Resumo do verbete Ditadura, presente em Dicionário de Política, organizado por Norberto Bobbio. Boa leitura!
I. A DITADURA ROMANA E A CHAMADA “DITADURA CONSTITUCIONAL”. – A palavra Ditadura tem sua origem na “dictatura” romana. A Ditadura romana era um órgão extraordinário que poderia ser ativado dentro de limites constitucionalmente definidos para fazer frente a uma situação de emergência. Geralmente, tratava-se da condução de uma guerra, ou da solução de uma crise interna. Os poderes do ditador eram muito amplos, durante o período no qual exercia o cargo, seus decretos tinham o valor de lei.
Assim mesmo, não eram poderes ilimitados. O ditador não podia revogar ou mudar a Constituição, declarar a guerra, impor novos ônus fiscais aos cidadãos romanos, assim como não tinha competência na jurisdição civil. A Ditadura romana não podia durar mais de seis meses.
A palavra Ditadura, no nosso tempo, vem a ser algo muito diverso da Ditadura romana. A extensão do seu poder não está predeterminada pela Constituição: seu poder não sofre limites jurídicos. E sua duração não está antecipadamente fixada. Em resumo, a Ditadura romana é um órgão excepcional e temporário, a Ditadura moderna uma forma de Governo normal e durável.
II. DITADURA, DESPOTISMO, ABSOLUTISMO, TIRANIA, AUTOCRACIA, AUTORITARISMO. – Distingui e confrontei o uso romano e o uso moderno de Ditadura. É provável que o elo entre os dois diversos significados tenha de ser historicamente buscado na noção de “Ditadura revolucionária”. Nesta espécie de Ditadura, o poder ditatorial se impunha pelos fatos; a sua função era fundar um novo regime sobre as ruínas do precedente.
O que distingue sobretudo a Ditadura moderna da Ditadura romana, por um lado, e da “Ditadura revolucionária”, por outro, é a sua diferente conotação de valor. A Ditadura romana possui uma conotação tradicionalmente positiva, como um órgão capaz de defender a ordem constituída em face de crises de emergência; conotação positiva é também, pelo menos no início, a da “Ditadura revolucionária”, como Governo ditatorial provisório que preparava o caminho para a instauração de uma sociedade mais justa (a Sociedade dos Iguais). A Ditadura moderna tem, pelo contrário, uma conotação indubitavelmente negativa. Designa a classe dos regimes antidemocráticos ou não-democráticos modernos.
Para esclarecer o uso moderno de Ditadura, parece indispensável uma análise das relações existentes entre Ditadura e outros termos usados para denominar os regimes não-democráticos. Dentre eles, os mais relevantes são despotismo, absolutismo, tirania, autocracia e autoritarismo.
O despotismo foi adotado como sinônimo de absolutismo, para designar as monarquias absolutistas que se instauraram na Europa entre os séculos XVI e XVIII. O despotismo e o absolutismo são semelhantes à Ditadura pela concentração e pelo caráter ilimitado do poder, mas são substancialmente diferentes dela porque, tanto o absolutismo como o despotismo, são monarquias hereditárias e legítimas, enquanto a Ditadura é dotada de uma legitimidade precária. Não pode garantir sua própria continuidade nem com o processo democrático, de que é a negação, nem com o princípio hereditário, que contrasta com as condições políticas objetivas e com sua pretensão de representar os interesses do povo. Daí o caráter precário das regras de sucessão no poder.
Como substancialmente análoga à Ditadura moderna poderíamos citar a tirania, que dá maior ênfase à maneira cada vez mais exclusiva de exercer o poder. Na medida em que isto acontece, cada vez mais diminui a analogia do significado entre Ditadura e tirania.
Autocracia é um termo abstrato que denota um grau máximo de absolutismo na direção da personalização do poder. As Ditaduras são, por vezes, regimes autocráticos. Existem, porém, Ditaduras não-autocráticas, nas quais o poder está nas mãos de um pequeno grupo de chefes.
No uso mais comum e eficaz, fala-se de autoritarismo, contrapondo-o a totalitarismo, para designar apenas uma subclasse dos regimes não-democráticos modernos: os que possuem um grau relativamente moderado de mobilização política das massas e de penetração política da sociedade.
III. CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DA DITADURA. — São três as características fundamentais da Ditadura moderna: a concentração e o caráter ilimitado do poder; as condições políticas ambientais; a precariedade das regras de sucessão no poder.
O Governo ditatorial transforma em lei a própria vontade. Este absolutismo do poder ditatorial torna caracteristicamente imprevisível e irregular a conduta do ditador ou da elite ditatorial.
Passemos agora ao segundo ponto: o fundo social e político da Ditadura. O ambiente mais típico dos regimes ditatoriais é o de uma sociedade abalada por uma profunda transformação econômica e social, a qual ativa o interesse e a participação política de faixas cada vez maiores da população e faz emergir o princípio da soberania popular.
A contradição existente entre o ambiente que exige a legitimidade popular e a estrutura do poder ditatorial que a nega impõe que sua invocação seja mediada por um fator de ligação. Este fator intermediário pode ser o próprio ditador que, com seus dotes extraordinários, é considerado capaz de representar diretamente a vontade do povo (legitimidade de tipo carismático) e/ou um partido político que se autoproclame e se faça aceitar como vanguarda ou guia do povo (legitimidade fundada na ideologia de partido).
IV. TIPOLOGIAS. — Já têm sido propostas diversas classificações de Ditadura com base em vários critérios. Na natureza do poder, isto é, nos instrumentos de controle adotados pelas diversas Ditaduras se apoia a tipologia mais rica de conteúdo e geralmente mais utilizada. Trata-se da dicotomia de “Ditaduras autoritárias” e “Ditaduras totalitárias”. Conforme a proposta de Franz Neumann, trata-se da tripartição de Ditaduras “simples”, “cesaristas” e “totalitárias”. A “Ditadura autoritária” (ou “simples”) baseia-se nos meios tradicionais do poder coercitivo (exército, polícia, burocracia, magistratura). Temos o exemplo da Ditadura de Franco na Espanha.
A “Ditadura totalitária” emprega, além dos meios coercitivos tradicionais, o partido único de massa, tendo assim condições de controlar completamente a educação, os meios de comunicação e as instituições econômicas. Os exemplos clássicos são os da Alemanha nazista e os da Rússia do período stalinista. Entre estes dois tipos de Ditadura, Neumann coloca as “Ditaduras cesaristas” que são, geralmente, Ditaduras pessoais, caracterizadas pelo fato do ditador sentir-se obrigado a formar um apoio popular para conquistar ou exercer o poder. As “Ditaduras cesaristas” se distinguem das “totalitárias” porque não possuem um partido único de massa, nem outros instrumentos de controle e penetração total da sociedade. São exemplos de “ditaduras cesaristas” não-totalitárias, segundo Neumann, as de Pisístrato, de Júlio César, de Cola di Rienzo, de Cromwell e de Napoleão.
V. A DITADURA DO PROLETARIADO. – Em conexão com a base social dos regimes políticos, temos a noção marxista e leninista de “Ditadura do proletariado”. Tal noção designa não uma forma de regimento político, mas a relação implícita de hegemonia de uma classe social (o proletariado) sobre uma outra (a burguesia). Neste sentido, o significado de Ditadura, que é próprio da expressão “Ditadura do proletariado”, torna-se secundário e anômalo em relação àquele que foi tratado até agora.
Marx — que usou a expressão pela primeira vez na Luta de classe na França (1850) e a retomou especialmente na Crítica do programa de Gotha (1875) — nunca especificou, e declarou que não se podia especificar, a peculiar forma política que tal Ditadura deve assumir.
Com Lenin, a concepção do partido como “vanguarda do proletariado” e a do “centralismo democrático” são destinadas a transformar, de fato, a “Ditadura do proletariado” em específica Ditadura política de partido. Contudo, em Lenin, a expressão “Ditadura do proletariado” define uma relação subjacente entre as classes. Ditadura é um termo genérico que não pode servir para classificar os Estados, visto que os qualifica a todos. De qualquer modo, mesmo quem aceitar a tese marxista do Estado como instrumento de domínio de classe é obrigado a admitir que este domínio pode expressar-se politicamente na forma de um Governo ditatorial ou na de um Governo não-ditatorial.
Bibliografia:
STOPPINO, Mario. Ditadura. In: BOBBIO, Norberto. (Org.). Dicionário de política. Brasília: Editora UnB, 2010.