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O Conservadorismo: História e Tradição

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As ideologias, como as teologias, têm a sua dogmática: conjuntos de crenças e valores mais ou menos coerentes e persistentes que têm influência determinante pelo menos sobre as vidas dos seus partidários. Ambas dizem respeito ao lugar do indivíduo sob um sistema de autoridade, divina ou secular. Em conformidade com uma tradição que recua até ao Renascimento no pensamento político, as três ideologias modernas, SOCIALISMO, LIBERALISMO e CONSERVADORISMO, são vulgarmente tratadas em termos da relação legítima e desejada entre o indivíduo e o Estado.

Mas se acrescenta à relação indivíduo-Estado um terceiro fator, a estrutura de grupos e associações intermédias em relação às duas entidades dos extremos. Muito do drama social da Revolução Francesa consistiu nos impactos dos direitos recém-declarados dos indivíduos e dos direitos recém-declarados do poder do estado revolucionário sobre uma sociedade intermédia. O resultado foi, evidentemente, o pôr em questão os direitos históricos de grupos como a Igreja, a família, as associações e as classes sociais. Muito da jurisprudência do século XIX toma como ponto de partida os direitos dos velhos e novos grupos contra o Estado, por um lado, e os indivíduos por outro.

O mesmo fez a filosofia do conservadorismo. Ela toma a peito os direitos da Igreja, das classes sociais, da família e da propriedade, por um lado contra as reivindicações da teoria dos direitos naturais e do recente utilitarismo, e por outro contra o crescente estado nacional democrático. A premissa da crença conservadora é o direito à sobrevivência de toda a estrutura intermédia da nação contra as marés do individualismo e do nacionalismo.

O socialismo é, das três ideologias, a que menos se preocupa com os direitos tradicionais dos grupos intermédios. A posição socialista quanto à propriedade inclinava-se para enquadrar os seus pontos de vista na família, na comunidade local e, acima de tudo, na classe social. Perguntava-se como podia o novo homem socialista evoluir se continuava sujeito aos patriotismos históricos menores assim como ao estado burguês? O socialismo está, assim, colocado ideologicamente no extremo oposto ao conservadorismo.

O liberalismo está a meio caminho. Em resultado da influência de TOCQUEVILLE sobre MILL, havia em certas áreas do pensamento liberal alguma indulgência para com agrupamentos que contribuíam para um pluralismo liberal. Mas no essencial, manteve-se a simpatia dominante do liberalismo pelo indivíduo e seus direitos, contra o Estado e os grupos sociais.

HISTÓRIA E TRADIÇÃO

A perspetiva do papel da história é básica para a política conservadora. Em “Reflections”, uma passagem célebre de BURKE é: “Quem nunca olhou para trás para os seus antepassados nunca olhará para a frente, para a posteridade”. Do ponto de vista de Burke, DE MAISTRE, SAVIGNY e de outros dos primeiros conservadores, o verdadeiro método histórico é o método de estudar o presente de tal modo que tudo o que está no presente seja mostrado; o que significa uma autêntica infinidade de maneiras, de comportamentos e de pensamentos que não podem ser inteiramente compreendidos a não ser pelo reconhecimento da sua fixação no passado.

A solidez da experiência é persistentemente posta em relevo por conservadores como Burke. No ILUMINISMO a “história” característica usada pelos “philosophes” e também por alguns racionalistas ingleses era a história que se intitulava a si própria de “natural”, “conjectural” , “hipotética” ou “fundamentada”, da qual se deduzia um ou outro ponto do presente. Estas eram propositadamente muitíssimo abstratas. O que ROUSSEAU produziu na sua “hipotética” história da desigualdade deve ser encarado mais como precedente dos esquemas sociais revolucionários do século XIX do que como obras de história no sentido estrito. Quando ele escreveu “Comecemos por pôr os fatos de lado, visto que não afetam a questão”, não estava a eliminar todos os fatos; apenas os que eram irrelevantes para o seu esforço em demonstrar a injustiça da desigualdade e os meios pelos quais ela consegue ter ascendência na sociedade moderna. História natural foi o rótulo mais comum aplicado a esta forma de escrever, e a expressão abrangeu obras sobre linguagem, classes sociais, matemática, riqueza, e quase todos os demais elementos da civilização, como HUME, que escreveu uma “história natural” da religião.

Para Burke e outros conservadores este gênero de história era mais do que inútil no que diz respeito aos meios de compreensão da verdadeira complexidade e solidez do passado e do presente; era também um meio tão abstrato e dedutivo como a teoria do contrato social – produzir mudanças precipitadas no presente sem examinar os detalhes do que estava a ser mudado. Há ainda o fato de os racionalistas-progressistas verem o presente como começo do futuro, quando a maneira conservadora de o ver é encará-lo como o estágio mais recente alcançado pelo presente num crescimento contínuo e ininterrupto.

Do ponto de vista conservador, a realidade social é melhor compreendida através de uma abordagem histórica. Não podemos saber onde estamos e muito menos para onde vamos se não soubermos onde estivemos. Esta é a posição basilar da filosofia conservadora da história.

Naturalmente, os conservadores, na sua simpatia pela tradição, não estavam a defender toda e qualquer ideia ou coisa recebida do passado. A filosofia do tradicionalismo é, como todas as filosofias, seletiva. Do passado deve vir uma tradição salutar que também deve ser desejável em si mesma.

Não foi, no entanto, quaIsquer mudanças que os conservadores tentaram opor-se. O que Burke e os seus sucessores combateram foi o que ele chamou “O espírito de inovação”; isto é, o inútil culto da mudança pela mudança; a necessidade superficial mas muito disseminada, por parte das massas, de divertimento e excitação por meio de incessantes novidades.

A opinião de Burke de que a verdadeira Constituição dos povos é a história das suas instituições, e não um pedaço de papel, tem sido insistentemente repetida pelos conservadores até aos dias de hoje. De Maistre escreveu sobre a Constituição americana e elogiou-a. Havia, pensava ele, uma admirável correspondência entre o que o papel dizia e não dizia e as tradições que os ingleses tinham trazido consigo para fundarem a gloriosa Nova Inglaterra em Massachusetts e áreas adjacentes.

Há um outro atributo da veneração dos conservadores pelo que é antigo e tradicional: a crença de que, por muito obsoleta que uma dada estrutura possa ser, pode existir nela uma função progressiva e ainda vital, de que o homem tira proveito psicológica ou sociologicamente. Com certeza que muito do pensamento mais profundo dos conservadores sobre as reformas liberais nos séculos XIX e XX refletiu esta crença.

A História, para os conservadores, tem sido em grande parte aquela mesma espécie de força que é a seleção natural para os evolucionistas biológicos. É a ação dos processos de seleção através do acaso, através de repetidas experiências e erros, que por si só torna possível o esplendor do mundo biológico. Na seleção evolutiva está implícita uma sabedoria superior a qualquer sabedoria imaginável num homem. Os esforços dos educadores para fazerem mais do que operar com estes processos naturais de mudanças e desenvolvimento são manifestamente ridículos. Não serão os esforços dos homens para fazerem mais do que operar com processos comparáveis da história da humanidade igualmente ridículos? Não foi, no fundo, ridículo e também trágico para os homens, procurarem construir uma nova sociedade e uma nova natureza humana em França em 1789 e na Rússia em 1917? Tal é a teoria conservadora da História.

O talento individual é simplesmente impotente e condenado à “roda de fiar”, sem uma determinada tradição com que operar.

Bibliografia

NISBET, Robert.  O conservadorismo. Lisboa: Editorial Estampa, 1987.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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