Raízes do Brasil: Nossa Revolução

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Resumo de Nossa Revolução – capítulo 7 de Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda. Boa leitura!

1888 foi o momento mais decisivo de todo o nosso desenvolvimento nacional. A partir dessa data, pararam de funcionar alguns dos freios tradicionais contra o advento de um novo estado de coisas, que só então se faz inevitável.

O desaparecimento progressivo dessas formas tradicionais coincidiu com a diminuição da importância da lavoura do açúcar e sua substituição pela do café. A fazenda resiste com menos energia à influência urbana, e muitos lavradores passam a residir permanentemente nas cidades. Isso e mais o desenvolvimento das comunicações iriam facilitar a relação de dependência entre as áreas rurais e as cidades. Simplificando-se a produção, aumentou a necessidade do recurso aos centros urbanos distribuidores dos mantimentos, que outrora se criavam no próprio lugar.

A evolução para o predomínio urbano fez-se rápida e com ela foi aberto o caminho para uma transformação de grandes proporções. A urbanização destruiu esse esteio rural, impotente graças à Abolição, sem substitui-lo por nada de novo.

Porém, o quadro formado pela monarquia ainda guarda seu prestigio. A imagem de nosso país não pode desligar-se do espirito do Brasil imperial. A ideia que formamos para nosso prestígio no estrangeiro é a de um gigante cheio de bonomia superior para com todas as nações do mundo. Fomos das primeiras nações que aboliram a pena de morte em sua legislação. Modelamos a nossa conduta pela que parecem seguir os países mais cultos, e então nos envaidecemos da ótima companhia. Tudo isso são feições do nosso aparelhamento politico, que se empenha em desarmar todas as expressões menos harmônicas de nossa sociedade, em negar toda espontaneidade nacional.

Em face de tal condição, nossos reformadores só puderam encontrar até aqui duas saídas, ambas superficiais e enganadoras. A experiência já demonstrou como a simples substituição dos detentores do poder público é um remédio aleatório, quando não determinada por transformações estruturais na vida da sociedade. Outro remédio está em acreditar que a letra morta pode influir por si só sobre o destino de um povo. Escapa-nos que as leis escritas não são garantia de felicidade para os povos e de estabilidade para as nações.

Foi essa crença que presidiu toda a história das nações ibero-americanas desde que se fizeram independentes. Emancipando-se da tutela das metrópoles europeias, cuidaram elas em adotar, como base de suas cartas politicas, os princípios que se achavam então na ordem do dia, e as mudanças que inspiraram foram antes de aparato do que de substância.

O “caudilhismo” se encontra no mesmo circulo de ideias a que pertencem os princípios do liberalismo. Pode ser a forma negativa da tese liberal, e seu surto é compreensível se nos lembramos de que a história jamais nos deu o exemplo de um movimento social que não contivesse os germes de sua negação.

Uma superação da doutrina democrática só será possível, entre nós, quando tenha sido vencida a antítese liberalismo-caudilhismo. Essa vitória nunca se consumará enquanto não se liquidem os fundamentos personalistas e aristocráticos, onde ainda assenta nossa vida social. Se o processo revolucionário a que vamos assistindo tem um significado claro, será o da dissolução lenta das sobrevivências arcaicas, que até hoje não conseguimos extirpar. A forma visível dessa revolução não será a das convulsões catastróficas. Contra sua realização é provável que se erga a resistência dos adeptos de um passado que a distância já vai tingindo de cores idílicas.

Uma reação dessa ordem encontraria apoio em certa mentalidade criada pelo nosso desenvolvimento histórico. Tal mentalidade exige que, por trás do edifício do Estado, existam pessoas de carne e osso. É em vão que os políticos imaginam interessar-se mais pelos princípios do que pelos homens: seus próprios atos representam o desmentido flagrante dessa pretensão.

A ideia de uma entidade imaterial e impessoal, pairando sobre os indivíduos e presidindo os seus destinos, é dificilmente inteligível para os povos da América Latina. Apesar de tudo, não é justo afirmar nossa incompatibilidade com os ideais democráticos. Não seria difícil acentuarem-se zonas de confluência entre esses ideais e certos fenômenos de nossa formação nacional. Além disso, as ideias da Revolução Francesa encontram apoio em uma atitude que não é estranha ao temperamento nacional. A noção da bondade natural combina-se singularmente com o nosso “cordialismo”.

Mas é uma coincidência o que há de comum entre as atitudes que tentamos aproximar. O pensamento liberal-democrático está em contraste com qualquer forma de convívio baseada nos valores cordiais. Todo afeto entre os homens funda-se em preferências. A unilateralidade entra em oposição com o ponto de vista jurídico e neutro em que se baseia o liberalismo.

Importa, de qualquer modo, relegar aos seus limites o domínio de certas fórmulas políticas. Aqueles pioneiros de nossa Independência e da República que não desejavam modificar a situação dos escravos foram de uma sinceridade que nunca mais se repetiu na nossa vida de nação. Depois deles, os políticos mais prudentes preferiram esquecer a realidade, para não ver o espetáculo detestável que o país lhes oferecia.

Não é impossível, pois, que o fascismo de tipo italiano chegue a alcançar sucesso entre nós. Hoje os partidários já descobrem seu grande mérito em ter tornado possível a instauração de uma reforma espiritual abrangendo uma verdadeira tábua de valores morais. Mas o sistema que instituiu para sustentar a estrutura pretende compor-se dos elementos de doutrinas que repele em muitos dos seus aspectos. Esse sistema lhes dá, aparentemente, a dignidade de um triunfo positivo sobre o liberalismo e também sobre as pretensões revolucionárias da esquerda.

Não seria difícil prever o que poderia ser o quadro de um Brasil fascista. Nos nossos “integralistas” faz falta aquela truculência desabrida e exasperada dos modelos da Itália e da Alemanha. A energia destes transformou-se, aqui, em lamentações de intelectuais neurastênicos. Deu-se com eles coisa semelhante ao que resultou do comunismo, que atrai entre nós precisamente aqueles que parecem menos aptos a realizar os princípios da Terceira Internacional. No caso do fascismo, a variedade brasileira ainda trouxe a agravante de poder passar por uma teoria meramente conservadora, e tendendo, assim, a tornar-se inofensiva aos poderosos.

Se no terreno politico e social os princípios do liberalismo tem sido uma superfetação, não será pela experiência de outras elaborações que nos encontraremos um dia com a nossa realidade. Poderemos ensaiar a organização de nossa desordem segundo esquemas sábios e de virtude provada, mas há de restar um mundo de essências mais íntimas que permanecerá intato e desdenhoso das invenções humanas. Querer ignorar esse mundo será renunciar ao nosso próprio ritmo espontâneo, por uma harmonia falsa.

Já vimos que o Estado opõe-se à ordem natural e a transcende. Mas também é verdade que essa oposição deve resolver-se para que o quadro social seja coerente consigo. Há uma única economia possível e superior aos nossos cálculos para compor um todo perfeito de partes tão antagônicas. As formas superiores da sociedade devem ser como um contorno congênito a ela e dela inseparável: emergem continuamente das suas necessidades específicas e jamais das escolhas caprichosas. Há, porém, um demônio pérfido e pretensioso, que se ocupa em obscurecer aos nossos olhos estas verdades singelas. Inspirados por ele, os homens se veem diversos do que são e criam novas preferências e repugnâncias. É raro que sejam das boas.

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Bibliografia:

HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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