorrente de processos judiciais. Impacta também a experiência democrática como um todo, especialmente no que diz respeito à dinâmica entre os poderes constituídos e o atendimento (ou não) das expectativas de ampliação da cidadania.

O estudo teve como ponto de partida o desafio da verificação da politização do Sistema de Justiça, mas concluímos que é possível ir além, indicando que o Poder Judiciário e o Ministério Público do Estado de São Paulo agem politicamente como se partidos políticos fossem. Isto é, representam e protegem uma fração da sociedade.

Diante dos resultados observados, concluímos que a existência de freios e contrapesos é praticamente ausente no Estado de São Paulo, o que se verifica sobretudo frente à repercussão da conjugação de vontades do Poder Executivo e das carreiras jurídicas. Nesse contexto, os benefícios garantidos às carreiras jurídicas servem à salvaguarda da sociedade civil íntima, criam blindagens, garantem proteção diante de poderes concorrentes. De outro lado, às classes populares se reservam apenas as periferias ou a prisão.

Como ponto de partida, este trabalho buscou observar como as instituições de justiça atuaram na esfera legislativa local, levando em conta também o papel desempenhado pelo Poder Executivo nessa arena.

No Capítulo 2 pudemos verificar que os vetores que polarizaram a construção normativa no campo da justiça no período pesquisado foram o partido político PSDB e, como proponente, o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin. Quando olhamos o quadro geral para além dos políticos eleitos, verificamos a destacada atuação do Tribunal de Justiça, que apresentou 10% do total das propostas e concentrou 21% do total de projetos aprovados.

A definição do regime de urgência subverte o padrão de tramitação dos projetos legislativos, restringindo sensivelmente as oportunidades de debate ou aprofundamento. Com relação aos projetos analisados, destacamos que 78% do total de propostas apresentadas por Geraldo Alckmin tramitaram em regime de urgência. O governador teve 91% de suas propostas aprovadas.

Apenas 17% das reformas levadas a cabo no período não acarretaram repercussão pecuniária; 47% das leis aprovadas dispuseram sobre vantagens, tais como auxílios, gratificações bonificações e abonos. Trata-se, diante do quadro geral observado nesta pesquisa, de elementos que demonstram a agenda corporativa como proteção e contrapartida garantidas ao Sistema de Justiça para blindagem da sociedade civil íntima e exclusão da sociedade civil incivil.

Também pudemos concluir que a aplicação local do que Lauris (2013) definiu como “ementário de reformas institucionais dirigidas especialmente a equipar as instituições e promover as carreiras profissionais” confirma os resultados apontados pela autora como “uma espiral elitista de afirmação corporativa e institucional” (p. 137).

A observação da atuação das instituições de justiça no Legislativo, assim como do papel desempenhado pelo Poder Executivo na construção de reformas normativas dirigidas sobretudo ao apetrechamento das instituições e à promoção das carreiras jurídicas, permitiu-nos confirmar o imbricamento das disputas da política convencional com as disputas corporativas e remuneratórias. Tratamos aqui de práticas que significam proteção e contrapartida garantidas ao Sistema de Justiça para blindagem da sociedade civil íntima e exclusão da sociedade civil incivil.

A totalidade de leis aprovadas na categoria aumento de vencimentos com diversas vantagens” e na categoria “orçamento” se voltou ao Judiciário. Trata-se de normativas que foram propostas pelo Tribunal de Justiça. Os projetos propostos pelo TJSP não apenas permitiram o apetrechamento da justiça como fomentaram a rotina de negociações com o Governo do Estado pela abertura de créditos adicionais. Essa dinâmica ganha magnitude quando consideramos que apenas ao Poder Executivo foram dirigidos valores complementares maiores que ao Judiciário no período avaliado.

Destacamos o déficit democrático do estabelecimento de uma rotina de tomadas de decisões orçamentárias sedimentada em negociações mantidas apenas entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário. Como vimos, o Poder Legislativo adota como rotina a prática de transferir integralmente ao governador sua atribuição de dispor sobre os créditos adicionais.

O mesmo se verifica com relação às reformas do Ministério Público, uma vez que 33% das leis voltadas à instituição previram a possibilidade de suplementação orçamentária para custeio das despesas criadas.

Apenas um projeto de lei foi apresentado pela Defensoria no período da pesquisa, o que viabilizou-se após intensa agenda de influência legislativa para “que fosse reconhecido categoricamente o paralelo existente entre a Defensoria e o Tribunal de Justiça” (DPESP, 2014).

Observando o patamar dos créditos adicionais destinados ao Sistema de Justiça, em especial ao Poder Judiciário, ganhou magnitude o déficit democrático verificado no isolamento das tomadas de decisão sobre a distribuição de recursos.

Como vimos, não foi possível desvendar pelos chamados “portais de transparência” a composição dos valores pagos aos membros das carreiras jurídicas, sendo que a compreensão de quais são os fatos geradores dos acréscimos remuneratórios permaneceu um mistério. De toda forma, foi possível aferir que apenas 3,1% da carreira não ultrapassaram o teto constitucional.

Mesmo que tenhamos deixado de considerar os valores recebidos a título de férias e 13o salário em São Paulo, o rendimento médio anual dos membros da Defensoria paulista superaram os valores recebidos pelos membros dos níveis superiores do Ministério Público da Alemanha, de Portugal e da Suécia em valores nominais.

São os atos de vontade do governador do Estado de São Paulo que tornam possível o funcionamento aristocrático da justiça local, viabilizando a evolução da organização corporativa do poder em detrimento da cidadania. Seja em razão do protagonismo assumido por Geraldo Alckmin nas reformas legislativas observadas no período, seja em razão da escusa (tornada regra) da Assembleia Legislativa na apreciação da abertura de créditos adicionais, seja na busca por negociações diretas com o governo, Alckmin parece ser o vetor que mais se destaca nas reformas e apetrechamento do Sistema de Justiça no Estado.

Já no Capítulo 4 nos dedicamos a analisar como os presidentes do Tribunal de Justiça de São Paulo responderam aos pedidos do Governo do Estado. Em síntese, foi possível verificar que, ao analisar os pedidos do Poder Público que buscavam efetivar a aplicação do teto remuneratório verificamos que tanto Ivan Sartori quanto Renato Nalini, em 100% dos casos, decidiram contra o Poder Público, garantindo a não redução das remunerações de servidores públicos ao limite do teto. Por outro lado, entre 1o de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2015, à exceção de um único caso, todos os pedidos do governador para suspender os efeitos das sentenças judiciais que garantiram direitos à dignidade e à saúde de pessoas presas foram atendidos pelos presidentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Também demonstramos, como apresentado no Capítulo 4, que as decisões de Ivan Sartori e Renato Nalini nada tinham de individualizadas. Os textos de suas decisões seguiram explícitos padrões de repetição, indicando a operacionalização de procedimentos de “recorta e cola”.

Diante dos resultados observados e em diálogo com a segunda premissa formulada por Boaventura de Sousa Santos na obra “Para uma revolução democrática da justiça” (2011), concluímos que no Estado de São Paulo o Sistema de Justiça obstaculiza o aprontamento democrático.

Concluímos que o MPSP, assim como o TJSP, atua pela blindagem das elites, obstaculizando o aprofundamento democrático, garantindo que às classes populares sejam destinadas as forças de segurança pública e o sistema prisional. Verifica-se, assim, o exercício das atribuições das instituições como expressão da luta de classes, com atuação de caráter higienista. Ao analisar as contribuições da justiça local para o aprofundamento democrático, concluímos que o Estado de São Paulo leva ao limite o postulado de Boaventura de Sousa Santos que afirma que “vivemos em sociedades politicamente democráticas e socialmente fascistas” (p. 202).

Clique aqui para ler a íntegra do texto.

Bibliografia:

Cardoso, Luciana Zaffalon Leme. Uma espiral elitista de afirmação corporativa: blindagens e criminalizações a partir do imbricamento das disputas do Sistema de Justiça paulista com as disputas da política convencional. Luciana Zaffalon Leme Cardoso. 2017. 336 f. Tese (doutorado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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