As Etapas do Pensamento Sociológico: Vilfredo Pareto – Das Expressões Aos Sentimentos

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Resumo de Etapas do Pensamento Sociológico – Das Expressões aos Sentimentos. Vilfredo Pareto apresentado por Raymond Aron. Boa leitura!

Os dados do problema do estudo lógico ou científico das ações não-lógicas podem ser representados pela figura seguinte, que encontramos no capítulo II do “Traité de sociologie générale”:

triângulo do Vilfredo Pareto

Para estudar logicamente as condutas não-lógicas, só conhecemos diretamente, pela observação, os atos (B) e as expressões (C) de sentimentos. O estado psíquico dos atores (A) escapa à experiência direta. O problema se coloca, portanto, nos seguintes termos: como explicar C e B, e sobretudo B, isto é, os atos, se não podemos apreender diretamente A, isto é, o estado de espírito? A tendência dos intérpretes é explicar os atos pelas teorias que invocam, explicar B por meio de C.

De um certo modo, toda a primeira parte do “Traité de sociologie générale” é uma reflexão sobre as relações entre A, C, B. Para Pareto, o que determina C e B é, essencialmente, A. A conduta dos homens é motivada pelo seu estado psíquico, muito mais do que pelas razões que invocam. Contudo, não se pode excluir que C, isto é, as teorias, tenha uma certa influência sobre B. À força de se convencer de suas próprias ideias, os homens terminam agindo também com base em racionalizações. E, à força de agir de conformidade com essas racionalizações, de praticar um ritual, terminam por reforçar aquelas mesmas ideias com que começaram a explicar seus atos.

O triângulo que apresentamos mostra três séries de relações, que convém analisar em pormenor: a ação do estado psíquico simultaneamente sobre os atos e as expressões; a ação secundária das expressões sobre os atos; e a ação secundária dos atos sobre as expressões, isto é, sobre as racionalizações, ideologias e doutrinas.

*

A sociologia de Pareto pode seguir dois caminhos. O primeiro é o que poderíamos chamar de via indutiva, que foi percorrida pelo próprio Pareto no Traité. A outra é a via dedutiva, que pretendo seguir.

A via indutiva consiste em procurar, na história das doutrinas, como os homens suspeitaram da noção de ação não-lógica, esforçando-se por não criar uma teoria a esse respeito. O homem prefere acreditar que sua conduta é lógica, determinada pelas teorias, e não quer confessar a si mesmo que agiu movido por sentimentos.

A segunda via é a que o próprio Pareto considera dedutiva, e sobre a qual afirma, no princípio do capítulo VI, que deveria ser seguida com vantagem pela exposição. O método consiste em atacar imediatamente, se não o estado psíquico, pelo menos uma realidade próxima desse estado; em estabelecer uma classificação dos resíduos que são manifestações dos sentimentos e causas principais das ações não-lógicas. Trata-se, portanto, de procurar o que podemos saber de A, sabendo que o estado psíquico ou os sentimentos não são conhecidos de modo direto.

O método de Pareto consiste em estudar um grande número de expressões, teorias, condutas curiosas, modalidades de cultos religiosos, práticas de magia ou feitiçaria, e constatar que, se estes atos e condutas diferem e comportam, na aparência, uma espécie de crescimento anárquico, eles revelam, através de estudo mais atento, uma certa consistência.

Desde logo, podem-se distinguir dois elementos no fenômeno: uma parte constante, que chamaremos a, e uma parte variável b. A parte constante consiste na inclinação dos homens a estabelecer relações entre coisas, números, lugares e significados benéficos ou maléficos e na atribuição de valor simbólico ou indicativo a determinados fatos. O elemento variável é a razão que os homens dão para justificar tais relações, em cada circunstância.

Em quase todas as sociedades os homens parecem sentir repugnância pelo que conhecemos como homicídio; contudo, de acordo com a época e a sociedade, acharão motivos diferentes para explicar ou justificar esta rejeição. Em certos casos, dir-se-á que é Zeus que proíbe o crime; em outros, que a razão universal não tolera violações à dignidade da pessoa humana. Há várias teorias que fundamentam a interdição do assassínio, mas há nelas um elemento constante – a rejeição de determinada conduta, cuja origem é um estado psíquico ou um sentimento. O fenômeno concreto que se oferece à observação é o binômio rejeição do homicídio-justificação através de teorias concorrentes. O observador estabelece uma distinção entre estas teorias justificativas e os elementos constantes dos fenômenos, que se repetem suficientemente para que possamos fazer com eles uma classificação geral. Falaremos de resíduo para designar o que acabo de analisar. Quanto às teorias diversas que se multiplicam para justificar os elementos constantes, vamos chamá-las de derivações. As duas noções, de resíduo e de derivação, a que se chega por via analítica, são os dois conceitos fundamentais da armadura da primeira parte do “Traité de sociologie générale”.

Duas coisas essenciais:

1) Os resíduos não são os sentimentos ou o estado psíquico A; são elementos intermediários entre o sentimento que não conhecemos diretamente (talvez não o conheçamos sequer indiretamente) e as expressões ou atos C e B.

2) Estes resíduos se relacionam com os instintos do homem, mas não abrangem a todos, pois o método seguido não permite descobrir que instintos dão lugar a raciocínios.

Se partirmos das expressões, teorias e justificações para chegar aos resíduos que constituem manifestações dos instintos, só se poderão descobrir aqueles instintos que levam a raciocínios. Fora os resíduos, há, portanto, apetites, gostos e disposições (ou inclinações).

Os três termos, apetites, gostos e disposições, a meu ver, são muito próximos e devem ser entendidos no seu sentido ordinário. De modo geral, os três termos são aplicados ao comportamento humano na medida em que este constitui a busca de certos bens e de certas satisfações mais ou menos definidas. Pareto não inclui também os interesses entre os resíduos. A noção de interesse resulta da análise econômica. No pensamento de Pareto o interesse provém da tomada de consciência de um objetivo que o indivíduo se propõe alcançar. Maximizar a quantidade de dinheiro é um interesse que suscita quase sempre condutas lógicas. Contudo, ao lado do “interesse econômico” pode haver um “interesse político”. Um homem que tem por objetivo arrebatar o poder se comportará de modo interessado, e sua conduta será diferente das condutas não-lógicas determinadas pelos resíduos. Ao chegarmos à síntese sociológica, precisaremos levar em conta não só os resíduos mas também as condutas determinadas em profundidade pelos instintos, apetites, gostos e disposições, bem como pelos interesses.

Para completar esta análise, resta elucidar a relação entre o resíduo e o estado psíquico, ou sentimento A. Pareto estabelece uma dupla distinção. De um lado, os resíduos se situam mais perto dos atos ou das expressões do que os sentimentos, porque são identificados a partir de uma análise destes atos ou expressões. De outro lado, os resíduos não são realidades concretas, mas conceitos analíticos criados pelo observador para explicar os fenômenos.

Os resíduos são conceitos analíticos utilizados pelo sociólogo e não pelo psicólogo. Pareto diz que o estudo dos sentimentos em si mesmo pertence à esfera da psicologia, e não da sociologia. Os resíduos correspondem a algo que existe na conduta humana, mas esta coisa é definida por um conceito analítico forjado para compreender o funcionamento da sociedade. Pareto estabelece uma aproximação interessante entre as raízes verbais, estudadas pelo filólogo, e os resíduos, estudados pelo sociólogo. De acordo com esta comparação, os resíduos são as raízes comuns de grande número de condutas ou expressões. Tem portanto, como tais, o mesmo caráter abstrato das raízes verbais descobertas pelo linguista, que não são dados concretos, e no entanto não são apenas ficções, porque ajudam a compreender a realidade.

Invista mo Resumo da Obra

Bibliografia:

ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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