As Etapas do Pensamento Sociológico: Montesquieu – Da Teoria Política à Sociologia

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Resumo de Montesquieu – Da Teoria Política à Sociologia. Capítulo de As Etapas do Pensamento Sociológico de Raymond Aron. Boa leitura!

As análises da sociologia política de CHARLES-LOUIS DE SECONDAT, BARÃO DE MONTESQUIEU permitem formular os principais problemas da sociologia geral.

Quais sãos as causas exteriores ao regime político que retêm a atenção de MONTESQUIEU? Qual o caráter das relações que ele estabelece entre as causas e os fenômenos a explicar? Há ou não, em O ESPÍRITO DAS LEIS, uma interpretação sintética da sociedade considerada como um todo, ou há simplesmente uma enumeração de causas, sem que se possa dizer que nenhum desses determinantes seja decisivo? A enumeração das causas não apresenta, aparentemente, nenhum caráter sistemático.

Montesquieu estuda inicialmente o que chamamos de influência do meio geográfico, subdividindo-se este em clima e solo. Depois, passa à análise do espírito geral de uma nação. Em seguida, Montesquieu considera as causas sociais, entre as quais o comércio e a moeda. Depois do comércio e da moeda vem o estudo da população, do número de habitantes. Finalmente, examina o papel da religião, que considera como uma das influências mais eficazes sobre a organização da vida coletiva.

Bastaria contudo alterar a ordem para chegar a uma enumeração satisfatória. Partindo do meio geográfico, passaríamos ao número de habitantes, pois é mais lógico passar do meio físico, que limita o volume da sociedade, para o número de habitantes. A partir daí chegaríamos então às causas propriamente sociais, entre as quais Montesquieu distinguiu, de um lado, o conjunto das crenças, que ele chama de religião, e, de outro, a organização do trabalho e do comércio. Terminaríamos com aquilo que é o verdadeiro ponto culminante da sociologia de Montesquieu: o conceito do espírito geral de uma nação.

Quanto ao que Montesquieu procura explicar pelas causas que examina, penso que emprega essencialmente três noções – de leis, de costumes e de hábitos.

A primeira distinção, entre leis e costumes, corresponde à que fazem os sociólogos entre o que é decretado pelo Estado e o que é imposto pela sociedade. A distinção entre costumes e hábitos inclui a diferença entre os imperativos interiorizados e as maneiras de agir, puramente exteriores, ordenados pela coletividade. Montesquieu distingue ainda três tipos principais de leis: as leis civis, relativas à organização da vida familiar, as leis penais e as leis constitutivas do regime político.

Para compreender as relações estabelecidas por Montesquieu entre as causas e as instituições, tomarei como exemplo os livros que tratam do meio geográfico (clima e solo).

Em muitos casos, Montesquieu explica diretamente pelo clima o temperamento dos homens, sua sensibilidade, a maneira de ser. Montesquieu parece acreditar que um certo meio físico determina diretamente uma certa maneira de ser fisiológica, nervosa e psicológica dos homens. Outras explicações, porém, são mais complexas, como as relativas à escravidão. No livro XV, cujo título é: “Como as leis da escravidão civil estão relacionadas com a natureza do clima”, lê-se:

“Há países onde o calor enfraquece o corpo e debilita de tal forma a disposição, que os homens só cumprem um dever penoso movidos pelo medo de serem castigados. Nesses países, portanto, a escravidão choca menos a razão. E como o senhor é tão covarde com relação ao príncipe quanto o escravo com relação ao senhor, a escravidão civil é acompanhada da escravidão política (cap. 7)”.

Nessa passagem encontramos justapostos os dois aspectos da interpretação: de um lado, interpretação determinista das instituições enquanto fatos, de outro, o julgamento sobre essas instituições feito em nome de valores universalmente válidos. Afirmando que a escravidão é contrária à essência da natureza humana, Montesquieu encontra na influência do clima razão para justificá-la.

Esse texto só pode ser compreendido se admitimos que as explicações das instituições pelo meio geográfico são de relação de influência, e não de relação de necessidade causal. Uma certa causa torna determinada instituição mais provável do que outra. Além do mais, o trabalho do legislador consiste, muitas vezes, em contrabalançar as influências diretas dos fenômenos naturais, em inserir no tecido do determinismo leis humanas cujos efeitos se opõem aos efeitos diretos e espontâneos dos fenômenos naturais. Montesquieu acredita menos do que se tem afirmado no determinismo rigoroso do clima; ele reconheceu a pluralidade das causas e a possibilidade da atuação do legislador.

Chego agora à terceira etapa do meu questionário sobre o método de Montesquieu. Em que medida sua investigação ultrapassa a sociologia analítica e a pluralidade de causas?

Se existe uma concepção sintética da sociedade em O Espírito das Leis, ela está no livro XIX, consagrado ao espírito geral de uma nação. No primeiro parágrafo aparece a pluralidade de causas. As coisas que governam os homens são os fenômenos naturais e as instituições sociais – como a religião, as leis, as máximas de governo; são também, por outro lado, a tradição, a continuidade histórica, característica de toda a sociedade e que Montesquieu chama de exemplos das coisas passadas. Todas essas coisas juntas formam o espírito geral. Este portanto não é uma causa parcial, comparável às outras, mas a resultante do conjunto das causas físicas, sociais e morais.

O espírito geral é uma resultante do conjunto das influências físicas e morais que, através do tempo, modelaram a coletividade. Há um espírito geral da França, um espírito geral da Inglaterra. Passa-se da pluralidade das causas à unidade do espírito geral, sem que este exclua as causalidades parciais.

Existem, contudo, em Montesquieu, implícita ou explicitamente, duas ideias de síntese possíveis. Uma seria a influência predominante do regime político, e a outra, o espírito geral de uma nação.

Em relação à primeira, pode-se hesitar entre duas interpretações. Trata-se de uma influência predominante no sentido causal do termo ou de uma influência predominante com relação ao que interessa antes de tudo ao observador, com relação à hierarquia da importância que estabelecemos entre diferentes aspectos da vida coletiva.

Entre essas duas interpretações, os textos não permitem uma escolha categórica. Muitas vezes temos a impressão de que Montesquieu admite as duas, simultaneamente. Entre as causas que agem historicamente, ele entende que cabe às instituições politicas a ação mais importante em relação à grandeza das nações, seu êxitos e infortúnios, isto é, em última análise, em relação ao que constitui o objeto privilegiado da curiosidade científica.

Quanto ao espírito geral de uma nação, ele retorna à teoria das instituições políticas dos primeiros livros, pois um regime só se mantém na medida em que o sentimento que lhe é necessário existe no povo. O espírito geral de uma nação é o que mais contribui para manter esse sentimento ou princípio, indispensável à continuidade do regime. O espírito geral de uma nação é a maneira de ser, de agir, de pensar e de sentir de uma coletividade, tal como o fizeram a geografia e a história.

Preenche duas funções: permite o reagrupamento das explicações parciais; permite, além disso, passar da sociologia política para a sociologia do todo social.

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Bibliografia:

ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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