Resumo de Os Fazendeiros Industriais, capítulo de Uma Breve História do Brasil de Mary Del Priore e Renato Venâncio. Boa leitura!
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Ao contrário da evolução ocorrida no mundo europeu, a indústria brasileira não resultou de um lento desenvolvimento do artesanato e da pequena manufatura, mas já nasceu grande, na forma de fábricas modernas.
Paradoxalmente, tal situação foi possível graças ao atraso econômico nacional. Na década de 1880, quando aqui começaram a ser implantadas as primeiras indústrias, a maquinaria fabril europeia já contava com cem anos de desenvolvimento técnico, e foi justamente com essa tecnologia importada que teve início nossa industrialização. Contudo, a aparente vantagem apresentava um gravíssimo inconveniente que deixa traços até os nossos dias: ela não estimulou o desenvolvimento de tecnologia industrial própria. Dessa maneira, fortes laços de dependência internacional foram gerados, seja pelo fato de as novas técnicas serem caríssimas, seja por serem alvo de monopólios zelosamente protegidos pelas grandes indústrias estrangeiras.
Nossa primeira industrialização, 1880-1930, originou-se da importação de máquinas modernas custeadas pelo mundo agrário tradicional. Quanto a isso, o caso paulista, região que se tornaria principal polo industrial do país, é exemplar.
São Paulo nem sempre foi a região brasileira mais industrializada. Em 1907, por exemplo, o censo industrial indicou que 85% da produção industrial nacional estava localizada fora das fronteiras paulistas.
Tal qual ocorria em vários lugares, os fazendeiros paulistas investiam os recursos extras da lavoura de exportação na compra de máquinas. Não era raro fazendeiros de algodão inaugurarem fábricas de fiação e tecelagem, pecuaristas fundarem fabriquetas de couro e cafeicultores voltarem-se para a produção de vagões e de máquinas que beneficiavam café.
Os paulistas possuíam a mais próspera atividade agrícola do país. Desde a década de 1830, o café havia se tornado o principal item da economia brasileira. No ano de 1900, o produto rendia, em exportações, dez vezes mais do que o açúcar, vinte vezes mais do que o algodão e quase trinta vezes mais do que o tabaco.
Alimentada por férteis terras e por estradas de ferro que viabilizavam a expansão da fronteira agrícola em regiões bastante afastadas do litoral, a lavoura cafeeira paulista, entre 1886 e 1910, aumentou sua participação na produção nacional de 42% para 70%, deixando muito para trás seus vizinhos fluminenses. À época, o Brasil controlava cerca de 75% da produção mundial, o que significava dizer que os paulistas produziam aproximadamente metade do café comercializado no mundo.
Além de contar com recursos abundantes que podiam ser canalizados para a indústria, os paulistas dispunham ainda de outras vantagens que os capacitavam a superar industrialmente as demais regiões brasileiras. Uma delas foi a de ter recebido milhões de imigrantes europeus, que competiam com os ex-escravos no mercado de trabalho, fazendo com que, até aproximadamente a década de 1920, os salários localmente pagos fossem inferiores aos despendidos por empresários cariocas e gaúchos.
Transformações políticas também contribuíram para a prosperidade econômica paulista. A República, ao inaugurar o federalismo fiscal, em muito ampliou as verbas orçamentárias de prefeituras e do governo estadual, dando origem localmente a um período de grandes obras públicas e de ampliação dos espaços urbanos (BELLE ÉPOQUE). Obras e reformas que geravam milhares de empregos, incentivando o crescimento das cidades – sendo o exemplo mais impressionante o da capital paulistana, cuja população, entre 1872 e 1914, aumentou de 23 mil para 400 mil habitantes – e multiplicando o mercado consumidor de produtos industriais, como o de calçados, vestuário, bebidas, etc.
Por outro lado, São Paulo soube reagir com criatividade às crises econômicas. Como ocorria desde o período colonial, a expansão local da lavoura de exportação acabou gerando problemas de superprodução. As curiosamente denominadas safras-monstros levavam a drásticas variações de preço do café. Os paulistas, após amargarem por mais de uma década, reagiram à crise promovendo, em 1906, o que ficou conhecido como CONVÊNIO DE TAUBATÉ, reunião dos produtores brasileiros com o objetivo de lançar uma política de valorização do café. Tal política consistia na compra, estocagem e até destruição da mercadoria, com o objetivo de manter ou recuperar seu preço internacional. A valorização obteve êxito: entre 1907 e 1915, o preço internacional do café praticamente dobrou. O alívio foi tal que as safras-monstros de 1917 e 1921 acabaram sendo enfrentadas da mesma maneira. Em 1925, a defesa do café torna-se permanente. Essa política, se não salvou a economia paulista da crise de 1929, pelo menos em muito diminuiu seus efeitos.
Havia aspectos nefastos na política de valorização. O aumento da oferta fazia com que os mercados internacionais ficassem cada vez mais exigentes em relação ao produto, levando à progressiva marginalização das regiões com cafezais antigos.
Além de “queimar” recursos que poderiam ter sido utilizados nas indústrias, a defesa do café tinha ainda outros efeitos negativos. Ela criava fortíssimas pressões pela desvalorização da moeda da época, mil-réis, encarecendo a importação de maquinário industrial. Pressões, aliás, nada desprezíveis, pois, ao receberem o pagamento pela venda do café em libras esterlinas, os fazendeiros lucravam muito com a desvalorização da moeda nacional.
Tendo em vista essa relação, ao mesmo tempo complementar e contraditória, entre lavoura exportadora e indústria, compreende-se por que não houve uma veloz revolução industrial paulista, mas sim um processo de transformação econômica lento e cheio de percalços. O Brasil somente em meados da década de 1940 assistiu à indústria superar a agropecuária no conjunto das riquezas nacionais.
Outro aspecto importante para explicar nossa industrialização tardia diz respeito à oposição intelectual feita a ela. Não foram poucos os que a encaravam como uma “criação artificial” da sociedade brasileira. Posição partilhada por conservadores, opositores a todo e qualquer tipo de indústria e à própria vida urbana a ela associada, assim como por liberais ortodoxos, que defendiam o emprego dos capitais nacionais na agricultura, deixando a importação ou a produção de artigos industriais a cargo de companhias estrangeiras.
Uma vez que essa posição encontrava numerosos adeptos entre políticos e ministros, não é de se estranhar a boa acolhida dada ao capital internacional. Embora em uma escala bem menor do que a registrada na década de 1950, esses investimentos atingiram, durante a República Velha, numerosos e diversificados setores de nossa economia. Entre estes, incluíam-se ramos tradicionais, como os das estradas de ferro e de bondes, ou ramos vinculados à energia, como os investimentos da Light e da General Electric, ou à indústria farmacêutica, com os investimentos da Rhodia e da Bayer, ou ainda atividades vinculadas à fabricação de carros e pneus, com a instalação da fábrica da Ford e da Goodyear. Empresas aqui instaladas nos anos 1920, data, aliás, em que São Paulo desponta como principal centro industrial, relegando o Rio de Janeiro ao segundo lugar.
Bibliografia:
DEL PRIORE, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.