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Uma Breve História do Brasil: O Império Ameaçado

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Resumo de O Império Ameaçado, capítulo de Uma Breve História do Brasil de Mary Del Priore e Renato Venâncio. Boa leitura!

Entre 1864 e 1870 a GUERRA DO PARAGUAI vitimou milhares de paraguaios, brasileiros, argentinos e uruguaios, sendo por isso considerado o conflito sul-americano mais sanguinolento – e também o de mais longa duração – ocorrido durante o século XIX. Em relação ao Brasil, a guerra teve repercussões que foram muito além dos campos de batalha. Não sem razão, JOAQUIM NABUCO se referiu a essa guerra como o momento de apogeu e de início do declínio do Império.

Desde o período colonial, a região Sul era alvo de conflitos de fronteira. Uma vez independentes, os países que surgiram na bacia do Prata mantiveram as antigas rivalidades. Durante o século XIX, uma questão central para o Império era a de impedir o aparecimento de uma potência hegemônica na região. Por um lado, temia-se que se criasse um foco de irradiação republicana, tendo em vista que os países aí surgidos na luta contra a dominação espanhola adotaram essa forma de governo. Por outro, tal posição tinha por objetivo garantir a livre circulação de embarcações nos rios Paraná, Paraguai e São Lourenço, pois, sem essa “estrada fluvial”, o acesso ao Mato Grosso tornava-se bem mais dispendioso e arriscado, em razão das cachoeiras e dos índios bravios.

Em 1863 teve início um conflito no Uruguai entre as duas facções dominantes locais, denominadas blancos e colorados. Alegando a proteção dos interesses brasileiros – calculava-se que 10% da população uruguaia era composta por gaúchos que dominavam, por sua vez, cerca de 30% das terras agricultáveis –, o governo imperial, aliado ao argentino, apoiou os colorados. O Paraguai reagiu a essa intervenção, advertindo que a independência uruguaia era fundamental para o equilíbrio de poder na região. A intervenção brasileira prosseguiu, havendo, em outubro de 1864, atuação em terras uruguaias. O governo paraguaio então interceptou o navio mercante Marquês de Olinda e, em seguida, ocupou territórios brasileiros e argentinos. Era dado início à guerra. O Paraguai conseguiu suportar quase seis anos de ataques sucessivos. Em grande parte, isso foi possível graças ao envolvimento da quase totalidade de sua população civil.

A Inglaterra sempre esteve pronta a combater tendências expansionistas na bacia do Prata, importante porta de entrada de suas mercadorias. Além disso, o Brasil era, no mundo, o terceiro maior mercado importador de produtos ingleses e tradicional cliente de empréstimos internacionais. Tornara-se fundamental para a Inglaterra manter boas relações com o governo imperial. A confluência entre interesses regionais e os do Império britânico contribuiu para o surgimento da Guerra do Paraguai.

A Guerra da Tríplice Aliança teve repercussões não previstas. No lado brasileiro, a mais importante delas diz respeito à quebra da forma tradicional de defender a fronteira meridional. Normalmente, nas suas incursões na bacia do Prata, o governo imperial dispensava o uso das forças armadas regulares, deixando essa tarefa para as denominadas troupilhas gaúchas, comandadas por proprietários rurais e seus subordinados.

Por dependerem dessa forma tradicional de defesa, os dirigentes do Império não estavam preparados para enfrentar um conflito longo, como foi o da campanha do Paraguai. Na época em que a guerra foi deflagrada, o Exército brasileiro encontrava-se pouco organizado. No período posterior à independência, os oficiais – a maioria deles de origem portuguesa – eram vistos como suspeitos de participar de complôs com o objetivo de restaurar o Brasil à condição de colônia portuguesa; os soldados, por sua vez, em grande parte mercenários estrangeiros ou gente oriunda das camadas populares, eram encarados como ativos participantes de levantes urbanos, inclusive o que levou d. Pedro I a renunciar ao trono. Com a finalidade de neutralizar essa dupla ameaça, foi criada, nos anos 1830, a GUARDA NACIONAL, uma milícia formada por “cidadãos em armas”. O governo transferiu para os civis a responsabilidade de manutenção da ordem.

A Guarda Nacional fazia do senhor de escravo (o “fazendeiro coronel”) o principal elemento das forças armadas, o que permitiu ao Império desmobilizar e esvaziar o Exército regular. A Guerra do Paraguai, que durou quase seis anos (não os seis meses previstos), fez com que o governo imperial improvisasse um Exército, recorrendo à convocação de prisioneiros, escravos, libertos, índios e até mulheres e crianças. A primeira medida nesse sentido foi a criação, em 7 de janeiro de 1865, do Corpo de Voluntários da Pátria. O Exército podia admitir em suas fileiras todos aqueles que se apresentassem voluntariamente. O governo acenava com algumas vantagens para quem assim procedesse, oferecendo o dobro do soldo normalmente pago aos praças, indenização para as famílias dos mortos e gratificações e terras aos sobreviventes.

Tais medidas tiveram grande repercussão. Entre os 123 mil combatentes brasileiros na Guerra do Paraguai, 54 mil serviram em batalhões de voluntários da pátria. Muitos haviam sido coagidos pelas autoridades regionais a se alistar. Os próprios mandatários imperiais aprovaram legislação complementar à anteriormente mencionada, destinada a facilitar o recrutamento coagido. A lei de 8 de julho de 1865 foi um desses casos. Com ela criou-se uma espécie de vale-tudo do alistamento. Os testemunhos e documentos referentes a esse recrutamento mostram que ele teve por base as mais diferentes formas e expedientes: prisões eram esvaziadas, assim como crianças e vadios eram caçados pelas ruas das principais cidades brasileiras.

Havia ainda duas outras origens dos voluntários da pátria. Uma delas dizia respeito aos escravos que assentavam praça usando nomes falsos, legitimando um projeto de fuga e garantindo casa e comida nas fileiras do Exército. A outra decorria de uma antiga prática que consistia em pagar certa quantia, ou apresentar um escravo substituto, eximindo-se assim das fileiras do Exército. Esses recrutas saídos direto das senzalas para o campo de batalha acabavam tendo um desempenho medíocre no front. É provável que a maioria deles não tivesse a mínima ideia de por que estava lutando, e muitos, por temerem a reescravização, desertavam na primeira oportunidade, como ocorreu durante a RETIRADA DA LAGUNA, célebre batalha de 1867 em que se registrou a morte de trinta soldados, ao passo que cerca de duzentos praças “desapareceram” durante o conflito.

Não sem razão, as tropas brasileiras, em boa parte formadas por escravos, menores abandonados e criminosos, eram descritas como um bando de famintos, aventureiros e aproveitadores. Alfredo d’Escragnolle Taunay também indica a presença de mulheres nos campos de batalha. Assim, enquanto os homens entregavam-se ao roubo, jogatina e comércio, suas companheiras se dedicavam ao saque, apoderando-se de mantos e ponchos de paraguaios mortos, ou sobreviviam graças à prostituição. Havia ainda casos-limite, como o de uma certa MARIA CURUPAITI, que, aos 13 anos, disfarçada de homem, foi aceita como voluntário da pátria, falecendo em combate.

Assim, a atuação do Exército brasileiro ficava comprometida. A falta de organização também se refletia no abastecimento: os soldados acabavam tendo de se alimentar quase exclusivamente de frutas, colhidas no campo paraguaio. Os oficiais, por sua vez, comiam carne de gado caçado no local. Rapidamente, porém, essas duas fontes de alimentos escassearam, dando origem a um quadro de fome crônica.

Mal alimentados, com vestimentas não preparadas para o clima local, os soldados adoeciam facilmente de beribéri, malária, varíola, cólera-morbo e pneumonia. Por isso, ao longo dos anos da guerra, foi se consolidando entre os oficiais a opinião de que o principal inimigo do Exército eram os políticos do Império, que haviam abandonado a instituição, substituindo-a em grande parte pela Guarda Nacional. Tal situação ficou ainda mais agravada após o término da guerra, quando então ressurgiu a tendência favorável à desmobilização e ao esvaziamento do Exército. Contra essa política, os militares se uniram e, em razão dos sacrifícios e sofrimentos vividos nos campos de batalha, construíram uma identidade positiva e até heroica da instituição a que serviam. É nesse contexto que surgiu o que se costuma denominar “oposição militar” ao Império, elemento central no processo de declínio e colapso do governo monárquico inaugurado em 1822.

Bibliografia:

DEL PRIORE, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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