Uma Espiral Elitista de Afirmação Corporativa – A Vanguarda Paulista na Consolidação de uma Sociedade Politicamente Democrática e Socialmente Fascista

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Resumo de A Vanguarda Paulista na Consolidação de uma Sociedade Politicamente Democrática e Socialmente Fascista, Capítulo 5 de Uma Espiral Elitista de Afirmação Corporativa de Luciana Zaffalon. Boa leitura!

Nesta última etapa da pesquisa nos voltamos ao papel desempenhado pelo Sistema de Justiça na aplicação das normas para limitar o exercício do poder, impedir arbitrariedades e mitigar a exclusão sofrida pela sociedade civil incivil, em diálogo com os resultados de pesquisas recentemente publicadas acerca do funcionamento do da justiça criminal paulista.

5.1 A promoção da justiça na prática

Analisaremos duas atribuições conferidas pela Constituição cidadã ao Ministério Público. A primeira delas volta-se ao controle da sociedade civil e a segunda, ao controle da atividade policial.

Ao atribuir ao Ministério Público a competência privativa de promover a ação penal pública, a Constituição conferiu ao órgão a condição de “dono da ação penal”. Em outras palavras, a legislação garante ao Ministério Público a soberania da decisão de promover ou não uma ação penal pública, cabendo tão somente aos seus membros, os promotores de justiça, definir a política de controle penal, independentemente inclusive da vontade da vítima.

Sobre o debate que aqui propomos, a recém-defendida tese “‘ENXUGANDO ICEBERGcomo as instituições estatais exercem o controle do crime em São Paulo” (Silvestre, 2016)ressalta que é a preferência das instituições que define quais serão os conflitos processados pela justiça criminal.

Como ponto de partida, voltamo-nos à evolução da população encarcerada no Estado para contextualizar o desempenho do controle social levado a cabo por meio de ações penais.

O encarceramento no Estado passou de 59.026 pessoas presas em 1995, para mais de 230.000 em 2015. Observa-se elevado índice de produção, o que, a partir das diretrizes definidas para a segurança pública, é mais das vezes compreendido como o resultado a ser perseguido. Alcançar objetivos frente à política de segurança do Estado tem significado efetuar prisões.

Sendo a prisão o ponto de chegada e o Ministério Público o “dono da ação penal”, concluímos que a atribuição institucional do MPSP para promover acusações tem sido concretizada com elevado índice de produtividade. Considerando o crescimento da taxa de encarceramento, pode-se também apontar a elevada taxa de sucesso dos pedidos de prisão feitos.

São Paulo concentra 39,6% do total de mulheres presas no país e 36,9% dos presos homens, sendo que 37,02% dos homens estão presos por crimes relacionados a drogas, percentual que sobe para 72,03% no caso das mulheres privadas de liberdade no Estado.

Se a intensificação do aprisionamento nos últimos 20 anos e a queda do número de homicídios dolosos, observada no Estado de São Paulo nos últimos 10 anos, poderiam ser compreendidas como corolários da boa execução da política de segurança proposta, nos falta compreender como tais resultados não se fizeram acompanhar da redução do número de mortes decorrentes de intervenção policial, como nos mostra o Boletim Sou da Paz Analisa (2016). A publicação, que toma em conta os dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública relativos a mortes ligadas à ação de policiais civis e militares em serviço, chama a atenção para o fato desses terem sido responsáveis por 607 mortes em 2015, segundo maior número observado em 10 anos, atrás apenas de 2014.

Em fevereiro de 2016, a defensora Pública Daniela Skromov, então Coordenadora do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos (NCDH) da instituição, concedeu entrevista ao jornal El País, tratando do controle das polícias e expondo as dinâmicas de sua concretização nos cerca de 800 casos anuais de mortes decorrentes de ação policial no Estado de São Paulo. Na entrevista, a defensora destacou que em mais de 90% dos casos os promotores de justiça (os donos privativos da ação penal) pediram o arquivamento do caso e os juízes concordaram, o que ocorreu com base apenas na palavra dos policiais envolvidos.

Quando se analisa a promoção da ação penal, o Ministério Público do Estado de São Paulo tem alcançado elevados índices de produção e elevada taxa de sucesso. No entanto, no que toca à sua atribuição para exercer o controle externo da polícia, o resultado alcançado é o oposto: há baixa produtividade e baixa taxa de sucesso.

A atribuição constitucional para a realização do controle externo da atividade policial tem como fundamento a externalidade do Ministério Público, que também por determinação constitucional é independente em relação ao Poder Executivo, ao passo que as polícias são forças diretamente subordinadas ao governador do Estado. No caso do Estado de São Paulo, contudo, não é possível verificar nítida separação.

Observamos em São Paulo que os últimos sete secretários de segurança pública são provenientes do Ministério Público, tradição que remonta ao Governo de Orestes Quércia, que, “nomeou como seu secretário de segurança, Luiz Antônio Fleury Filho, oficial da PM nos anos de 1960 e promotor de justiça a partir de 1973” (SILVESTRE, 2016).

5.2 A não separação dos poderes e os segredos compartilhados

Quando nos limitamos a observar as dinâmicas entre as instituições de justiça e o Governo do Estado no período selecionado para análise, verificamos que tanto o chefe do Ministério Público (que exerceu dois mandatos consecutivos) quanto um dos dois presidentes do Tribunal que tiveram suas gestões abarcadas pelo recorte temporal do estudo, se tornaram secretários do governo de Geraldo Alckmin menos de 30 dias após deixarem as chefias das respectivas instituições.

José Renato Nalini, presidente do Tribunal entre janeiro de 2014 e janeiro de 2016, assim como Marcio Elias Rosa, Procurador-Geral de Justiça entre maio de 2012 e abril de 2016, assumiu o posto de secretário de governo no Estado de São Paulo tão logo deixou a presidência do TJ.

Com relação à Defensoria Pública, no período abarcado pela pesquisa a instituição contou com dois defensores-gerais, Daniela Sollberger e Rafael Vernaschi. Ambos, como vimos no Capítulo 2, se dedicaram a incluir em seus relatórios de gestão os esforços empenhados na ampliação das interlocuções institucionais com os poderes constituídos.

Em 2016, ano da posse de Elias Rosa e Nalini como secretários de Geraldo Alckmin, pela primeira vez um membro da Defensoria de São Paulo foi nomeado pelo governador para integrar os quadros do Executivo. Em julho, o governador nomeou a Defensora Pública Marcia Regina Garutti como assessora Especial de Direitos Humanos da Secretaria de Estado da Segurança Pública.

É possível identificar potencial embaraço na dinâmica de ser o fiscalizador escolhido por seu fiscalizado, no caso do Ministério Público, ou de ser o chefe da carreira responsável pela garantia de direitos da população em condições de maior vulnerabilidade, escolhido pelo principal demandado em processos judiciais relativos à garantia de direitos sociais, no caso da Defensoria.

Como vimos, a separação dos poderes constitui fórmula de contenção do poder e ferramenta de controle de arbitrariedades, sendo, portanto, especialmente cara ao exercício da cidadania. Os resultados desta pesquisa, contudo, nos permitiram concluir que a existência de freios e contrapesos é praticamente ausente no Estado de São Paulo.

Outro déficit democrático observado durante a pesquisa, no que toca à separação ideal dos poderes, diz respeito ao já apontado imbricamento também no Legislativo. A presidência da Assembleia Legislativa de São Paulo é atualmente exercida por um membro do Ministério Público estadual, eleito deputado pelo mesmo partido que o governador Geraldo Alckmin. Fernando Capez foi eleito deputado estadual em 2006, tendo sido, em 2009, durante o exercício do mandato legislativo, promovido no Ministério Público.

Clique aqui para ler a íntegra do texto.

Bibliografia:

Cardoso, Luciana Zaffalon Leme. Uma espiral elitista de afirmação corporativa: blindagens e criminalizações a partir do imbricamento das disputas do Sistema de Justiça paulista com as disputas da política convencional. Luciana Zaffalon Leme Cardoso. 2017. 336 f. Tese (doutorado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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