Navegantes, Bandeirantes, Diplomatas: O Tratado de Tordesilhas

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Resumo de Navegantes, Bandeirantes, Diplomatas – O Tratado de Tordesilhas, capítulo 2 da obra de Synesio Sampaio Goes Filho. Boa leitura!

2.1 Rivalidades ibéricas

Colombo conhecia bem as pendências luso‑hispânicas: basta recordar que tinha vivido em Portugal durante a guerra peninsular (1475‑1479) terminada com a paz de Alcáçovas. Ao voltar de sua viagem descobridora, viu na prática como elas se refletiam na disputa pela posse das terras descobertas. Batido por tempestades, foi obrigado a aportar em Lisboa, antes de regressar a Palos. D. João II recebeu o navegante, que se fazia acompanhar por alguns indígenas. Há várias versões da entrevista, que seguramente foi tensa.

D. João II deixou claro ao navegador genovês que considerava serem portuguesas as terras recém‑descobertas. Baseava sua afirmação em várias bulas papais e, em particular, no Tratado de Alcáçovas, de 1479, pelo qual Portugal desistia das Canárias mas, em compensação, passava a ter direitos sobre qualquer terra descoberta ao sul desse arquipélago. Para aumentar a credibilidade de suas palavras, D. João II tomou providências para armar uma frota com a finalidade de explorar a região das terras descobertas por Colombo. A simples notícia de que os portugueses a estavam preparando, que circulou na Corte espanhola, fortaleceu a posição do Governo português nas negociações diplomáticas subsequentes.

Nesse ano de 1493, não era mais privilegiada a situação de Portugal na Santa Sé. Desde o ano anterior, era Papa, sob o nome de Alexandre VI, o cardeal aragonês Rodrigo Bórgia. Sem dúvida, Alexandre VI favoreceu os espanhóis. Motivos não lhe faltavam: seus conterrâneos Fernando e Isabel tinham sido responsáveis pela sua eleição e lhe davam apoio militar, nessa época de agitações, em que estava ocorrendo a primeira das várias invasões francesas na península itálica.

Sem perda de tempo, no próprio ano em que Colombo regressou de sua primeira viagem, Alexandre VI publicou as bulas Eximiae Devotionis e Inter Caetera, que asseguravam à Espanha a posse das terras descobertas. Por uma terceira bula, de 4 de maio, conhecida por “bula da partição”, o Papa distinguiu as possessões da Espanha das de Portugal, traçando a divisa pelo meridiano que passa 100 léguas a oeste dos Açores e Cabo Verde. Por essa bula, a América seria integralmente da Espanha. A autorização papal atribuía um grau extra de segurança às reivindicações castelhanas contra qualquer contestação por parte dos portugueses e elevava a conquista das Índias ao nível de empreendimento sagrado.

2.2 Negociações

Embora favorecida pelas bulas de Alexandre VI, a Espanha, com sérios problemas na Itália e apenas recentemente unificada, não queria correr os riscos de uma nova guerra com Portugal. Chegou a um acordo que a deixava em posição menos vantajosa do que aquela prevista pela bula da partição. As negociações foram completadas em 7 de junho de 1494, na cidade de Tordesilhas, (tratado cujo título original é “Capitulação da Partição do Mar Oceano”). Ratificado pela Santa Sé em 1506, pela bula “Ea quae pro bono pacis”, seu parágrafo essencial dividia as possessões ibéricas no Atlântico pelo meridiano que passa 370 léguas a oeste do arquipélago do Cabo Verde: as terras a leste seriam de Portugal; a oeste, da Espanha.

Ambas as partes contratantes ficaram satisfeitas com a conclusão das negociações. A Espanha acreditava que Colombo descobrira um caminho melhor para as Índias. O Tratado de Tordesilhas dava, ademais, importante personalidade internacional à Espanha afinal, colocava‑a ao lado da primeira nação navegante da época, Portugal, na divisão do mundo que estava sendo descoberto. E, depois, a Espanha cedia a Portugal, pensavam seus negociadores, uma zona marítima onde poderia haver algumas ilhas. Quanto a Portugal, a aceitação garantiu‑lhe tudo o que poderia almejar: o principal, que era o caminho verdadeiro das Índias, já pressentido com as sucessivas descobertas cada vez mais ao sul da costa africana; e o secundário, que era uma boa porção das terras brasileiras de cuja existência já teria indícios.

Vasco da Gama, chegando a Calecute, em 1498, e Pedro Álvares Cabral, descobrindo o Brasil, em 1500, confirmaram o acerto da posição diplomática de Portugal em 1494 e consequentemente o erro da Espanha. A frustração deste país durou pouco. Viu‑se logo a imensidão das terras que pertenciam à Espanha e a riqueza dos impérios asteca (1514) e inca (1528) nelas contidos, sem falar na montanha de prata de Potosí (1545).

2.3 A fronteira indemarcável

O Tratado de Tordesilhas tem dado margem a muita discussão. Por que 370 léguas? Por que não um número redondo, 300 ou 400 léguas?

O aspecto mais interessante para a História do Brasil é aquele indicado pelos historiadores que veem, na fixação das 370 léguas, a prova de que Portugal conhecia a existência de terras a leste do meridiano que por ali passa. É plenamente defensável a tese menos drástica de que os portugueses, em 1494, teriam indícios da existência de terras na sua parte da divisão. Além disso, já saberiam que para contornar a África era mais fácil afastar‑se bastante das calmarias do golfo da Guiné, isto é, precisava‑se de espaço para dar a “volta larga”, de que se falaria mais tarde, quando a carreira da Índia fosse uma rotina anual.

Para justificar a assinatura do Tratado de Tordesilhas, é muito difundida a ideia de que, ao dividir‑se o mundo em dois hemisférios. Mas a ideia de divisão do mundo é anacrônica. A verdade é que o tratado foi concebido exclusivamente para o Atlântico, o “mar oceano”, como então se chamava, pois o Pacífico não existia para os europeus daquela época.

Mesmo reconhecendo que foi concebido exclusivamente para o Atlântico, não há dúvida de que o Tratado era impreciso. Primeiro, porque fala em léguas, sem especificar o tipo de légua, sabendo‑se que havia vários no século XV. Depois, porque não indica a partir de qual ilha do arquipélago do Cabo Verde deveria iniciar‑se a contagem das 370 léguas. Ora, da ilha mais ocidental à mais oriental, a diferença é de três graus de longitude, cerca de 330 quilômetros.

Além disso, naqueles tempos, não se conhecia o processo de calcular longitudes com exatidão, que só seria descoberto, aliás, mais de duzentos anos depois, já no século XVIII. O que os europeus faziam no século XVI era o que foi chamado de “navegação das latitudes”, pela qual localizavam bem as terras situadas ao norte e ao sul, mas não a leste ou a oeste.

Mas, então, com todas essas dúvidas e imprecisões, ficamos em que se trata − essa reta, nessa longitude − de uma simples escolha: pressupõe a adoção da milha marítima de 1.852 metros e o início da contagem a partir da ilha de Flores, a mais a oeste do arquipélago. Há outras. Os mapas antigos apresentavam divergências significativas. Se compararmos o célebre Mapa de Cantino, de 1502, o primeiro que traz a costa do Brasil recém‑descoberta por Cabral, com o de Diogo Ribeiro, de 1529, considerado o monumento máximo da cartografia portuguesa, veremos que a distância entre os dois meridianos, no equador, é superior a 800 km.

Finalizando essas considerações sobre Tordesilhas, há outro ponto que é necessário mencionar, porque está presente na circunstância deste Tratado. Trata‑se dos casamentos reais entre as casas de Madri e de Lisboa, que permeiam toda a história das relações luso‑espanholas e quase sempre objetivavam uma futura unificação peninsular (havida, aliás, entre 1580 e 1640). Agora, em Tordesilhas, cuidava‑se de acertar o matrimônio da Infanta D. Isabel, viúva do Príncipe D. Afonso (herdeiro de D. João II e morto em 1491 num acidente equestre), com o futuro D. Manuel. A corte de Castela e boa parte da nobreza portuguesa temiam que D. João II quisesse impor, como sucessor, o filho natural D. Jorge, em detrimento do novo herdeiro legítimo, seu primo e cunhado, o então Duque da Beja. Este, como queriam os espanhóis, subiu ao trono em 1495 e se casou com Dona Isabel em 1497. É, pois, neste ambiente não só de rivalidades marítimas, mas também de interesses dinásticos, que se inserem as negociações de Tordesilhas.

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Bibliografia:

GOES FILHO, Synesio Sampaio. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. Brasília: FUNAG, 2015.

Agradecemos à Patrícia Derolle, do E-Internacionalista, pela dica.

A íntegra da obra pode ser acessada aqui.

Rolf Amaro

Nascido em 83, formado em Ciências Sociais, músico, sempre ando com um livro na mão. E a Ana,minha senhora, na outra.

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