Uma Breve História do Brasil – Mobilidade e Diversificação

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Resumo de Mobilidade e Diversificação, capítulo de Uma Breve História do Brasil de Mary Del Priore e Renato Venâncio. Boa leitura!

A Colônia se diversificara. As formas de ocupação que haviam garantido a presença portuguesa entre os séculos XVI e XVII, ou seja, o latifúndio e a monocultura, passaram a conviver crescentemente com outras atividades econômicas, como a a mineração de ouro e diamantes no século XVIII.

A necessidade de escravos, primeiro para o açúcar e depois para as minas, criou um grupo de homens poderosos: os negociantes de grosso trato, também chamados de comerciantes por grosso. Homens brancos de origem portuguesa que, inicialmente de Lisboa e posteriormente do Rio de Janeiro e da Bahia, negociavam com as mais diferentes praças, como Inglaterra, Alemanha, Itália e outros reinos europeus; seus agentes comerciavam desde alimentos, bebidas e escravos até mercadorias de luxo, tais como perucas e tecidos finos.Um tal poder de fogo só demonstrava que a Colônia não era passiva. As trocas comerciais internas e externas permitiam a relativa autonomia de várias regiões do Brasil.

A imensidão territorial da América portuguesa gerou, contudo, o aparecimento de comerciantes volantes, gente acostumada a percorrer grandes distâncias levando seus produtos em uma ou outra direção. Na sua maioria, era gente branca, nascida no Brasil, e que aparece na documentação de época sob a denominação de “americano”. Em razão dos produtos que carregavam consigo, podiam também ser chamados viandantes, tratantes, comboeiros ou condutores. Os viandantes, como não precisavam de grande capital, preferiam trabalhar, mediante comissão, para o colega de grosso trato. Entre os tratantes, à frente de negócios de risco, não faltaram os que colocaram a vida em perigo cobrando dívidas. Os camboeiros viviam basicamente de transportar escravos e iam munidos de pesados livros de contabilidade, capazes de dar conta da mercadoria humana. Os tropeiros traziam muares e cavalos dos currais do Sul ou do Nordeste para os mercados urbanos.

Paralelamente às diversas formas de comércio volante, a urbanização havia incrementado o mercado fixo. Este se dividia em lojas e vendas. As primeiras, grandes, encontravam-se nos centros urbanos, as segundas, menores, nas periferias. Ambas mercadejavam produtos secos e manufaturados como panos e ferramentas, além de bebidas e alimentos. Seus proprietários financiavam a atividade de comerciantes ainda menores que lhes traziam mercadorias dos portos distantes, além de manter caixeiros, escriturários e guarda-livros, encarregados de cobranças e listas de estoque. À frente desse comércio se destacavam as mulheres: brancas, mulatas ou negras, elas se instalavam nas periferias urbanas e nos caminhos mais frequentados, explorando, além de mercadorias, a venda de bebidas e a prostituição. As mulheres eram também maioria no pequeno comércio, no qual exploravam os escravos de ganho – cativos e cativas que circulavam pelas ruas oferecendo bebidas, alimentos e panos. Na escala mais baixa ficavam as “mulheres de tabuleiro”, responsáveis pela venda de pastéis, bolos, doces, mel e os quitutes regionais.

No comércio também vamos encontrar ciganos. Empregavam-se no trabalho de metais: eram caldeireiros, ferreiros, latoeiros; as mulheres rezavam quebranto e liam a sina. Seu negócio era a exploração do ouro de Minas, a barganha de cavalos e o tráfico de escravos.

A vida urbana também trouxe para a cena outros atores. Os artesãos, por exemplo. Tanoeiros, calafates, alfaiates, carpinteiros, prateiros, ourives e sapateiros espalhavam-se pelas ruas mais importantes, nelas se agrupando por atividade. Mulheres, da mesma forma, ofereciam em lojas seus serviços de bordadeiras, costureiras, chapeleiras e fabricantes de flores de penas, escamas ou asas.

No campo também foram registradas mudanças. Aí vamos encontrar tanto grandes senhores de escravos quanto pequenos proprietários, que contavam apenas com a mão de obra familiar ou combinavam diversas formas de trabalho livre com a escravidão. Vários desses pequenos produtores produziam para consumo interno da Colônia. Minas Gerais, por exemplo, enfrentando a crise do ouro de meados do século XVIII, expandiu a produção de milho, feijão, queijos e carnes salgadas de porco que eram drenadas para a capital carioca. No território paulista, em função do aumento crescente da população, a agricultura rústica ganhou impulso. Pequenas roças, abertas em clareiras de mata, produtoras de alimentos básicos para a família e com algum excedente para o mercado interno, conviviam com fazendas açucareiras voltadas para a exportação. Dispersos e isolados, os grupos de roceiros – “caiçaras” no litoral e “caipiras” no interior – acabavam por se tornar quase uma autarquia, dependendo da vila mais próxima apenas para efetuar trocas: mandioca, feijão, bananas e laranjas por ferro, sal, instrumentos agrícolas, armas e pólvora.

A alimentação era a mesma, seja na cuia de caipiras ricos, seja na de pobres. Cinco ingredientes básicos compunham o cardápio diário: fubá, mandioca, feijão, toicinho e açúcar, que formavam as quatro refeições servidas tanto a senhores quanto a escravos. Um calendário agrícola, herdado dos índios, dava lógica ao ciclo de plantações: os tubérculos eram semeados no primeiro ano da roça, entre agosto e setembro, ao passo que os cereais e as leguminosas, o café e a cana, eram plantados no ano seguinte. Derrubadas e queimadas eram feitas nos meses secos: julho e agosto.

A dispersão desses moradores irritava as autoridades “ilustradas e fisiocratas”, que a culpavam pela “pobreza” local. Contudo, pobreza bem maior era registrada em áreas urbanas, onde não havia a alternativa da agricultura de subsistência. Em alguns dos antigos núcleos auríferos de Minas, assombrava o número elevado de mulheres paupérrimas vivendo da prostituição. Famílias pobres amontoavam-se em cafuas espalhadas pelas encostas dos morros, cobertas com capim, tendo por chão a terra. Os viajantes cansaram-se de descrever a população “deploravelmente raquítica e pobre”, cujo olhar doentio resultava da alimentação miserável. O maior cuidado desses europeus que cruzaram o litoral e o interior do Brasil era o de não ser roubados quando cozinhavam os alimentos que levavam.

A esses pobres juntavam-se os vadios, indivíduos, segundo a legislação portuguesa, sem ocupação, sem senhor e sem moradia própria. Itinerância e ociosidade eram comportamentos julgados inadequados à ordem social, mas eram, também, a realidade de milhares de famílias que enchiam os campos e as cidades. Em tempos difíceis, essa gente metamorfoseava-se em andarilhos, mendigos e ladrões. Esses “pés leves”, “pés ligeiros” ou “gente sem eira, nem beira”, como eram conhecidos, possuíam sua lógica própria. Não se deixando explorar ou dominar pelo poder senhorial, distanciando-se da escravidão, reafirmando sua condição de livres, tornavam-se intoleráveis ao sistema. Eles violavam abertamente a premissa tão cara à sociedade patriarcal segundo a qual todo homem tinha que ter seu lugar, sua família e seu senhor. Mesmo a Igreja ajudava a patrulhar o trânsito desses “vagabundos” entre diferentes freguesias, exigindo-lhes a apresentação de papéis que comprovassem que haviam comungado pela Quaresma. Caso contrário, não obtinham licença para esmolar. A preocupação em dar-lhes utilidade era constante na correspondência das autoridades. Em 1770, d. José Luís de Menezes, conde de Valadares e governador de Minas Gerais, escrevia ao Morgado de Mateus: “De mulatos, cabras e mestiços abunda esta capitania fazendo-se muitos deles, pela sua vadiação e ociosidade, dignos de se fazerem sair desta capitania e de se empregarem com coisas úteis”.

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Bibliografia:

DEL PRIORE, Maryn e VENANCIO, Renato. Uma breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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