Resumo de O Passado do Século XXI & Conclusão de Uma Breve História do Brasil, obra de Mary Del Priore e Renato Venâncio. Boa leitura!
…
Em 1° de janeiro de 2003, Luiz Inácio Lula da Silva assume a presidência do Brasil. Em um país que, durante mais de dez anos – incluindo o período de governo de Fernando Collor (1989-92) e o de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) –, foi dominado por políticas sociais e econômicas definidas como neoliberais, tratava-se de uma mudança surpreendente. A eleição do presidente Lula é a ascensão da geração revolucionária da década de 1960. Uma vez no poder, mutações nos antigos projetos políticos são registradas.
Ao final dos anos 1980, nasce uma palavra: mundialização ou globalização. A constituição de um planeta geofinanceiro talvez seja seu aspecto mais espetacular. As múltiplas operações de concentração e de fusão ou aquisições nos setores da comunicação, bancos, automotivo e da eletrônica conhecem um florescimento fenomenal. A mundialização também abre os ex-países comunistas para o capitalismo, acelera o crescimento do comércio mundial, faz desabrochar os “mercados emergentes”.
Entre os partidos de esquerda, a revolução dá lugar a posturas reformistas. Procura-se diminuir os efeitos negativos da globalização, criando-se formas de proteger o sistema econômico nacional. O programa econômico herdado do governo anterior, em larga medida, é mantido. Em 2003, outras medidas confirmam a tendência moderada então predominante, como o reconhecimento dos contratos de venda de empresas estatais ao capital internacional e a concessão de tímido aumento do salário-mínimo, não incluindo nele as perdas registradas nos anos anteriores.
A dimensão moderada da nova ordem política tinha raízes profundas. No início da década de 1990, o curto mandato de Fernando Collor revela os riscos da ausência de coalizão política no Congresso Nacional. Apesar de o “caçador de marajás” defender um projeto econômico ao gosto das elites tradicionais, sua desastrada atuação diante dos partidos políticos – paralelamente às denúncias de corrupção – criara condições para o impeachment.
Não por acaso, durante a campanha presidencial de 2002, o Partido dos Trabalhadores, estrategicamente, estabelece uma aliança com o Partido Liberal (PL), acolhendo o empresário José Alencar como candidato à vice-presidência na chapa liderada por Lula. O PL não possuía uma força eleitoral expressiva. No entanto, essa aproximação política simboliza a defesa de um governo de coalizão. A nova eleição revela, de fato, que a viabilidade do governo depende de múltiplos acordos partidários: os partidos que governaram durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso – PSDB, PFL, PMDB e PPB – continuaram dominando mais da metade das bancadas da Câmara dos Deputados e do Senado.
A ampliação das alianças do PT, que incluíam o PTB e o PMDB, é fundamental para viabilizar o novo governo. No entanto, implica violentas lutas políticas e, bem pior ainda, o estímulo à ilegalidade. Misturando frustração de demandas não atendidas com corrupção, o escândalo do Mensalão – ou seja, a compra de votos de deputados –, domina os debates políticos do final do primeiro mandato do presidente Lula (2002-06).
Malgrado o desgaste público, o presidente se reelege em 2006. Na raiz desse sucesso estão as diferentes políticas implementadas: a inflação sob controle, a dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) zerada e a balança comercial com resultados dobrados entre 2003 e 2005. O quadro de otimismo é embalado por outra novidade de grande impacto: o ano da reeleição é aquele em que o Brasil comemora a autossuficiência na produção de petróleo. Paralelamente a isso, políticas educacionais destinadas às classes C e D ampliam ainda mais a base de apoio do presidente petista. O Programa Universidade para Todos (ProUni) é um exemplo desta iniciativa. Criado em 2004, sua finalidade foi a de conceder bolsas de estudo integrais e parciais em instituições privadas de educação superior, garantindo o ingresso progressivo de grupos sociais excluídos em faculdades e universidades.
A primeira década do século XXI registra também transformações culturais intensas. Graças à disseminação da pílula e à crescente participação feminina no mercado de trabalho, segundo cálculos do IBGE, nesta década, metade dos domicílios chefiados por mulheres têm filhos de pais ausentes. Uma mudança importante se dá para as minorias: marchas e paradas gays protagonizam os maiores movimentos de massa da década, reunindo milhões de militantes e simpatizantes.
Também são registradas mudanças no domínio das religiosidades. Crenças se multiplicam sob novas formas. Assiste-se ao crescimento das igrejas evangélicas. Dentro da Igreja Católica expande-se um ramal evangélico, o Movimento de Renovação Carismática, com o objetivo de reenergizar o catolicismo. Com danças e cantos, os carismáticos ocupam a mídia e os templos católicos.
Os primeiros anos do século XXI trouxeram mudanças para o país e também para o mundo. É preciso conhecê-las e refletir sobre elas. Mas as consequências de tantas transformações caberá aos historiadores de amanhã analisar.
CONCLUSÃO
O passado é infinito. O relato dos acontecimentos de apenas um dia poderia ocupar centenas de páginas sem nunca chegarmos a esgotá-los. O conhecimento do passado também é dificultado em função dos testemunhos que dele sobrevivem, quase todos sob a forma de documentos escritos e, portanto, dependentes da alfabetização. Por isso, sabemos mais a respeito de regiões ricas do que de pobres, de livres do que de escravos, de empresários do que de trabalhadores, de homens do que de mulheres, de adultos do que de crianças…
Em nosso sucinto relato, procuramos traçar as linhas gerais de nossa experiência, tendo em vista os momentos críticos, que nos auxiliam a compreender de forma coerente nossa história.
O primeiro desses momentos foi aquele referente ao período colonial, quando então surgiu uma economia voltada ao suprimento de matérias-primas para Portugal e seu comércio internacional. Embora escravista, baseada na monocultura e no latifúndio, não faltaram nessa América portuguesa regiões em que o trabalho livre se fazia presente, em que camponeses, tropeiros e comerciantes progressivamente garantiram certa autonomia do mundo colonial, não mais simples reflexo das intenções reinóis.
Outro momento importante foi aquele que se estendeu da crise do sistema colonial à independência. Não há como negar que, em nosso processo de ruptura com Portugal, a transferência da família real foi um fator decisivo. Após 1822, a partir da corte do Rio de Janeiro, foram derrotados projetos de independência alternativa, ao mesmo tempo em que a monarquia conseguiu se legitimar diante das elites regionais. Forjou-se nossa identidade nacional, assim como, através da combinação de uma política emancipacionista e de incentivo à imigração europeia, foi extinto o sistema escravista.
Uma terceira fase: aquela em que a República foi proclamada, levando à descentralização das estruturas de poder, o que ampliou as práticas de dominação coronelistas. A crise do regime, registrada em fins dos anos de 1920, levou a uma nova forma de governo centralizado, destinado a enquadrar politicamente os segmentos populares e a aumentar a intervenção estatal no sistema econômico. Em meados do século XX, a industrialização tornou-se o principal elemento de nosso desenvolvimento. Teve início um processo que se desenvolve até o presente e que consiste em optar entre o nacionalismo e a internacionalização da economia. A última opção tem prevalecido tanto no período da ditadura militar como no da redemocratização.
Eis os traços gerais de uma breve história do Brasil.
Bibliografia:
DEL PRIORE, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.