Resumo de Marighella – Por Um Lugar No Front. É o capítulo 9 da biografia escrita por Mário Magalhães. Boa leitura!
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A Ilha Grande e suas montanhas receberam os passageiros do Comandante Ripper em uma manhã ensolarada que lhes permitiu ver a imensidão que honra o nome: com 193 quilômetros quadrados, é onze vezes maior que Fernando de Noronha. MARIGHELLA e seus companheiros se amontoaram nas carrocerias de dois combalidos caminhões rumo à Colônia Correcional de Dois Rios, pouco mais de sete quilômetros ao sul. Construído em 1940, o novo presídio substituía o que recebera em 1932 o escritor Orígenes Lessa e outras vítimas da repressão ao movimento constitucionalista. Com o levante de 1935, foi a vez de Graciliano Ramos. Na virada da década, não havia mais os presos políticos que agora reapareciam.
No Rio de Janeiro, um carro alegórico da União Nacional dos Estudantes (UNE) homenageou personalidades anti-Eixo: o americano Franklin Roosevelt, o britânico WINSTON CHURCHILL, GETÚLIO VARGAS e, ousadia, IÓSSIF STÁLIN. A farra foi maior em 22 de agosto de 1942, com a decretação do estado de beligerância do Brasil contra o Eixo. Nove dias depois, quando o governo declarou guerra, os prisioneiros celebraram duplamente: pelo ato em si e pelo que pensaram ser a anistia que o ditador teria de conceder. Raciocinavam: como manter encarcerado quem perfilava na mesma trincheira antifascista?
O Brasil somente rompeu com o Eixo após o ataque do Japão a Pearl Harbour. Na sequência, em fevereiro de 1942, os submarinos alemães torpedearam mais treze embarcações brasileiras até julho, matando em cinco meses 135 tripulantes e passageiros. Foi o próprio Reich que tornou insustentável a distância com que Getúlio se esquivava do conflito: de 15 a 17 de agosto, o submarino germânico U-507 pôs a pique cinco navios mercantes na costa da Bahia e de Sergipe. Os ataques ceifaram 587 vidas, e a população tomou as ruas para cobrar o troco. Só assim sobreveio a declaração de guerra.
Os presos políticos não estavam ilhados: a Ilha Grande se assemelhava a uma extensão do campo de batalha. Os aliancistas presos seguiram o morticínio pelo noticiário radiofônico. Em 21 de agosto de 1942, o coletivo se reuniu e aprovou um telegrama endereçado ao presidente. O texto foi lido na assembleia por Agildo Barata e teve oito signatários, entre os quais Marighella. A essência da mensagem era: se estavam na mesma barricada do governo, seu lugar não era nas celas, mas na guerra. Requisitaram “postos de combate” no front. Queriam ir à Europa lutar. Sem influência do telegrama, o governo anunciou no dia seguinte o estado de beligerância.
O que mais angustiava os presos estava longe dali. O VI Exército alemão penetrou em Stalingrado subjugou a cidade quase inteira. A cada amanhecer na Ilha Grande, temia-se ouvir pelas ondas curtas a nota fúnebre da queda de Stalingrado. Nos estertores de 1942, os ventos na União Soviética passaram a soprar contra os nazistas. Em uma brilhante manobra em Stalingrado, o general soviético Gueorgi Júkov surpreendeu por trás as tropas do general Friedrich Paulus. Foram sufocadas as 22 divisões invasoras e, no fim de janeiro de 1943, Paulus assinou a rendição. O contra-ataque prosseguiu, e em junho de 1943 os Panzers alemães perderam em Kursk o maior confronto de blindados da guerra. Em julho, Mussolini renunciou, e, em novembro, os soviéticos recuperaram Kiev.
No Brasil, manifestações populares comemoravam as boas-novas do front, e a admiração pela URSS e por Stálin deixou de ser apenas “coisa de comunista”. Mas não havia um Partido Comunista organizado. o Birô Político caíra em março de 1940. Desde então, o partido não tinha comando centralizado. Dispersos em pequenos núcleos isolados, os comunistas mergulharam na campanha para que Getúlio despachasse tropas para a Europa. Era o que defendia a maior concentração de militantes do PCB no país, a da Ilha Grande, com no mínimo 150 deles.
Em janeiro de 1943, os presidentes dos Estados Unidos e do Brasil conferenciaram em Natal. A constituição da Força Expedicionária Brasileira (FEB) em agosto foi saudada com uma festança na ilha, mas o governo recusou o pedido de Marighella e seus companheiros para ir à guerra. Mesmo assim, os comunistas lutaram no front italiano, com seus poucos militantes de vida legal. Em abril de 1945, 284 oficiais da FEB assinaram um manifesto articulado pelos comunistas a favor do restabelecimento da democracia no Brasil. De acordo com Kardec, 26 eram militantes do PCB, inclusive ele. O país mandou à guerra 25334 homens, dos quais 2722 foram feridos e 457 morreram. As tropas se integraram ao V Exército dos Estados Unidos.
Em Moscou, estourou em 1943 uma bomba que sacudiu até a Ilha Grande. O Pravda publicou em maio a notícia da dissolução do KOMITERN. Stálin tomou a medida para consolidar os laços com as potências ocidentais. O marechal quis demonstrar que os partidos comunistas não estimulariam revoluções nacionais nos países unidos à União Soviética na guerra. Não foi apenas um gesto de propaganda: os soviéticos subordinavam a política das seções da Internacional aos interesses da URSS. O Komintern se promovera como coveiro da sociedade burguesa. Em 24 anos de existência, não enterrou nenhum regime capitalista. Caíam os símbolos de Outubro: em 1944, a União Soviética aposentou A Internacional como seu hino e adotou um novo, patriótico; em 1946, o Exército Vermelho foi renomeado Exército Soviético.
Se até a Internacional sucumbiu, em nome das concessões para isolar o Terceiro Reich, por que os comunistas brasileiros deveriam se manter afastados de Getúlio Vargas? A pergunta abriu a maior cisão na cadeia. Desde o malfadado levante de 1935, os presos do coletivo se referiam a si como aliancistas, e não como comunistas, o que, de fato, nem todos eram. Continuaram a se dizer membros da ALIANÇA NACIONAL LIBERTADORA quando nem o PCB se dispunha a relançá-la. O partido substituíra a linha de frente popular para o assalto do poder, expressa na ANL, pela de união nacional. Organizava uma fração clandestina na Ilha Grande que controlava o coletivo e destituiu na prática a direção do PCB eleita em 1934. Miranda já não estava nem na ilha nem no partido.
Um ano após o telegrama para Getúlio, os estilhaços de outra bomba ricochetearam na Ilha Grande. Os primeiros relatos foram imprecisos, mas convergiram em dois pontos: uma conferência de comunistas escolhera um novo Comitê Central para o PCB, e entre os eleitos estava Carlos Marighella.
Bibliografia:
MAGALHÃES, Mário. Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.