Resumo de Engenhos, Escravos e Guerras, capítulo de Uma Breve História do Brasil de Mary Del Priore e Renato Venâncio. Boa leitura!
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O plantio e o trato da cana-de-açúcar significavam a possibilidade de participar ativamente na estrutura de poder colonial. Mas apesar da aparência em contrário, mesmo os fazendeiros ricos alimentavam-se mal, comendo em excesso dura carne-seca. Só uma vez ou outra degustavam frutos ou legumes. A falta de boa comida era compensada pelos doces: goiabadas, marmeladas, doces de caju e mel de engenho e cocadas. O senhor de engenho sofria com doenças do estômago, atribuídas pelos doutores da época não à precária alimentação, mas aos “maus ares” do trópico.
A maior parte dos engenhos aninhava-se na mata, não muito distante dos centros portuários, devido à maior fertilidade dos terrenos e pela abundância de lenha, necessária às fornalhas, alimentadas por um trabalho, que às vezes ocupava o dia e a noite, de oito a nove meses, normalmente de julho/agosto de um ano a abril/maio do seguinte.
No interior das fortalezas de adobe e taipa, que eram as casas-grandes, reina a simplicidade e até o desconforto. O mobiliário era pobre e escasso, peças toscas, feitas pelo carpinteiro do engenho. À rigidez da casa opunha-se, em dias de festa, o exagero das vestimentas. Os casamentos festejavam-se com banquetes, touradas, jogos e vinho de Portugal. Sob o comando do senhor de engenho dobravam-se filhos, parentes pobres, agregados e escravos. Uma esposa, às vezes bem mais jovem, vivia para gerar filhos, desenvolvendo também uma atividade doméstica – costura, doçaria, bordados – alternada com práticas de devoção piedosa. Sua família era a formulação exterior de uma sociedade, mas não o domínio do prazer sexual. A possibilidade de se servirem de escravas criou no mundo dos senhores uma divisão racial do sexo. A esposa branca era a dona de casa, a mãe dos filhos. A indígena, e depois a negra e a mulata, o território do prazer.
O engenho de açúcar era uma estrutura complexa, que se expandiu no Nordeste do Brasil na sua forma clássica, ou seja, associada às grandes plantações e ao trabalho escravo, nos séculos XVI e XVII, aproximadamente. Desde o século XV, no Sul de Portugal e nas ilhas do Norte da África, a escravidão de negros em associação com engenhos de açúcar era comum. A importação de africanos cobria a falta de mão de obra, uma vez que as epidemias e a mortalidade ligadas ao trabalho forçado, associadas à fuga de tribos inteiras para o interior, acabaram por inviabilizar o trabalho cativo dos índios. Tratar escravos como “coisa” era natural, regra, aliás, seguida pela Igreja Católica, que os possuía às centenas. Mas o castigo físico exagerado era condenado.
Rações de farinha de mandioca ou milho, coquinhos, feijões e hortaliças compunham o cardápio dos moradores do engenho, e, por extensão, dos escravos. Carne de galinha era excepcionalmente servida aos doentes. A aguardente e a maconha (à época, fumo de Angola ou pango), trazida clandestinamente nos navios do tráfico, era utilizada para aliviar os sofrimentos do cativeiro. As roupas, por sua vez, eram raras.
Os escravos distinguiam-se em boçais – recém-chegados da África – e ladinos, os que entendiam o português. Estes grupos opunham-se aos crioulos, os nascidos no Brasil. Nações africanas e a cor mais clara da pele eram também fator de diferenciação. Aos crioulos e mulatos reservavam-se as tarefas domésticas, artesanais e de supervisão. Aos africanos, dava-se o trabalho mais árduo. Muitos recebiam em usufruto parcelas de terra onde podiam cultivar, nos fins de semana e feriados, produtos agrícolas mais tarde revendidos. Tal comércio permitiu a alguns comprar a própria liberdade.
A empresa do açúcar, no século XVII, ia de vento em popa e era alvo de grande cobiça por parte dos holandeses. Sobretudo porque, durante a Unificação Ibérica (1580-1640), foram proibidos por Felipe II de realizar negócios no Brasil. A política restritiva da Coroa espanhola estimulava, portanto, uma reação, cristalizada na invasão de Olinda e Recife entre fevereiro e março de 1630.
Enfraquecida pela Guerra de Trinta Anos (1618-48), a Espanha enviou para a colônia minguados reforços. Lisboa pouco podia interferir, fazendo-se a resistência à custa e nas costas dos luso-brasileiros. Preocupados em consolidar o domínio da terra e reconstruir a economia, os dirigentes da Companhia das Índias Ocidentais enviam para cá João Maurício, conde de Nassau-Siegen, com o título de governador-geral do Brasil. Ele chegou a Recife a 23 de janeiro de 1637, apressando-se em esmagar os últimos focos de resistência. Nassau empenhou-se em transformar a vila, mandando construir dois palácios: o de Vrijburg, para a sede do governo, e o outro, o de Boa Vista, para sua residência. Entre os dois, ergueu a cidade de Maurícia; no Recife, a pequena aglomeração de 250 casas passou para aproximadamente 2 mil. Dos engenhos existentes nas capitanias de Itamaracá, Paraíba e Rio Grande do Norte, quase a metade foi abandonada pelos proprietários, confiscada ou vendida pelo governo holandês entre 1637 e 1638. Os vazios criados pelo abandono dos engenhos foram preenchidos por holandeses, judeus e luso-brasileiros, graças ao financiamento providenciado pela Companhia. Criou-se, assim, um grupo de novos proprietários interessados no sucesso da empreitada flamenga.
Contudo, o colapso do preço do açúcar na bolsa de mercadorias de Amsterdã entre 1642 e 1644 destruiu o otimismo. Em 1642, com Nassau ainda no comando, começaram a chover notícias sobre a ruína de comerciantes do Recife, ruína que empurrara para a falência grandes mercadores flamengos. O preço dos imóveis começou a cair, seguido da contração da venda de escravos e do tráfico marítimo. Para culminar, as ações da Companhia despencaram.
No plano político, fatos ajudariam a precipitar a restauração de Pernambuco. Na Holanda, insatisfeitos com as despesas e prejuízos, os diretores da Companhia exigiram o retorno de Nassau, que regressou em 1644. Forças luso-brasileiras fustigavam as fronteiras do território ocupado pelos holandeses, encorajando pequenas revoltas e guerrilhas. No ano seguinte, o Maranhão seria abandonado, e no Ceará a guarnição flamenga acabaria massacrada por índios bravios. Em 1645, rebentava a revolta de Pernambuco, que ganhou o conjunto dos territórios outrora ocupados pelos holandeses.
Tropas regulares sob o comando do governador da Bahia, Antônio Telles da Silva, invadiram os territórios antes ocupados, somando aos seus os exércitos comandados por Felipe Camarão e Henrique Dias. Encontraram pela frente soldados enfraquecidos pela partida de seu chefe militar, Nassau, e desestimulados pelo atraso no pagamento de soldos. Multiplicavam-se as deserções. A guerra foi declarada em 1646. Duas batalhas campais, em Guararapes, selaram, entre 1648 e 1649, o destino dos holandeses.
Portugal resolveu intervir num momento em que os holandeses confrontavam a Inglaterra de Cromwell. Uma guerra iniciada em 1652 absorveria todas as forças, armas e esquadras das Províncias Unidas. Em 26 de janeiro de 1654, pressionados por terra e mar, renderam-se os poucos pontos que os holandeses ainda mantinham no litoral. Em poucos dias, recuperou-se o Recife.
As guerras do açúcar tiveram sérias consequências para o Nordeste. Foram necessárias décadas para que Pernambuco voltasse a integrar a empresa do açúcar. Em longo prazo, comerciantes judeus e agricultores holandeses transferiram para as Antilhas o conhecimento de técnicas agrícolas aprendidas no Brasil. A tendência foi acompanhada por franceses e ingleses, e a presença de um maior número de produtores no mercado mundial empurrou a economia da Colônia para uma grande crise, da qual só sairia com a descoberta de ouro em Minas Gerais.
BIBLIOGRAFIA:
DEL PRIORE, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.