Karl Marx – Sociologia e Economia – resumo do capítulo de As Etapas do Pensamento Sociológico, de Raymond Aron. Boa leitura!
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Marx, observando a fase inicial do regime capitalista, não podia distinguir com facilidade, de um lado, o que implica um regime de propriedade privada e, de outro, o que implica uma fase de desenvolvimento tal como a que a Inglaterra atravessava no momento em que ele a estudava; e, por fim, o que constituía a essência de qualquer economia industrial. Hoje, a tarefa da análise sociológica da economia consiste justamente em traçar a distinção entre esses três tipos de elementos: as características de toda economia moderna, características ligadas a um regime particular de economia moderna, e enfim as características ligadas a uma fase de crescimento da economia.
As relações entre a análise econômica e a análise sociológica levantam o problema das relações entre regimes políticos e regimes econômicos. É nesse ponto que a sociologia de Marx é mais vulnerável à critica.
Em O capital, como nas outras obras de Marx, o Estado é considerado essencialmente como instrumento da dominação de uma classe. Em consequência, um regime político é definido pela classe que exerce o poder. Em oposição ao regime econômico-social feito de classes antagônicas e baseado na dominação de uma classe sobre as outras, Marx concebe um regime econômico-social em que não haja mais dominação de classe. Por isso, por definição, o Estado desaparecerá, pois ele só existe na medida em que uma classe necessita dele para explorar as outras.
Entre a sociedade antagônica e a sociedade não-antagônica do futuro interpõe-se a DITADURA DO PROLETARIADO, que é quando o Estado atinge sua expansão máxima, antes de desaparecer. Essa concepção da política e do desaparecimento do Estado numa sociedade não-antagônica é a concepção sociológica mais facilmente refutável de toda a obra de Karl Marx.
Ninguém pode pensar, de modo razoável, que uma sociedade industrial complexa como a nossa possa dispensar uma administração, sob certos aspectos, centralizada. Além disso, se admitirmos a planificação da economia, é inconcebível que não haja organismos centralizados que tomem as decisões fundamentais implicadas pela própria ideia da planificação.
Neste sentido, as duas ideias de planificação da economia e de enfraquecimento do Estado são contraditórias para o futuro previsível. Se chamarmos de Estado o conjunto das funções administrativas e dirigentes da coletividade, não é admissível que o Estado pereça em uma sociedade industrial, e menos ainda numa sociedade industrial planificada, já que, por definição, o planejamento central implica que o governo tenha um maior número de decisões do que no caso da economia capitalista, que se define, em parte, pela descentralização do poder de decisão.
A ideia central de Marx é a de que a sociedade capitalista é antagônica; consequentemente, todas as características essenciais do regime capitalista tem origem nesse fenômeno. Na sociedade em que deixou de haver propriedade privada dos meios de produção, por definição, não há mais antagonismo ligado à propriedade. Existe, porém, um Estado que exerce as funções administrativas indispensáveis a toda sociedade desenvolvida. Então, pode haver antagonismos entre grupos, seja entre camponeses e operários, seja entre os que estão situados embaixo e os que estão no alto da hierarquia social. Não se pode deduzir a ausência de antagonismos do simples fato da inexistência da propriedade privada dos meios de produção, e do fato de que a condição de todas as pessoas depende do Estado.
Finalmente, além dessas observações, há um problema fundamental, o da redução da política enquanto tal à economia.
A sociologia de Marx supõe a redução da ordem política à ordem econômica, isto é, a extinção do Estado a partir do momento em que forem impostas a propriedade coletiva dos meios de produção e a planificação. Contudo, a ordem política é irredutível à ordem econômica. A ordem política é tão essencial e autônoma quanto a ordem econômica. As duas ordens estão em relações recíprocas.
Não é possível definir um regime político simplesmente pela classe que se presume estar exercendo o poder. No regime capitalista, não são os monopolistas que, pessoalmente, exercem o poder; no regime socialista, não é o proletariado, como um grupo, que exerce o poder. Nos dois casos trata-se de determinar quais são as pessoas que vão exercer as funções políticas, como recrutá-las, de que forma devem exercer a autoridade, qual é a relação entre os governantes e os governados. A sociologia dos regimes políticos não pode ser reduzida a um simples apêndice da sociologia da economia ou das classes sociais.
Conclusão
Nos últimos cem anos houve, fundamentalmente, três grandes crises no pensamento marxista.
A primeira foi o revisionismo da socialdemocracia alemã, nos primeiros anos deste século [XX]. O tema essencial era: a economia capitalista está em vias de se transformar de modo tal que a revolução anunciada não se produza de acordo com nossa expectativa? Edouard Bernstein, o revisionista, achava que os antagonismos de classe não se acentuavam, que a concentração não se produzia nem tão rápida nem tão completamente quanto previsto, e que, em consequência, não era provável que a dialética histórica realizasse a catástrofe da revolução e a sociedade não-antagônica. A querela Kautsky-Bemstein terminou com a vitória de Karl Kautsky e a derrota dos revisionistas. A tese ortodoxa foi mantida.
A segunda crise do pensamento marxista foi a do bolchevismo. A partir de 1917-1920, começou a haver, dentro dos partidos marxistas, uma disputa em que se discutia se o poder soviético é uma ditadura do proletariado ou uma ditadura sobre o proletariado. Os dois grandes protagonistas da segunda crise foram LENIN e Kautsky, que originaram, respectivamente, duas correntes no pensamento marxista: a primeira, defendia que o partido bolchevique, que se proclamava marxista e proletário, representa o proletariado no poder e, assim, o poder do partido bolchevique é a ditadura do proletariado. A segunda, defendia que uma revolução feita num pais não-industrializado, onde a classe operária era uma minoria, não podia ser uma revolução verdadeiramente socialista; a ditadura de um partido, mesmo marxista, não podia ser uma ditadura do proletariado, mas sim uma ditadura sobre o proletariado.
A terceira crise do pensamento marxista é a que assistimos hoje. Trata-se de saber se há um termo intermediário entre a versão bolchevista do socialismo e a versão, digamos, escandinavo-britânica.
Atualmente, vemos uma das modalidades possíveis de uma sociedade socialista: a planificação central, sob a direção de um Estado mais ou menos total, que se confunde com o partido que se afirma socialista. Essa é a versão soviética da doutrina marxista. A segunda versão é a ocidental, cuja forma mais aperfeiçoada é a da sociedade sueca, com a planificação parcial e a propriedade mista dos meios de produção, que se combinam com as instituições democráticas do Ocidente, isto é, com a pluralidade partidária, eleições livres, livre discussão das ideias. Os marxistas ortodoxos não tem dúvida de que a verdadeira descendência de Marx é a sociedade soviética. Os socialistas ocidentais acreditam que a versão ocidental é mais fiel ao espirito de Marx do que a versão soviética.
Contudo, muitos intelectuais marxistas não se satisfazem com nenhuma das duas versões. Prefeririam uma sociedade que fosse de certo modo tão socialista e planificada quanto a soviética, e ao mesmo tempo tão liberal quanto uma sociedade de tipo ocidental. O cisma entre a China e a União Soviética abre uma nova fase. Aos olhos de Mao Tse-tung, o regime e a sociedade soviéticos estão em vias de emburguesamento.
E Marx, de que lado ficaria? Em vão fazemos esta pergunta, pois Marx não imaginou a diferenciação que o curso da história realizou. Se tivesse de dar uma resposta, ela não passaria da manifestação das minhas preferencias pessoais. Creio que é mais honesto revelar quais são as minhas preferencias do que atribui-las a Karl Marx, que não tem mais condições de manifestar o que pensa.
Bibliografia:
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.