Resumo de Nasce a República, capítulo de Uma Breve História do Brasil de Mary Del Priore e Renato Venâncio. Boa leitura!
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Em novembro de 1889, as relações entre o Exército e o governo imperial estavam deterioradas. Na manhã do dia 15, os acontecimentos se precipitaram. DEODORO DA FONSECA decreta a prisão do visconde do Ouro Preto, chefe do Gabinete e presidente do Conselho de Estado; a agitação do Exército toma conta das ruas e é proclamado o fim da monarquia; dois dias mais tarde, a família real embarca para a Europa, rumo ao exílio.
A quartelada de 15 de novembro foi uma surpresa; o movimento republicano, não. Desde o período colonial, várias revoltas, a começar pela INCONFIDÊNCIA MINEIRA, levantaram essa bandeira. Em fins do Império, o dado realmente novo foi o fato de esse movimento envolver agora a nata da elite econômica e também o de ser politicamente moderado e socialmente conservador.
Após o golpe, a defesa do antigo regime foi pequena: ocorreu apenas um pequeno levante em São Luís, Maranhão. A maior parte dos monarquistas se restringiu a escrever artigos e livros detratando o governo militar. Um partido defendendo a causa só foi criado seis anos após o golpe.
Os militares tinham razões para estar descontentes: a política de enfraquecimento e de desmobilização das forças armadas significou para eles que de nada havia valido o sangue derramado na GUERRA DO PARAGUAI. A fragilidade do regime alimentava-se ainda em outras fontes. A LEI DO VENTRE LIVRE descontentou a massa dos fazendeiros escravistas. A abolição sem indenização ampliou esse descontentamento.
Durante o Segundo Reinado, o governo imperial, a todo momento, interferiu na vida política, impedindo a perpetuação de uma mesma facção no poder – a prerrogativa facultada pelo PODER MODERADOR, de interromper as legislaturas e convocar novas eleições, possibilitava isso. Não sem razão, a monarquia passou progressivamente a ser vista como um obstáculo ao pleno domínio das oligarquias regionais. No Centro-Sul, essa queixa aliava-se a outra: apesar da superioridade populacional e econômica, a região mais rica do país possuía uma representação inferior à do Norte e do Nordeste. A distribuição desigual de recursos fiscais era consequência desse desequilíbrio político. Nos anos 1880, época em que o Império subsidiou, a juros 50% mais baixos do que os cobrados pelo mercado, a criação dos engenhos centrais baianos e pernambucanos, foi também o período em que, para cada mil-réis de impostos pagos pelos paulistas ao governo central, apenas 150 réis voltavam como benefícios. A monarquia, dessa forma, foi se distanciando dos segmentos mais importantes das elites regionais, que passaram a defender cada vez mais a descentralização e o federalismo, aliás, principais bandeiras do movimento republicano nascido em 1870.
A inabilidade política dos monarquistas estendeu-se, inclusive, à Igreja. No sentido de neutralizar a participação política dos padres – muito ativos nos movimentos separatistas posteriores à independência –, d. Pedro II promoveu bispos que se alinhavam à chamada corrente ultramontana. Tal segmento reunia correntes eclesiásticas que primavam pelo conservadorismo, pelo afastamento do clero das atividades partidárias e por uma defesa intransigente dos pontos de vista da Santa Sé.
Uma vez no poder, a nova elite eclesiástica implementou reformas semelhantes àquelas ocorridas no Exército. Até meados do século XIX, padres que quisessem conseguir uma boa colocação em paróquias que tivessem prestígio e fossem localizadas em cidades importantes, deveriam ser indicados pelos mandões da terra. Os bispos ultramontanos alteraram essa situação, o que levou a uma “profissionalização” do clero, selecionado, agora, segundo a formação moral, conhecimento e fidelidade à Igreja. Dentre as diretrizes ultramontanas constava a intolerância a outros cultos, inclusive à maçonaria, animosidade acentuada devido ao fato de os maçons, no Brasil, serem partidários do liberalismo e defensores do casamento civil e da liberdade religiosa.
Embora subordinado ao imperador pelo sistema de padroado, o clero brasileiro da segunda metade do século XIX passou a pregar abertamente contra os maçons, ameaçando inclusive ministros e políticos importantes, ligados à maçonaria, de excomunhão. Na década de 1870, os ânimos se acirraram, tendo ocorrido, sob acusação de insubordinação, prisões e condenações de bispos a trabalhos forçados. Apesar de não serem simpáticos à causa republicana, que também defendia o casamento civil, os membros da alta cúpula da Igreja tornaram-se críticos ferozes do governo de d. Pedro II.
Devido ao afastamento das elites civis, militares e eclesiásticas, o fim da monarquia nos anos 1880 era ao menos previsto. Paradoxalmente, esse tipo de regime, tido como elitista, tornou-se cada vez mais afastado das classes dominantes brasileiras, tendo como seus principais defensores os segmentos da camada popular. A abolição era a razão dessa repentina popularidade. No meio da escravaria, o impacto foi ainda maior. Alguns meses após o 13 de Maio, vários deles engrossaram as fileiras da Guarda Negra, com o objetivo de defender o regime, provocando desordens em comícios de republicanos ou atacando-os fisicamente.
Não faltavam motivos para os libertos do 13 de Maio desconfiarem da agremiação política nascida em 1870. Líderes importantes do movimento republicano viam compatibilidade entre republicanismo e escravidão. A facção paulista do partido defendia que a escravidão deveria acabar pela lenta difusão do trabalho livre, que tornaria antieconômica a compra de cativos.
Apesar de popular, a Guarda Negra, em razão da perseguição policial, desarticulou-se rapidamente, não sendo capaz de esboçar resistência à proclamação da República. Na realidade, o próprio governo monárquico inviabilizou que esse apoio alcançasse consistência. No início da década da abolição, cerca de 10% da população brasileira participava do sistema político. Esse índice não era baixo: em São Paulo, núcleo central do republicanismo, aproximadamente metade dos homens adultos – incluindo aí ex-escravos e analfabetos – era apta a votar. Em 1881, porém, uma reforma eleitoral acoplou à renda mínima a exigência de o eleitor ser alfabetizado. O resultado imediato de tal mudança foi uma dramática diminuição do número de eleitores. Na época da proclamação da República, apenas 1% da população participava do sistema político, restrição elitista que inviabilizou a via eleitoral como um possível recurso para a restauração do regime monárquico.
Por isso mesmo, é possível afirmar que, no processo de consolidação da nova ordem criada em 15 de novembro de 1889, bem mais importante do que a reação dos monarquistas e dos libertos, foram os conflitos que ocorreram no interior do movimento republicano. A começar pela divergência de perspectivas entre civis e militares. Enquanto os primeiros defendiam federalismo ou autonomia provincial, os últimos se mantiveram apegados à noção de regime centralizado, mais ainda, de ditadura republicana. Ideia inspirada pelo positivismo de Auguste Comte, que não via com bons olhos a democracia, o individualismo e o liberalismo. Segundo esse autor, a sociedade moderna deveria ser gerida de maneira autoritária, por um conjunto de sábios voltados ao bem comum.
Assim, um grupo de militares positivistas introduziu no debate político brasileiro a ideia da ditadura republicana. Tal perspectiva política fez sucesso, sendo também partilhada por aqueles que não seguiam os ensinamentos comtianos. Em 1891, cerca de um ano após sua eleição como primeiro presidente constitucional, o marechal Deodoro deu mostra disso, desrespeitando a Constituição e fechando o Congresso. Uma conspiração militar o forçou então a renunciar. Mas o vice-presidente, Floriano Peixoto, assumiu o poder acentuando ainda mais as tendências ditatoriais do regime. Além de não convocar novas eleições presidenciais conforme previa a Constituição, o Marechal de Ferro contrariou os interesses de diversos segmentos oligárquicos, nomeando interventores militares para os governos estaduais.
Em 1893, ao mesmo tempo em que no Rio de Janeiro ocorria a Revolta da Armada (motivada pelo descontentamento por parte da Marinha diante dos rumos tomados pelo novo regime), ocorreu, no Sul, a Revolta Federalista, na qual os grupos dominantes locais se dividiram entre facções a favor e contra Floriano Peixoto. Este, por sua vez, com o objetivo de conseguir recursos e milícias suplementares para os combates, aproximou-se de lideranças republicanas paulistas, abrindo caminho para a transição do poder para as mãos dos civis. Em 1894, com a eleição de Prudente de Morais, foi dado o primeiro passo e, em 1898, com Campos Sales, a transição se consolidou.
Bibliografia:
DEL PRIORE, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.