Resumo de Marighella – Capítulo 5, “A Revolução que não houve”, presente na biografia escrita por Mário Magalhães. Boa leitura!
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A vida no Rio de Janeiro de 1935 se coloria de tantos encantos que só um bairrista com aversão aos cariocas ousaria implicar com o título da marchinha “Cidade maravilhosa”. O Rio era o “coração do meu Brasil”. E os pulmões do PCB: a influência dos comunistas na capital ia dos palcos dos teatros às relações estreitas com o prefeito Pedro Ernesto.
MARIGHELLA se incorporou ao núcleo local do partido. Era o camarada “Nerval”, da comissão especial da comissão de organização do Comitê Central, responsável por fazer ligações marítimas, ligações com a imprensa ilegal e com as casas ilegais da direção. Talvez ele já tivesse lido uma edição estrangeira — brasileira, inexistia — de O CAPITAL com a citação de MARX “A força é a parteira de toda sociedade velha que traz uma nova em suas entranhas”. Marighella não tinha ideia de que o parto da revolução estava próximo. Os parteiros não conspiravam nos bairros operários da zona norte, como São Cristóvão, mas no balneário de Ipanema, na zona sul.
Em seu VII Congresso, o KOMITERN aprovou a política de frente única com a social-democracia e frações da burguesia, na forma de frentes populares contra o NAZIFASCISMO. Os líderes do PCB convenceram o Komintern a consagrar uma contradição e a nela investir recursos humanos e financeiros: a organização apostou no assalto ao poder. Com uma cajadada, afastaria o Brasil tanto da ambição de Hitler e Mussolini como da órbita, em vigor, de britânicos e americanos. Arthur Ernst Ewert, antigo membro do Birô Político do poderoso Partido Comunista Alemão (Negro) e o argentino Rodolfo Ghioldi (Índio) compuseram com Prestes (Garoto) o triunvirato do Komintern para comandar com o PCB uma revolução no Brasil.
Enquanto isso, o PCB infiltrava nas Forças Armadas um comitê antimilitar ultrassecreto, o ANTIMIL. Embora agremiação oriunda da classe operária, o PCB se importava mais com sua construção nos pelotões do que nas fábricas.
Até o encerramento da reunião dominical do Comitê Central em 24 de novembro, a informação não chegou; alguns souberam à noite; a maioria tomou um susto com os jornais cariocas de segunda-feira: bem longe dali, a revolução já começara. Às 19h12 de sábado, o cabo Giocondo Gerbasi Alves Dias anunciou ao sargento José Farias de Almeida, que comandava a guarda do quartel do 21 Batalhão de Caçadores:
“O senhor está preso, em nome do general LUIZ CARLOS PRESTES!”
Vinte minutos depois da ordem de prisão, os revoltosos se apoderaram da unidade de infantaria e detiveram os oficiais. Partiram para conquistar a cidade, Natal, capital do estado nordestino do Rio Grande do Norte. Centenas de homens e mulheres libertaram os presos da Casa de Detenção. Multidões invadiram o palácio do governo. As massas queriam sangue, mas os líderes resguardaram a integridade física do governador Rafael Fernandes — ele se asilou no consulado italiano — e de figurões da sociedade que assistiam a uma colação de grau no Teatro Carlos Gomes. Após horas de tiroteio, soldados e populares controlaram o quartel de cavalaria.
Com o sol a pino no domingo, brigadas de trabalhadores ocuparam fábricas e empresas. Militares e civis dominaram telégrafos e rádios. No cartório, queimaram os registros das grandes propriedades de terra. Cortaram os trilhos das estradas de ferro para atrapalhar o acesso de tropas legalistas. Pelo menos doze municípios vizinhos passaram às mãos das colunas despachadas pelos rebeldes, e portuários depredaram centros do integralismo.
Às dez horas da manhã de segunda-feira, a junta governativa, denominada Comitê Popular Revolucionário, foi aclamada em praça pública e decretou a ilegalidade da AIB. Assegurou liberdade irrestrita de culto e religião, aboliu os impostos cobrados aos feirantes, baixou a tarifa dos bondes para a metade e o preço do pão para cem réis — custava duzentos. De posse dos recursos da Recebedoria de Rendas, pagou os vencimentos atrasados do funcionalismo. Arrombou o cofre do Banco do Brasil e saldou as dívidas com pequenos credores do estado. Os pescadores ganharam auxílio em material e financiamento. Operários intimaram o comandante de um navio a atender os reclamos da tripulação. Era o Santos — o mesmo do qual Augusto Marighella, em 1907, e Juracy Magalhães, em 1931, haviam desembarcado em Salvador.
Na virada de segunda para terça-feira, os revolucionários concluíram a edição do “número 1” do “ano 1” do jornal “A Liberdade”. Rodaram-no nas oficinas de “A República”, porta-voz do poder. O movimento cujo estopim fora uma rebelião militar contra a hierarquia do Exército se transformara numa revolução social dirigida pelo PCB dentro e fora da caserna.
O efeito surpresa decidiu a favor dos revolucionários potiguares, porém alertou sobre a conspiração em curso no país. As balas iluminavam Natal quando a notícia da insurreição alcançou Pernambuco. O Comitê Revolucionário local apressou-se em levantar os quartéis. Às sete e meia da manhã, um sargento aliancista avisou o cabo Severino Teodoro de Mello de que a rebelião fora marcada para as nove horas. Estavam no 29º Batalhão de Caçadores, em Socorro, município de Jaboatão, nos arredores do Recife.
No horário previsto, o tenente Lamartine Coutinho gritou “camaradas!” e conclamou à revolução. Oficiais reagiram, entrincheiraram-se em um pavilhão e alvejaram uma perna do tenente Alberto Besouchet. Coordenados pelo tenente ferido, duas dezenas de rebeldes cercaram os superiores e dominaram a unidade. Dezesseis seguiram com Lamartine para a capital. Ao cair da tarde, posicionaram uma metralhadora pesada na torre da igreja Matriz e dispararam para intimidar. Aguardavam reforços para progredir.
Tropas de Alagoas e Paraíba acudiram os governistas. Na tarde da segunda-feira, elas tirotearam com o tenente Lamartine e seus homens. Batidos, os rebeldes abandonaram a igreja e o quartel do 29º BC. Entregaram-se na manhã seguinte.
No começo da madrugada da quarta-feira, a confirmação do fracasso em Pernambuco foi recebida como tragédia no Rio Grande do Norte. Os revolucionários souberam de derrotas das suas colunas para milícias de “coronéis” do interior potiguar e do avanço de batalhões hostis dos estados vizinhos. Estavam cercados. Retiraram-se às quatro e meia da manhã.
Se a revolução se manteve no poder por três dias em Natal e os revoltosos se fortificaram por 24 horas à beira do Capibaribe, o levante comandado por Luiz Carlos Prestes no Rio de Janeiro foi sufocado em bem menos tempo. Apesar de perdido o trunfo da surpresa, Prestes, Ewert , Ghioldi e Miranda, secretário geral do PCB bancaram a insurreição. A empreitada militar de 27 de novembro de 1935 principiou dentro de um Opel que penetrou na Escola de Aviação pelo portão de trás. Ao volante estava o capitão Sócrates Gonçalves da Silva. Ao seu lado, o capitão Agliberto Vieira de Azevedo. Na janela do carona, o tenente Dinarco Reis. No banco traseiro, um tenente e um aspirante. Planejavam tomar a Escola e o 1º Regimento de Aviação. Mal se anunciaram, e a Companhia de Guardas e os oficiais do comando abriram fogo. O comandante do 1º Regimento, tenente-coronel Eduardo Gomes, dirigiu as tropas governistas. Pela artilharia, pelejou o capitão gaúcho Ernesto Geisel, 39 anos antes de ser empossado na presidência. Ao amanhecer, a aventura estava liquidada.
Enquanto os revolucionários da aviação sucumbiam, seus camaradas do 3º Regimento de Infantaria combatiam na praia Vermelha. Às duas e meia da manhã, rajadas de metralhadora deram o sinal para a revolta, que se impôs em quinze minutos. O capitão Agildo Barata, que lá estava como preso, assumiu o comando do regimento. Obuses da artilharia e bombas vomitadas por aviões provocaram mortes e arruinaram o prédio do 3º RI. Pouco depois do meio-dia, os aliancistas se renderam e esfumou-se o sonho dos revolucionários de 1935.
Bibliografia:
MAGALHÃES, Mário. Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.