Resumo de Weber – Sociologia da Religião. Capítulo de As Etapas do Pensamento Sociológico de Raymond Aron. Boa leitura!
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No pensamento weberiano a moral da convicção aparece como uma das expressões possíveis da atitude religiosa. WEBER costumava citar a fórmula “oferecer a outra face”: o cristão que por um esforço de vontade deixa de responder a uma ofensa está agindo com grandeza; aquele que faz o mesmo por fraqueza, ou medo, é desprezível. Para ser compreendida, toda atitude exige a percepção da concepção global da existência que anima o ator e na qual ele vive. Este é o ponto de partida do estudo weberiano no campo da sociologia da religião.
Weber quis demonstrar que a conduta dos homens só pode ser compreendida dentro do quadro da concepção geral que esses homens tem da existência. Os dogmas religiosos, e sua interpretação, são partes integrantes dessa visão do mundo; é preciso entendê-los para compreender a conduta dos indivíduos e dos grupos. Por outro lado, Weber quis provar que as concepções religiosas são um determinante da conduta econômica. Sobre estes dois pontos o estudo mais elucidativo é o que Max Weber dedicou às relações entre o espírito do capitalismo e a ética protestante.
Segundo Max Weber, não há um capitalismo, mas capitalismos. Toda sociedade capitalista apresenta singularidades que não encontramos em outras sociedades do mesmo tipo. É válido, portanto, construir um tipo ideal do capitalismo, isto é, uma definição centrada em torno de certas características escolhidas porque nos interessam particularmente, e porque comandam uma série de fenômenos subordinados.
Segundo Max Weber, é a união do desejo de lucro e da disciplina racional que constitui o traço singular do capitalismo ocidental. Em todas as sociedades conhecidas houve sempre indivíduos ávidos de dinheiro, mas o que é raro é o fato de este desejo tender a satisfazer-se não pela conquista, especulação ou aventura, mas pela disciplina e pela ciência.
Diz Weber que o capitalismo ocidental não teria sido possível sem dois outros fatores importantes: a separação entre a família e a empresa, que domina toda a vida econômica moderna; e a contabilidade racional, que lhe é intimamente associada. Sem a organização racional do trabalho capitalista, todos estes fatos, estariam longe de ter a mesma significação. No sentido weberiano, a burocracia é a organização permanente da cooperação entre numerosos indivíduos, na qual cada um exerce uma função especializada. O burocrata exerce uma profissão separada da sua vida familiar, afastada da sua individualidade.
Há o problema de saber como este regime foi instituído. A tese de Max Weber é a da adequação significativa do espírito do capitalismo e do espírito do protestantismo. Esta tese pode ser apresentada assim: ajusta-se ao espírito de um certo protestantismo a adoção de uma certa atitude em relação à atividade econômica, que é ela própria adequada ao espírito do capitalismo. Há uma afinidade espiritual entre uma certa visão do mundo e determinado estilo de atividade econômica.
A ética protestante mencionada por Max Weber é basicamente a concepção calvinista, que ele resume em cinco proposições, inspirando-se no texto da Confissão de Westminster, de 1647: existe um Deus absoluto, transcendente, que criou o mundo e o governa, mas que não pode ser percebido pelo espírito finito dos homens; esse Deus todo-poderoso e misterioso predestinou cada um de nós à salvação ou à condenação, sem que possamos modificar este decreto divino; Deus criou o mundo para sua glória; o homem tem o dever de trabalhar para a gloria de Deus e de criar seu reino sobre a terra; as coisas terrestres, a natureza humana pertencem à ordem do pecado e da morte; a salvação só pode ser para o homem um dom totalmente gratuito da graça divina.
Neste mundo de pecado, o crente não pode saber se será salvo ou condenado. Por uma inclinação não-lógica, mas psicológica, procurará no mundo os sinais da sua escolha. Max Weber sugere que é assim que certas seitas calvinistas terminaram por ver no êxito econômico uma prova dessa escolha de Deus. O trabalho racional, regular, constante, termina sendo interpretado como a obediência a um mandamento divino.
Opera-se, além disso, uma convergência entre certas exigências da lógica teológica e calvinista e determinadas exigências da lógica capitalista. A ética protestante convida o crente a desconfiar dos bens deste mundo, e a adotar um comportamento ascético. Ora, trabalhar racionalmente tendo em vista o lucro, e não gastá-lo, é uma conduta necessária ao desenvolvimento do capitalismo, sinônimo do reinvestimento contínuo do lucro não consumido. É aí que aparece a afinidade espiritual entre uma atitude protestante e a atitude capitalista. De acordo com Max Weber, a ética protestante proporciona uma explicação e uma justificativa deste comportamento estranho, de que não há exemplo nas sociedades não-ocidentais, a busca do lucro máximo, não para gozar a vida, mas para a satisfação de produzir cada vez mais.
Max Weber mostra que há organizações inteligíveis do pensamento e da existência que, embora não sejam científicas, não são destituídas de significação. Tende a reconstruir estas lógicas pelas quais se passa, por exemplo, da incerteza sobre a salvação para a procura de sinais de eleição. Trata-se de uma passagem inteligível, sem que no entanto se ajuste propriamente às regras do pensamento lógico-experimental.
O que Weber demonstra é que a direção do interesse de cada um é orientada pela sua visão do mundo. Esta afinidade entre o espírito do capitalismo e a ética protestante torna inteligível o modo como uma forma de conceber o mundo pode orientar a ação. O estudo de Weber permite compreender de forma positiva e científica a influência dos valores e das crenças nas condutas humanas. Mostra a maneira como opera, através da história, a causalidade das ideias religiosas.
O tema central da sociologia weberiana das religiões é uma ideia simples e profunda. Para compreender uma sociedade ou uma existência humana é necessário identificar sua lógica implícita, a partir das concepções metafisicas ou religiosas. Weber demonstra que existe uma racionalidade nas religiões e nas sociedades que não é uma racionalidade científica, mas não deixa de ser uma atividade do espírito a partir de princípios.
A sociologia da religião de Max Weber se baseia numa interpretação da religião primitiva muito próxima da concepção de DURKHEIM em As formas elementares da vida religiosa. Weber considera como o conceito mais importante da religião primitiva a noção de carisma, muito próxima da noção de sagrado (ou de mana) de Durkheim. O carisma é a qualidade de quem está fora do cotidiano. Há seres, animais, plantas e coisas carismáticas. O mundo primitivo comporta uma distinção entre o banal e o excepcional (para me exprimir em termos weberianos) e entre o profano e o sagrado (para usar conceitos de Durkheim).
O ponto de partida da história religiosa da humanidade é, portanto, um mundo povoado de sagrado. Seu ponto de chegada, em nosso tempo, é o que Max Weber caracterizou como o desencantamento do mundo. O sagrado, ou excepcional, desapareceu, expulso pelos homens. Neste mundo material, desencantado, a religião tem de se retirar para a intimidade da consciência, ou escapar para além de um deus transcendente e um destino individual depois da existência terrena. A força religiosa e histórica que rompe o conservadorismo ritualista e os laços estreitos que unem o carisma e as coisas é o profetismo. Este é religiosamente revolucionário, porque se dirige a todos os homens e não apenas aos membros de um só grupo étnico ou nacional, e porque estabelece uma oposição fundamental entre este mundo e o outro, entre as coisas e o carisma.
Há um duplo conflito implícito entre o universo da religião e o da ciência. A ciência experimental e matemática expulsou deste mundo o sagrado. Por outro lado, a ciência leva a uma crise espiritual, pois, uma concepção religiosa do mundo dava um significado aos seres, aos acontecimentos e ao destino individual. O cientista sabe que jamais encontrará uma resposta definitiva; não ignora que seu trabalho será ultrapassado, pois a ciência positiva é por essência um processo, que nunca chega ao fim. Há, portanto, uma contradição fundamental entre o saber positivo, demonstrado mas inacabado, e o saber nascido das religiões, que não pode ser provado mas que dá resposta as questões essenciais. Segundo Max Weber, os homens hoje só encontram resposta a tais questões através de uma decisão individual, arbitrária e incondicional. Cada um de nos deve escolher seu Deus, ou seu demônio.
Bibliografia:
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.