Resumo de Poder & Poderes, capítulo de Uma Breve História do Brasil de Mary Del Priore e Renato Venâncio. Boa leitura!
O primeiro instrumento institucional de ocupação das terras americanas foi a feitoria. Através delas faziam-se contatos com índios da terra e explorava-se pau-brasil. Cabia ao feitor evitar a deserção de marinheiros, receber produtos da terra que seriam enviados ao Reino e tentar impedir que embarcassem, sem autorização, indígenas escravizados e, sobretudo, mulheres brancas. Entre 1502 e 1504, criaram-se feitorias em Cabo Frio, na Bahia e em Pernambuco.
O sucesso da fórmula aplicada nas ilhas do Norte da África, Madeira e Cabo Verde, fez com que d. João III optasse pela divisão das terras em capitanias. Uma vez demarcadas, foram distribuídas entre fidalgos. Como donatários, cabia-lhes criar vilas e povoações, exercer justiça, nomear juízes e oficiais, incentivar a instalação de engenhos, marinhas de sal e moendas de água, arrendar terras do sertão. Em contrapartida, recebiam “um foral dos direitos, foros, tributos e cousas que na dita terra hão de pagar”.
Povoar o Brasil fazia-se urgente. A presença francesa obrigava uma tomada de posição. O sistema malogrou, contudo, devido ao tamanho do território colonial, assim como em razão de ferozes ataques indígenas. Quando se fundou o governo-geral e Tomé de Souza foi enviado para cá, apenas três das quinze capitanias distribuídas haviam sobrevivido. Chegado em 1549, o primeiro governador-geral ergueu a primeira vila com foros de cidade, São Salvador, na Bahia, e deu início a um violento combate contra os tupinambás, matando e castigando parte deles para dar exemplo. Trouxe consigo os padres jesuítas e um regimento – instruções para pessoas e instituições – cujas preocupações incidiam sobre questões militares e de povoamento: assentamento de colonos, distribuição de gado bovino, criação de órgãos locais de administração, as câmaras, etc.
Ao longo do tempo, governadores e depois vice-reis trariam, cada qual, seus regimentos e instruções, ao sabor das diversas conjunturas. Não houve consistência nas diretrizes administrativas até meados do século XVIII. A fragilidade do sistema retardava a instalação de um governo centralizador. A administração judiciária concentrava-se em algumas vilas e cidades, deixando o resto da Colônia nas mãos da justiça privada e do mandonismo local. Nasciam, assim, outros poderes além do exercido pelos representantes da Coroa.
A organização eclesiástica também se mostrou precária no século XVI. Quando o primeiro bispado foi criado na Bahia, em 1551, a terra e os moradores eram tão pobres que não podiam arcar com as despesas de manutenção do corpo eclesiástico. Gastos com a instalação de colégios para a Companhia de Jesus faziam com que sobrassem poucas rendas, pagas pela Coroa, para o clero secular.
O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição não se instalou jamais. Registram-se apenas denúncias avulsas e visitas de inquisidores à Bahia, Pernambuco e Grão-Pará. O vasto terreno das magias amorosas, assimiladas à feitiçaria e relacionadas pelo Santo Ofício à ocorrência de pactos diabólicos, foi uma das obsessões dos inquisidores.
Além da Igreja e do Estado, outras formas de poder iam lentamente se estruturando. O familismo político vicejava nas cidades litorâneas, unindo prósperos senhores de engenho a funcionários metropolitanos. Os casamentos dentro de pequeno grupo de famílias permitiam que estas se revezassem em postos de prestígio. Livros de genealogia mostram o entrelaçamento de apenas sete famílias piauienses, que constituíam a elite local, emaranhadas num cruzamento consanguíneo que atravessou séculos.
Uma segunda camada de colonos, constituída por plebeus, lavradores e “homens de qualidades”, como se lê em algumas cartas de sesmarias, fixava-se com seus gados e escravos no interior. Vagava pelos ermos sertões toda uma população desajustada e apartada do trabalho regular, a princípio remediada. Muitos viviam com suas famílias, isolados e solitários, nos roçados que cultivavam. Outros podiam ser ladrões de gado ou formigueiros, nome que se dava aos que roubavam coisas de pouco valor.
Contudo, não somente a população pobre proliferava. Por todo o sertão surgiram chefes locais abastados, que haviam criado fortuna e zonas de poder local e pessoal. Os donos de tais terras, apoiados em escravos e dependentes, sentiam-se impunes dentro de seus domínios e até de uma região. Só que o vizinho pensava da mesma maneira. Assim, nunca carecia motivo para desavenças. Os dias de festas religiosas, momento em que a comunidade se juntava, era o preferido para acertos de contas: tiroteios dentro de igrejas, emboscadas durante a procissão, troca de punhaladas nos locais em que se vendia bebida. As lutas travadas entre Pires e Camargo, em São Paulo, entre 1640 e 1660, ou entre os Monte e os Feitosa, de 1724 a 1745, bem ilustram o caráter dessa animosidade feita de desprezo pela autoridade da Coroa. A impunidade grassava e contaminava a população de vilas e vilarejos. Não raras vezes, esta se revoltava contra a passagem de um desembargador da Relação ou de escrivães – empregados na cobrança de impostos ou no recrutamento militar. Poucas autoridades metropolitanas ousavam interferir nos “negócios do sertão”.
BIBLIOGRAFIA:
DEL PRIORE, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.