Resumo de O Povo Brasileiro – Assimilação. É o capítulo 3 da parte III do livro de Darcy Ribeiro. Bons estudos!
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RAÇA E COR
A análise do crescimento da população brasileira e de sua composição segundo a cor é altamente expressiva das condições de opressão que o branco dominador impôs aos outros componentes. Considerada a composição da população em 1950, verifica‐se que os índios de vida tribal estavam reduzidos a cerca de 100 mil (Ribeiro 1957); os negros terão alcançado um máximo de 5,6 milhões; enquanto os que se definem como pardos (mulatos) seriam 13,7 milhões; e os brancos (que são principalmente mestiços) ascenderiam a 32 milhões.
Discrepâncias censitárias tão espantosas se explicam por fatores ecológicos e sociais. A própria miscigenação deve ser analisada em relação à circunstância de que todos os contingentes alienígenas eram constituídos principalmente por homens que tinham de disputar as mulheres da terra, as índias – foi insignificante a proporção de mulheres brancas vindas para o Brasil. Nessas condições, recaiu sobre a mulher indígena a função de matriz fundamental, geralmente fecundada pelo branco.
Assim se explica, em parte, a branquização dos brasileiros, já que os mestiços de europeu com índio configuram um tipo moreno claro que, aos olhos e à sensibilidade racial de qualquer brasileiro, são puros brancos.
BRANCOS VERSUS NEGROS
O censo de 1950 permite algumas comparações significativas entre as condições de vida e de trabalho de negros e brancos na população brasileira ativa. Considerando, por exemplo, o grupo patronal em conjunto, verifica‐se que as possibilidades de um negro chegar a integrá‐lo são enormemente menores.
Comparando a posição ocupacional dos 4 milhões de pretos maiores de dez anos de idade com o milhão de estrangeiros registrados pelo mesmo censo, verifica‐se que, enquanto os primeiros contribuem com apenas 20 mil empregadores, os últimos detém 86 mil propriedades. É visível que esses estrangeiros encontraram condições de ascensão social enormemente mais intensa que o grupo negro.
Examinando a carreira do negro no Brasil se verifica que, introduzido como escravo, ele foi desde o primeiro momento chamado à execução das tarefas mais duras, como mão‐de‐obra fundamental de todos os setores produtivos. Na qualidade de mero investimento destinado a produzir o máximo de lucros, enfrentava precaríssimas condições de sobrevivência. Ascendendo à condição de trabalhador livre, antes ou depois da abolição, o negro se via jungido a novas formas de exploração que só lhe permitiam integrar‐se na sociedade e no mundo cultural, que se tornaram seus, na condição de um subproletariado compelido ao exercício de seu antigo papel, que continuava sendo principalmente o de animal de serviço.
Enquanto escravo poderia algum proprietário previdente ponderar que resultaria mais econômico manter suas “peças” nutridas para tirar delas, a longo termo, maior proveito. Liberto, porém, se encontrava só e hostilizado, contando apenas com sua força de trabalho, num mundo em que a terra e tudo o mais continuava apropriada. Tinha de sujeitar‐se, assim, a uma exploração absolutamente desinteressada do seu destino.
A situação de inferioridade dos pardos e negros com respeito aos brancos persiste em 1990. Os poucos dados disponíveis mostram que 12% dos brancos maiores de sete anos eram analfabetos, mas os negros eram 30% e os pardos 29%. Por outro lado, o rendimento anual médio (em Cr$) de pessoas de mais de dez anos era de 32.212 para os brancos, de 13.295 para os pretos e de 15.308 para os pardos (Anuário Estatístico do Brasil, IBGE, 1993). Lamentavelmente, as informações quanto à cor para 1990 são muito mais escassas que para 1950.
Apesar da associação da pobreza com a negritude, as diferenças profundas que separam e opõem os brasileiros em extratos flagrantemente contrastantes são de natureza social.
Assim, os brasileiros de mais nítida fisionomia racial negra, apesar de concentrados nos estratos mais pobres, não atuam social e politicamente motivados pelas diferenças raciais, mas pela conscientização do caráter histórico e social dos fatores que obstaculizam sua ascensão. Não é como negros que eles operam no quadro social, mas como integrantes das camadas pobres, mobilizáveis todas por iguais aspirações de progresso econômico e social. O fato de ser negro ou mulato, entretanto, custa também um preço adicional, porque, à crueza do trato desigualitário que suportam todos os pobres, se acrescentam formas sutis ou desabridas de hostilidade.
É assinalável, porém, que a natureza mesma do preconceito racial prevalente no Brasil o faz atuar antes como força integradora do que como mecanismo de segregação. O preconceito de raça, de padrão anglo‐saxônico, incidindo indiscriminadamente sobre cada pessoa de cor, qualquer que seja a proporção de sangue negro que detenha, conduz necessariamente ao apartamento, à segregação e à violência, pela hostilidade a qualquer forma de convívio. O preconceito de cor dos brasileiros, incidindo segundo o matiz da pele, tendendo a identificar como branco o mulato claro, conduz antes a uma expectativa de miscigenação. Expectativa discriminatória, porquanto aspirante a que os negros clareiem, em lugar de aceitá‐los tal qual são, mas impulsora da integração (Nogueira, 1955).
É de se supor que, por esse caminho, a população brasileira se homogeneizará cada vez mais, fazendo com que, no futuro, se torne ainda mais co‐participado por todos um patrimônio genético multirracial comum.
IMIGRANTES
O contingente imigratório europeu integrado na população brasileira é avaliado em 5 milhões de pessoas, quatro quintas partes das quais entraram no país no último século. É composto, principalmente, por 1,7 milhão de imigrantes portugueses. Seguem‐se os italianos, com 1,6 milhão; os espanhóis, com 700 mil; os alemães, com mais de 250 mil; os japoneses, com cerca de 230 mil e outros contingentes menores, principalmente eslavos, introduzidos no Brasil sobretudo entre 1886 e 1930.
O papel do imigrante foi muito importante como formador de certos conglomerados regionais nas áreas sulinas em que mais se concentrou, criando paisagens caracteristicamente europeias e populações dominadoramente brancas. Conquanto relevante na constituição racial e cultural dessas áreas, não teve maior relevância na fixação das características da população brasileira e da sua cultura. Quando começou a chegar em maiores contingentes, a população nacional já era tão maciça numericamente e tão definida do ponto de vista étnico, que pôde iniciar a absorção cultural e racial do imigrante sem grandes alterações no conjunto.
Não ocorre no Brasil, por conseguinte, nada parecido com o que sucedeu nos países rio‐platenses, onde uma etnia original numericamente pequena foi submetida por massas de imigrantes que, representando quatro quintos do total, imprimiram uma fisionomia nova, caracteristicamente europeia, à sociedade e à cultura nacional, transfigurando‐os de povos novos em povos transplantados. O Brasil nasce e cresce como povo novo, afirmando cada vez mais essa característica em sua configuração histórico‐cultural. O assinalável no caso brasileiro é, por um lado, a desigualdade social, expressa racialmente na estratificação pela posição inferiorizada do negro e do mulato. E, por outro lado, a homogeneidade cultural básica, que transcende tanto as singularidades ecológicas regionais, bem como as marcas decorrentes da variedade de matrizes raciais, como as diferenças oriundas da proveniência cultural dos distintos contingentes.
Apesar da desproporção das contribuições ‐ negra, em certas áreas; indígena, alemã ou japonesa, em outras‐, nenhuma delas se autodefiniu como centro de lealdades étnicas extranacionais. O conjunto, plasmado com tantas contribuições, é essencialmente uno enquanto etnia nacional. Uma mesma cultura a todos engloba e uma vigorosa autodefinição nacional, cada vez mais brasileira, a todos anima.
Bibliografia:
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.