Resumo de Uma Democracia de Massa, capítulo de Uma Breve História do Brasil de Mary Del Priore e Renato Venâncio. Boa leitura!
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Entre 1978 e 1979, o processo de abertura política é consolidado. Ao longo desses anos revoga-se o AI-5, suspende-se a censura, assim como é decretada a anistia aos presos políticos. Na sucessão presidencial, Geisel consegue impor seu sucessor, general João Baptista de Oliveira Figueiredo, consagrando mais uma etapa no “lento e gradual processo” de abertura política. A etapa seguinte consiste na manutenção da base parlamentar, permitindo ao segmento militar eleger o próximo presidente. Com o intuito de alcançar este objetivo, garante-se que a Arena, agora sob a sigla Partido Democrático Social (PDS), se mantenha praticamente intacta, enquanto a oposição se fragmenta em vários partidos: PMDB, PP, PTB, PDT e PT.
Os segmentos mais autoritários do regime militar continuam se manifestando através de atentados, como o ocorridos em 1981: no Riocentro, por ocasião de um show de música popular, na véspera do 1° de Maio, explodem duas bombas no interior de um automóvel. Dentro do veículo estavam um sargento e um coronel do Exército. As investigações são conduzidas de forma tendenciosa, procurando-se atribuir a ação terrorista a grupos esquerdistas. Essa explicação não convence nem mesmo as autoridades militares.
Foi nesse contexto que a crescente mobilização popular passa a ditar o ritmo da transição do regime. Se na primeira fase ela é comandada quase exclusivamente pelos quartéis, agora tem como contrapeso a força das ruas. Razões para a insatisfação popular não faltavam. No ano de 1981 inicia-se uma grave recessão que se estende por três anos. A inflação, que atinge taxas elevadíssimas, associa-se agora à estagnação ou ao declínio econômico – a industrialização amarga uma crise sem precedentes.
A participação popular no processo de abertura, de certa maneira, reflete um descontentamento coletivo diante dos rumos da sociedade brasileira. O primeiro grande teste desse sentimento foram as eleições de 1982. O PDS consegue manter a maioria dos governos estaduais e das cadeiras no Senado, mas não as da Câmara de Deputados. A oposição está suficientemente fortalecida a ponto de lançar um movimento pelo retorno das eleições diretas para presidente, o Diretas-Já; desde 1964 esse processo é controlado, por intermédio do Congresso Nacional, pelas forças armadas. Em 1984, a emenda Dante de Oliveira – que restabelece a eleição direta para presidente – é proposta ao Congresso. No entanto, por falta de quórum, não é votada.
Pela primeira vez em vinte anos, os militares não controlam mais a sucessão presidencial. Paulo Maluf vence com facilidade a convenção do PDS, habilitando-se à sucessão presidencial. Tal vitória, porém, leva a uma fragmentação do partido, dando origem ao Partido da Frente Liberal (PFL). Formado por grupos derrotados na convenção que elegeu Maluf, tal partido se aproxima da candidatura oposicionista de Tancredo Neves, do PMDB. A aliança implica ceder a vice-presidência a um membro do PFL, no caso José Sarney.
Em 15 de janeiro de 1985, a oposição chega ao poder. A campanha, porém, é exaustiva para o candidato vitorioso. Com mais de 70 anos e saúde debilitada, Tancredo Neves morre antes de tomar posse. O vice-presidente José Sarney dá início a uma política de tentativa de contenção da inflação – que, em 1989, chega a atingir índice anual superior a 1.000%. Os planos econômicos se sucedem. Durante seu mandato, organiza-se um grupo parlamentar autodenominado Centrão, através do qual é barganhado apoio político – como a ampliação em um ano do mandato presidencial – em troca de cargos públicos ou de concessões de canais de televisão e emissoras de rádio.
Apesar de tudo, o novo período é marcado por avanços democráticos significativos. O mais importante deles é a convocação de uma Constituinte, reunida em 1988 e destinada a pôr abaixo a legislação antidemocrática. Pela primeira vez, é facultado aos analfabetos e aos maiores de 16 anos o direito de voto. A participação eleitoral amplia-se: na Primeira República (1889-1930), em média, apenas 2,5% da população brasileira tinha direito a voto; em 1986, 51% da população pode se expressar nas urnas. O Brasil, enfim, conhece uma democracia de massa.
Não por acaso, essa crescente participação popular – registrando-se inclusive, em 1988, a vitória do Partido dos Trabalhadores na sucessão da prefeitura de São Paulo – fez renascer o discurso anticomunista. A eleição que definiria o sucessor de Sarney, a primeira feita pelo voto direto em mais de um quarto de século, é polarizada por forças políticas de direita e de esquerda.
Por meio de uma coligação de pequenos partidos – Partido da Reconstrução Nacional, Partido Social Cristão, Partido Social Trabalhista e Partido Renovador Trabalhista –, Fernando Collor de Mello, político originário do PDS e eleitor de Paulo Maluf na eleição presidencial de 1985, candidata-se à presidência. Concorrendo com ele há Ulisses Guimarães (PMDB), Aureliano Chaves (PFL), Mário Covas (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Paulo Maluf (PDS) e Leonel Brizola (PDT).
Até março de 1989, Fernando Collor ocupa uma posição modesta nas intenções de voto. A partir daquele mês, passa a liderar a campanha presidencial. Não por acaso, no referido mês de março, começam os programas eleitorais dos partidos da coligação a que ele pertencia. A eleição de 1989 mostra uma nova faceta da democracia: o peso dos meios de comunicação de massa, principalmente a televisão. O apoio velado dado pelos partidos majoritários no primeiro turno torna-se apoio declarado no segundo. Seu governo, porém, dura apenas dois anos, encerrando-se em 1992, em meio a um processo de impeachment, fruto de uma crise econômica, assim como por comportamentos hostis ao Congresso e pela corrupção.
Uma vez mais, coube a um vice-presidente, Itamar Franco, assumir o posto presidencial. A herança de Collor é nefasta. Seu fracassado plano econômico, de confisco dos ativos financeiros (incluindo aí os recursos das cadernetas de poupança), cria um clima de descrédito em relação às políticas anti-inflacionárias. Além de não ser bem-sucedido, o novo plano lança o país em uma profunda recessão. Em 1993 já se discute abertamente o processo sucessório. Contudo, em agosto daquele ano é dado início a um novo plano econômico. Ao contrário do precedente, o Plano Real foi concebido como um processo de estabilização a ser implantado aos poucos.
A inflação começa finalmente a cair continuamente. Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda, procura capitalizar para si os dividendos dessa vitória. Em março de 1994, como candidato do PSDB, alia-se ao PFL e prepara caminho para receber um discreto apoio do antigo PDS, agora sob a sigla de PPB.
Fazendo de sua bandeira o prosseguimento do Plano Real, a eficiência administrativa e a reforma do Estado, Fernando Henrique vence as eleições de 1994. Quatro anos mais tarde, o Congresso aprova o dispositivo da reeleição. O presidente em exercício mais uma vez sai vitorioso. Durante oito anos de mandato são implementadas medidas econômicas voltadas à internacionalização da economia, privatização de empresas estatais, desregulamentação de mercados e controle dos gastos públicos. Incentivos são postos em prática para atrair os investimentos do capital estrangeiro, ao mesmo tempo em que, para se manter a estabilidade econômica, o país entra em uma nova espiral de endividamento externo e de desemprego crônico. Definida genericamente como neoliberal, tal política gerou controvérsias e ácidas críticas.
Bibliografia:
DEL PRIORE, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.