Resumo de O Direito Como Regra de Conduta, capítulo de Teoria Geral do Direito de Norberto Bobbio. Boa leitura!
1. Um mundo de normas
A melhor maneira de compreender a experiência jurídica é considerar o direito como um conjunto de normas. Acreditamos ser livres, mas na verdade estamos envoltos numa densa rede de regras de conduta. Se deixarmos de nos referir aos indivíduos e contemplarmos a vida complexa das sociedades, pode-se notar que há um ponto de vista normativo no estudo da história, segundo o qual as civilizações se caracterizam por ordenamentos de regras que contém as ações dos homens que delas participaram. Perguntas do tipo: “em determinado povo os sacrifícios humanos eram permitidos ou proibidos? Como eram reguladas as relações de família?” indicam como o sistema normativo pode caracterizar uma dada sociedade.
2. Variedade e multiplicidade do sistema das normas.
O mundo das normas é múltiplo. Além das normas jurídicas também é composto por preceitos religiosos, regras morais, sociais, do costume, etiqueta, regras da boa educação, assim por diante. Todas essas normas são proposições com a finalidade de influenciar o comportamento dos indivíduos e dos grupos.
3. O direito é instituição?
Embora possa parecer que o elemento característico da experiência jurídica é o fenômeno da normatização, existem ao menos duas teorias diversas: a teoria do direito como instituição e a teoria do direito como relação.
A teoria de direito como instituição foi elaborada, ao menos na Itália, por Santi Romano, que contrapõe a noção concepção do direito como instituição à concepção de direito como norma.
Para Romano, o direito nasce no momento em que um grupo social passa de uma fase inorgânica para uma fase orgânica, organizada. Por exemplo, classe social é uma forma de grupo humano, mas, não tendo uma organização própria, não exprime um direito próprio, não é uma instituição. Uma associação para delinquir, enquanto se exprime numa organização e cria seu próprio direito, é uma instituição. Um grupo social se institucionaliza quando cria a própria organização, e assim torna-se um ordenamento jurídico.
4. O pluralismo jurídico
A teoria da instituição ampliou os horizontes da experiência jurídica para além dos limites do Estado, ao fazer do direito um fenômeno social e considerar organização um critério fundamental para distinguir uma sociedade jurídica de uma sociedade não–jurídica.
A teoria estatista é produto histórico da formação dos grandes Estados modernos, que surgiram com a dissolução da sociedade medieval. A sociedade medieval era formada por vários ordenamentos jurídicos, como a Igreja, o Império, os feudos, as corporações as comunas, a família. O Estado moderno formou-se por meio da eliminação ou da absorção desses ordenamentos jurídicos, mediante um processo que poderia ser chamado de monopolização da produção jurídica. A consequência histórica dessa centralização do poder normativo e coativo é a tendência a identificar o direito com o direito estatal.
5. Observações Críticas
Analisemos a teoria da instituição como teoria científica, ou seja, como teoria que se propõe oferecer meios de compreensão do fenômeno jurídico diversos e melhores que os oferecidos pela teoria normativa. Proponho duas observações criticas a seguir.
a) A teoria normativa afirma que o fenômeno originário da experiência jurídica é a regra de conduta, enquanto a teoria estatista afirma que o direito é um conjunto de regras, que tem características particulares (por exemplo, serem coativas) e, como tais, distinguem-se de qualquer outro tipo de regra de conduta. A teoria estatista é uma teoria normativa restrita.
b) Uma sociedade organizada, uma instituição, é constituída por um grupo de indivíduos que disciplinam suas respectivas atividades com a finalidade de perseguir um objetivo comum. Essa disciplina é produto de uma regulamentação. O processo de institucionalização e a produção de regras de conduta não podem ser desvinculados. Portanto, instituição equivale a ordenamento jurídico, que equivale a conjunto de normas. A teoria da instituição não exclui a teoria normativa do direito, mas a inclui.
A teoria da instituição teve o mérito de ressaltar que só se pode falar de direito quando existe um conjunto de normas formadoras de um ordenamento, e que, portanto, o direito não é norma, mas um conjunto coordenado de normas.
6. O direito é relação intersubjetiva?
O elemento característico da experiência jurídica é a relação intersubjetiva. Ela nasce da ideia de que o direito tem origem na sociedade. Os institucionalistas em geral refutam a doutrina da relação por considerar que a simples relação entre dois sujeitos que procuram estabelecer a regulamentação de interesses mútuos não pode constituir direito. A doutrina da instituição enxerga o direito como um produto da sociedade no seu todo, não do individuo. Assim, faz menção a Immanuel Kant que, na Doutrina do Direito (1797), afirma que apenas a relação de um sujeito que tem direitos e deveres com um sujeito que tem direitos e deveres é uma relação jurídica.
7. Exame de uma teoria
Alessandro Levi, em Teoria General Del Diritto, considera “relação jurídica” o conceito fundamental do ordenamento jurídico. Por “relação jurídica” Levi entende uma relação entre dois sujeitos, um titular de obrigação, outro de um direito. A relação entre duas pessoas tem uma função categorial por distinguir-se da moral (que é individual) e da economia que relaciona o homem com coisas. Entretanto, a dúvida se um relação passa a ser jurídica por ser regulada ou em função de uma norma que a regule permanece.
8. Observações críticas
Uma relação jurídica é uma relação entre o sujeito que é titular de um direito e o outro, titular de um dever. A atribuição desses papeis indica a presença de uma regra. Portanto, a relação jurídica distingue-se de qualquer outro tipo por ser regulada por uma norma jurídica. Nunca houve uma relação humana jurídica por si mesma. Assim como a teoria da instituição inclui a teoria normativa, a teoria da relação inclui a teoria normativa. As três teorias evidenciam um aspecto diferente da experiência jurídica: a teoria da relação, a intersubjetividade; a teoria da instituição, o aspecto da organização social; a teoria normativa, o aspecto da regra. A experiência jurídica nos coloca diante de um mundo de relações entre sujeitos organizados por regras de conduta. A intersubjetividade e a organização são condições necessárias para a formação de uma ordem jurídica, mas o aspecto normativo é a condição necessária e suficiente.
Bibliografia:
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito, São Paulo: Martins Fontes, 2008.