Resumo de Uma República Velha?, capítulo de Uma Breve História do Brasil de Mary Del Priore e Renato Venâncio. Boa leitura!
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Em 1922, comentando a presença de um mendigo vivendo num matagal na capital federal, Lima Barreto observa: “Não diz a notícia dos jornais que o homem se alimentasse de caça e pesca, acabando assim o quadro de uma vida humana perfeitamente selvagem, desenvolvendo-se bem perto da avenida Central que se intitula civilizada”. Constatações como esta fizeram muitos estudiosos encararem o regime criado em 1889 como uma superficial reorganização de instituições políticas, sem grandes implicações econômicas ou sociais.
Outras interpretações sublinham que a novidade republicana foi o surgimento de governos estaduais fortemente controlados por grupos oligárquicos, situação que, em razão do Poder Moderador, dificilmente ocorria na época monárquica. Assim, entre o mandão de uma cidadezinha e o presidente da República, surge uma instância intermediária, que barganha favores, empregos e verbas em troca de apoio político. Esse arranjo, idealizado por CAMPOS SALES. consiste no núcleo da POLÍTICA DOS GOVERNADORES, que, entre 1898 e 1930, dominou a REPÚBLICA VELHA.
Além de disporem de toda uma rede de favores de natureza econômica, os governadores também conseguem apoio político federal para se perpetuar no poder. Isso era possível graças ao fato de os candidatos eleitos estarem sujeitos, segundo as leis eleitorais, à reconfirmação de seus respectivos mandatos pelo Congresso e pelo presidente da República. Os vitoriosos não apoiados pelo grupo dominante passavam, assim, a ser alvo do que popularmente ficou conhecido como degola. No outro extremo dessa cadeia de compromissos e barganhas, o poder estadual concedia carta-branca aos chefes locais para decidirem a respeito de todos os assuntos relativos ao município.
Tal sistema, aparentemente, atendia aos interesses dos mini, médios e supercoronéis. Contudo, a política republicana contrariava muitos. O problema básico consistia na falta de regras claras a respeito da sucessão de poder. Na ausência do imperador para dar “a última palavra”, são criadas condições propícias para um quadro de permanente conflito armado entre as oligarquias. No plano federal, essa situação propicia o pleno domínio de paulistas e mineiros. Em 1889, além de contar com partidos republicanos organizados há mais de uma década, há fatores econômicos e demográficos que favorecem esses estados. No caso paulista, a supremacia econômica decorria do café. Em Minas, a vantagem advinha do fato de tratar-se do mais populoso membro da federação e, portanto, o que mais poderia influenciar nas votações presidenciais. Assim, entre 1894 e 1930, as oligarquias paulistas e mineiras elegeram nove dos doze presidentes republicanos. Tal situação marginaliza numerosos grupos oligárquicos, dando origem a um quadro de conflitos.
Em várias regiões brasileiras, violentas disputas entre os grupos oligárquicos reforçam a sensação de regressão social. Tais lutas eram expressão máxima do que costuma ser definido como coronelismo, forma de “mandonismo local”, que se baseava na formação de exércitos particulares de jagunços. Estes atuavam criminosamente no sertão desde os tempos coloniais. A novidade da República Velha foi o uso político desses foras da lei.
A partir de 1898, os militares afastam-se da vida política. Tal retraimento, em parte decorrente das desastrosas campanhas de Canudos, também foi conseguida graças à concessão de cargos públicos a oficiais; prática que criou raízes e silenciou as casernas. Em 1910, porém, é dada ao Exército a possibilidade de voltar à cena. Eclode no Rio de Janeiro um levante de marinheiros, liderados por João Cândido Felisberto, filho de ex-escravos. Os revoltosos, em 23 de novembro, apoderam-se de embarcações de guerra e bombardeiam a capital federal e exigem a abolição da chibata como castigo (a qual era, há muito, legalmente proibida). Apesar de a rebelião ter chegado ao fim através de um acordo negociado, o Exército se firma como uma instituição fiadora da ordem.
Mais importante do que seus desempenhos em batalhas foi o fato de esses oficiais reformadores passarem a atuar politicamente fora das vias institucionais, recolocando na ordem do dia o golpe militar como um meio de transformar a sociedade, mudança que ajuda a compreender a eclosão da Revolução de 1930. No meio civil, por sua vez, não faltam denúncias contra o sistema político da República Velha. Escritores em nada conservadores, como Euclides da Cunha e Lima Barreto, alistam-se entre esses críticos à república, o mesmo ocorrendo entre intelectuais vinculados à Semana de Arte Moderna de 1922.
Em outras palavras, o sistema político dos anos 1920 é um caldeirão prestes a entrar em ebulição. O que falta é um estopim, e WASHINGTON LUÍS o fornece. Ao contrário do que era esperado para as eleições de 1930, o então presidente não indica um mineiro para sucedê-lo, mas sim seu conterrâneo Júlio Prestes. Os mineiros selam, então, um acordo com segmentos políticos importantes do Rio Grande do Sul e da Paraíba para lançar um candidato próprio à sucessão presidencial, marcada para 1º de março de 1930. Na costura da então denominada ALIANÇA LIBERAL, os gaúchos consagram um candidato: GETÚLIO VARGAS.
Como se previa, dado o quadro de fraude eleitoral, os aliancistas são derrotados. Além disso, a maioria dos deputados federais eleitos, que faziam parte da coligação oposicionista, não tem seus mandatos reconhecidos pelo Congresso. Para complicar ainda mais a situação, JOÃO PESSOA, um importante membro da Aliança Liberal e governador da Paraíba, é assassinado por motivos políticos. Apoiadas em setores descontentes do Exército, as oligarquias dissidentes dão início ao movimento pela deposição do presidente. Entre 3 e 24 de outubro ocorre a REVOLUÇÃO DE 30.
Bibliografia:
DEL PRIORE, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.