Resumo de Marighella – Estanislau Encara os Galinhas-Verdes. É o capítulo 4 da biografia escrita por Mário Magalhães.
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Com o esboço do projeto na cabeça de estudante de engenharia, MARIGHELLA manipulou com cuidado o foguete de quinze centímetros de diâmetro. Era o tipo de fogo de artifício que estourava nos céus da Bahia feito trovão. Riscou o fósforo e acendeu o detonador.
O fogo queimou o cartucho, e volantes com mensagens antifascistas se espalharam no ar. Nas ruas de Salvador, os manifestantes integralistas (apelidados de galinhas-verdes) tiveram a impressão de que os boletins caíam das nuvens. Identificado o veículo que os transportara, os matutinos o apelidaram de “foguetão extremista”. Marighella incluiu-o no rol dos “métodos originais de agitação e propaganda”.
Em 1934, ano da suspensão na Escola Politécnica, Marighella engavetou o sonho de ser engenheiro e se fizera militante comunista; no mesmo ano, incorporou-se ao Partido Comunista do Brasil. Não era como se associar ao clube do bairro. Em mais de uma década, o PCB experimentara apenas dois períodos de existência legal: de março a julho de 1922 e de janeiro a agosto de 1927.
As ideias de justiça social e revolução seduziam. Na rivalidade ideológica da década de 1930, o ideário comunista se opunha ao do fascismo de Benito Mussolini na Itália e ao NAZISMO de Adolf Hitler na Alemanha. COMUNISMO e FASCISMO se batiam pela condição de opção mais poderosa à democracia liberal. Os comunistas ostentavam a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, arrancada do atraso secular e dos destroços da guerra civil, como exemplo do que o planejamento estatal da economia poderia produzir — mais tarde ficaria claro o custo humano da coletivização forçada do campo e da industrialização acelerada.
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Os comícios que preocupavam Marighella em 1934 atraíam cada vez mais gente. O “foguetão extremista” foi arremessado sobre um deles, da AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA (AIB), versão nacional do fascismo assentada em 1932. Seu líder, PLÍNIO SALGADO, deslumbrara-se com o fascio ao visitar a Itália. Eles vestiram camisas verdes e adotaram a letra grega sigma como emblema. Saudavam com o tupi “anauê” e estendiam o braço para o alto. Ultranacionalistas, adotaram a divisa “Deus, Pátria e Família”. Enxergavam em comunistas e judeus uma coalizão perversa. Antiliberais, os integralistas se identificavam com o liberalismo na defesa da propriedade privada. Mobilizaram 400 mil aderentes em 1123 núcleos.
A despeito da harmonia com o presidente da República, a AIB media forças com Juracy. Getúlio fora aclamado presidente em eleição indireta na Constituinte em 1934. O interventor tornou-se governador com a Constituinte estadual. Ele golpeava mais os integralistas do que os comunistas baianos. Uma carta sua para Getúlio em 1933 escancarou o caráter mais pragmático, a disputa pelo poder na Bahia, do que ideológico das suas desavenças com os integralistas.
Em 1935, Eliéser Magalhães vendeu uma casa no Rio de Janeiro para contribuir com a ALIANÇA NACIONAL LIBERTADORA (ANL), surgida no princípio do ano. Seus idealizadores foram intelectuais, políticos, estudantes e militares tenentistas da esquerda não comunista. O PCB não demorou a assumir o controle. A organização arrastou multidões, rivalizando com o integralismo. A ANL escolheu o advogado Edgar Mata para presidir a seção baiana. Seu lema, “Pão, terra e liberdade”, continha dois terços da palavra de ordem bolchevique de 1917, “Pão, paz e terra”.
A agenda da ANL não tomava todo o tempo de Marighella porque o partido concorria. Ele integrava o Comitê Regional do PCB e o dirigiu por um período.
Marighella transformou a Federação Vermelha dos Estudantes em associação estudantil. Em março de 1935, coordenou a constituição da célula comunista da Faculdade de Direito, numa reunião na residência dos Souza Carneiro. Marighella se apresentou como Estanislau. Medida de segurança protocolar, já que era difícil não reconhecê-lo. Por duas horas, explicou o funcionamento da célula e ensinou como rolar bolas de gude para derrubar os cavalos dos soldados; jogar um pedaço de arame por cima da rede elétrica para pendurar a bandeira vermelha; e planejar a autodefesa de comícios-relâmpago — tudo voltado para a ação. O anfitrião Édison Carneiro seria um etnógrafo de prestígio e militante diligente nas pontes do PCB com as religiões africanas. Anos mais tarde, em meio a uma vaga repressiva, os terreiros abrigaram os comunistas baianos perseguidos.
Os militantes da Faculdade de Direito mergulharam nas campanhas da ANL. A organização decolara com a assembleia de 30 de março de 1935, no teatro João Caetano, na capital. Incendiou-a o discurso do universitário comunista CARLOS LACERDA. O auge da noite foi quando Carlos propôs o nome de LUIZ CARLOS PRESTES para presidente de honra da ANL. Uma ovação estremeceu o teatro.
De 1924 a 1927, Prestes abalara o país. Capitão do Exército, percorreu 25 mil quilômetros em desafio épico ao governo central. Eram seiscentos ao se desmobilizarem e 1500 no apogeu. Em outubro de 1924, o militar levantou o Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo, no oeste do Rio Grande do Sul. Uniu-se aos paulistas rebelados desde julho contra o presidente Artur Bernardes, compondo a COLUNA MIGUEL COSTA – PRESTES. A ascendência de Prestes na tropa rebatizou-a com nome único, sem o do major da Força Pública de São Paulo. Ao se internarem na Bolívia, Prestes era o mais popular dos brasileiros, que passaram a chamá-lo de Cavaleiro da Esperança.
O estandarte da Coluna Prestes foi o do TENENTISMO — contra a bandalheira eleitoral e a corrupção, por reformas sociais. Prestes nasceu em Porto Alegre em 3 de janeiro de 1898 e ficou órfão de pai aos dez anos. Instruído nos manuais do positivismo pelo Exército, seria o mais influente personagem do comunismo brasileiro.
Em 1931, Prestes fundou no exílio a LIGA DE AÇÃO REVOLUCIONÁRIA. Em seguida, se declarou comunista e bateu às portas do PCB. Na estação do “obreirismo”, que só identificava virtudes em dirigentes com calos nas mãos, o novo Comitê Central esnobou o herói das massas. Mais esperta, a Internacional Comunista hospedou-o a partir de 1931 com a família em Moscou. Como a seção brasileira refugava sua admissão, em 1934 o KOMINTERN (combinação das sílabas iniciais do nome em alemão, Kommunistische Internationale, ou TERCEIRA INTERNACIONAL, também conhecida por INTERNACIONAL COMUNISTA; criada em 1919 em um congresso no palácio do Kremlin, em Moscou, congregava partidos e grupos que lutavam contra o capitalismo e pela revolução social.) o impôs goela abaixo ao PCB.
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Em 1935, Prestes regressou clandestino ao Brasil. Ele escolheu o dia 5 de julho, exatos treze anos após o levante de 1922, para lançar seu manifesto. Nessa época, os outrora “tenentes” marchavam em peso com Getúlio. Sua minoria se digladiava nas barricadas da ANL e do integralismo. Prestes falou grosso: “A ideia do assalto amadurece na consciência das grandes massas. Cabe aos seus chefes organizá-las e dirigi-las”.
Se faltasse pretexto, o Catete ganhou um para fechar a ANL uma semana depois. Quando se esperava o contra-ataque dos aliancistas, testemunhou-se a inércia. Marighella já se locomovia com discrição em Salvador. Com a ilegalidade da ANL, além da do PCB, ele submergiu. Fugindo da polícia do Rio de Janeiro, o secretário de agitprop (Agitação e Propaganda) do Birô Político do Comitê Central se refugiou na Bahia. O mossoroense Lauro Reginaldo da Rocha, conhecido como Bangu, improvisou uma tipografia. Quando chegou a Salvador, os secretas estavam nos calcanhares de Marighella, cuja permanência no estado se tornara arriscada. Ainda mais com a infiltração de dois policiais no partido.
Marighella adentrou outubro sobrecarregado de tarefas em função da militância. Além do “trabalho de massas” e do setor estudantil, Marighella teve que elaborar um estudo sobre a economia do estado, encomendado pelo Comitê Regional. Redigia-o quando Bangu ordenou que, para escapar da perseguição policial, partisse para o Rio. Já clandestino, pouco ia à casa da rua Barão do Desterro. Passou lá, pediu a bênção aos pais e se despediu.
Bibliografia:
MAGALHÃES, Mário. Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.